Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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A pesquisa na Atenção Básica: oportunidade de interação com os Agentes Comunitários de Saúde
Matheus Ribeiro dos Santos, Maria da Conceição Julião Badaró, Lina Rodrigues de Faria

Última alteração: 2021-12-14

Resumo


Apresentação

A pandemia de COVID-19 tem provocado em todo o mundo a mobilização de recursos científicos, tecnológicos, econômicos e sociais. É consenso entre os organismos internacionais a importância das medidas de prevenção e controle individuais e coletivas no enfrentamento ao vírus, que busquem reduzir novas infecções e a sobrecarga social da doença e sua mortalidade. Tal momento passa a imprimir à humanidade novas normas de viver e trabalhar, interpretadas como obstáculo ou oportunidade para o enfrentamento das consequências. São exigidas adaptações às novas realidades e rotinas que intensificam sentimentos de angústia, medo e incertezas, especialmente entre populações mais vulneráveis e fragilizadas.

Neste contexto, as equipes de Atenção Primária à Saúde (APS) assumem importante papel no desenvolvimento de ações educativas, sociais e assistenciais, pois compreendem as especificidades sociais e culturais das comunidades onde atuam. A APS também será responsável pelos diversos problemas decorrentes do isolamento e da precarização da vida em aspectos sociais e econômicos, como transtornos mentais, violência doméstica, alcoolismo e substâncias psicoativas, que acarretarem sequelas graves, além da agudização ou desenvolvimento de agravos crônicos, que exigem cuidados integrados e longitudinais”.

Os desafios impostos pela pandemia ressaltaram a necessidade do envolvimento de todos os profissionais da APS no planejamento das ações para a gestão de riscos. A (re)organização dos processos de trabalho para suprir tal demanda suscitou novas formas de comportamento social, além da adequação e desenvolvimento das práticas de cuidado, principalmente aquelas desenvolvidas pelos Agentes Comunitários de Saúde (ACS). As atividades de vigilância, diagnóstico precoce, tratamento de casos leves e as estratégias de prevenção e educação em saúde são destacadas pelos profissionais da APS como centrais no combate a pandemia. Assim, as necessidades de saúde das comunidades incluíram novas demandas de trabalho para os ACS, que passaram a necessitar de ações de educação permanente adaptadas ao novo contexto da pandemia, desenvolvimento e mudança da práxis e uso ferramentas, como as Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC). A formação do trabalhador de saúde neste contexto, precisa ter como base as melhores evidências científicas disponíveis, para que possam em suas atividades laborais esclarecer e combater as Fake News espalhadas nos territórios.

Diante da participação do Município de Porto Seguro, no Sul da Bahia, na realização da pesquisa “Prevenção e controle da COVID-19: estudo multicêntrico sobre a percepção e práticas no cotidiano das orientações médico-científicas pela população dos territórios de abrangência da Atenção Primária à Saúde”, promovida pela Rede PROFSAÚDE e FIOCRUZ, o trabalho tem como objetivo apresentar a experiência com os ACS, decorrente da realização da primeira fase, que consiste na aplicação de um formulário aos usuários que frequentaram a Unidade Básica de Saúde (UBS) nos 90 dias precedentes à pesquisa, com objetivo para identificar as estratégias utilizadas pela população e o grau de credibilidade das informações na prevenção e controle da Covid-19.

Desenvolvimento

Trata-se de um relato de experiência, construído a partir das vivências e dos relatos dos ACS na participação da pesquisa entre os meses de setembro/2020 e março/2021. O trabalho está em conformidade com os preceitos éticos e foi aprovado no Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB), processo n. 4.437.757. As atividades foram orientadas por mestrandos do Mestrado Profissional em Saúde da Família da UFSB, de acordo com as seguintes etapas: I – Convite e qualificação; II – Coleta de dados; III – Discussão sobre a pesquisa.

Na etapa I foram selecionadas três Unidades de Saúde da Família (USF). Foram realizados encontros com os ACS, para apresentação da proposta de pesquisa, questões éticas, convite e treinamento no preenchimento do questionário, por meio de tablets cedidos pela Secretaria de Saúde, com o software Cidade Saudável.

Na  etapa II foi realizada a coleta de dados.  Participaram 16 ACS, que aplicaram questionários com o objetivo de identificar características sociais, demográficas e econômicas da população, bem como a utilização dos serviços de saúde, as estratégias e o grau de credibilidade das informações para a prevenção e controle da Covid-19. Após esse período, os dados foram extraídos do sistema e consolidados pelos mestrandos.

Na etapa III, foram realizadas rodas de conversa, para apresentação dos resultados preliminares e discussão de questões relacionadas a experiência de participação na pesquisa. Os ACS foram estimulados a compartilhar as dificuldades/facilidades encontradas na aplicação dos questionários, as demandas observadas a partir do trabalho realizado e como a pesquisa teve impacto sobre suas rotinas de trabalho.

Resultados

Percebeu-se que a inserção da pesquisa científica na rotina de trabalho dos profissionais constitui-se um desafio. Foi observada inicialmente resistência na adesão dos ACS a participação no estudo, superada pela abordagem em forma de convite, onde os agentes estavam livres para decidir sobre sua participação, além de esclarecer que as entrevistas deveriam ser realizadas durante as visitas domiciliares já programadas no seu processo de trabalho. A utilização dos tablets também foi fator decisivo, pois facilitou o processo de coleta de dados, permitindo a manutenção do distanciamento durante as visitas.

Os resultados preliminares sinalizaram o protagonismo dos ACS nas ações de orientação e promoção em saúde relacionadas ao COVID-19 em comparação com outros profissionais da ESF, em função da proximidade maior desses Agentes com as populações nos territórios. Cabe destacar a atuação e experiência dos ACS nas orientações sobre uso da máscara como principal estratégia de prevenção, sobre isolamento parcial e total como estratégias importantes para as populações mais vulneráveis (embora mais difíceis e menos colocadas em prática pela população pesquisada), além de maior confiabilidade dos usuários nos profissionais da saúde nas informações repassadas às comunidades sobre o quadro sanitário.

Os agentes relataram que a participação na pesquisa promoveu maior aproximação com as práticas de prevenção realizadas pela população e a identificação de áreas e famílias mais vulneráveis à contaminação pela covid-19 no território, o que oportunizou a realização de ações de educação e promoção em saúde, visto que os mesmos se sentiram mais qualificados e empoderados para abordar tais questões.

Destacaram também a necessidade de educação permanente em temas como vacinação, tratamento e estratégias de enfrentamento à Covid-19, em virtude da realização de educação em saúde e da grande quantidade de Fake News espalhadas entre usuários. Neste processo foram essenciais os encontros iniciais (com informações sobre a pesquisa, Covid-19 e manuseio dos tablets) e as rodas de conversa para apresentação dos resultados e discussão.

Considerações finais

O relato de experiência demonstra a importância da inserção da pesquisa científica no cotidiano de trabalho dos profissionais da ESF, como prática de aperfeiçoamento das ações de promoção e vigilância em saúde. A realização de pesquisas no âmbito da APS pode contribuir no diagnóstico de problemas do território e auxiliar na construção de soluções significativas, capazes de promover o aperfeiçoamento das ações e dos serviços de saúde, ou seja a possibilidade de transformar o conhecimento cientifico em intervenções que melhorem as práticas da APS.

A participação dos ACS neste trabalho expressa que a pesquisa não é interesse apenas de pesquisadores, mas também de gestores e principalmente dos trabalhadores da saúde. Contudo, para que seus resultados sejam observados e colocados em prática, se faz necessário promover a participação e socialização dos resultados em espaços de discussão, que propiciem a internalização do conhecimento e promovam sua utilização.