Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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AGRAVOS À SAÚDE DOS TRABALHADORES DO CAMPO E DAS ÁGUAS: PERCEPÇÕES DE EQUIPES DE SAÚDE DA FAMÍLIA DO NORDESTE
Morgana Pordeus do Nascimento Forte, Vanira Matos Pessoa

Última alteração: 2021-12-20

Resumo


APRESENTAÇÃO

No Brasil rural, a tecnologia avança para grandes indústrias de monocultura extensiva, ficando distante do trabalhador artesanal, cujo trabalho é realizado em regime familiar, com características singulares, tornando-o mais vulnerável ao processo de trabalho. Qualquer evento que acometa um membro da família pode estar relacionado ao processo saúde-doença e ameaçar a própria subsistência1-3.

No campo e nas águas, ainda existem limitações de acesso e qualidade nos serviços de saúde e na utilização de cuidados ambulatoriais. A procura por atendimento nestas regiões é predominantemente motivada por doenças agudas, sobrecarregando o serviço com atividades assistenciais e reduzindo intervenções preventivas e promotoras da saúde que são pontos inerentes à atuação dos profissionais da Atenção Primária à Saúde (APS)6-10.

Com o fito de melhorar indicadores de saúde e qualidade de vida desta população, a Política Nacional de Saúde Integral das Populações do Campo, Floresta e Águas (PNSIPCFA) é uma política de promoção de equidade em saúde, com o intuito de reduzir riscos e agravos acarretados pelos processos de trabalho e das tecnologias agrícolas6,14,15.

Em conjunto, a Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora (PNSTT) envolve a APS em algumas ações, as quais destaca-se: reconhecer e mapear atividades produtivas no território; reconhecer e identificar riscos potenciais e impactos à saúde do trabalhador; notificação de agravos relacionados ao trabalho16.

O olhar ampliado de profissionais da APS sobre território é estratégico para a incorporação efetiva da PNSIPCFA e da PNSTT. É fundamental que a equipe de saúde responsável pelo território se aproprie dos processos produtivos existentes, atentando para as distintas características e operações durante o processo laboral e compreendendo a relação do processo de saúde do trabalhador com o contexto socioambiental17,18.

Este manuscrito objetivou reconhecer as percepções de profissionais de equipes de saúde da família (eSF) em territórios do campo e das águas acerca dos principais agravos que envolvem o trabalho das famílias adscritas nos respectivos territórios.

MÉTODO DE ESTUDO

Trata-se de um estudo qualitativo do tipo exploratório e descritivo19,20, realizado em quatro municípios do Nordeste brasileiro. Para cada um, selecionou-se uma equipe completa de atuação em áreas rurais ou rururbanas da eSF e que atendessem comunidades/movimentos populares do campo e das águas. Profissionais que estivem nas funções de enfermeiro, médico, cirurgião-dentista, técnico de enfermagem (TE), técnico de saúde bucal (TSB), agente comunitário de saúde (ACS), agente de combate a endemias (ACE) foram convidados, totalizando 29 entrevistas, pois de uma destas equipes um ACS a mais demonstrou interesse e os pesquisadores compreenderam que a escuta de mais um profissional contribuiria para ampliar o estudo.

Foi utilizada a entrevista como técnica de investigação e, para análise, utilizou-se da técnica Análise Temática21.

A pesquisa de campo foi realizada no período de junho a agosto de 2019, após aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa, através do parecer nº 3.372.478.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O trabalhador do campo enfrenta alguns riscos ocupacionais, dentre eles: físicos, dada a exposição à luz solar e ao calor excessivo, químicos, com o uso de agrotóxicos e poeira, ergonômicos, pelo esforço físico intenso e alta carga horária de trabalho e biológicos, com animais peçonhentos e contaminação pelo Trypanossoma cruzi35. Quando o olhar se volta para a saúde do pescador artesanal, acresce-se o risco de infecções urinárias, dermatites pelo contato frequente com água e lama que gera atrito, irritações e infecções36.

Todos os ACE e ACS perceberam a grande exposição ao sol, os movimentos repetitivos, os acidentes de trabalho, ou a utilização de produtos químicos na agricultura como fatores de risco à saúde do trabalhador.

Entre os TE e os TSB, houve reconhecimento de cargas horárias extenuantes de trabalho entre a população como fator que interfere no cuidado de comorbidades como diabetes ou hipertensão, a falta do uso de equipamentos de proteção individual (EPI) como risco de doença e uso de agrotóxicos prejudicando a saúde do trabalhador do campo.

As condições de trabalho e as próprias atividades do trabalhador rural são fatores de vulnerabilidade para diversas doenças, condicionada inclusive a fatores ambientais que podem desencadear agravos à saúde16 e isso foi apreendido pelos entrevistados mesmo naqueles que não identificaram um risco ocupacional propriamente dito.

Os cirurgiões-dentistas identificaram a relação do risco de exposição solar e o aparecimento de câncer de pele, de boca ou lesões nos lábios. Um deles também descreveu sua dificuldade de assistir à população trabalhadora em função dos agravos trazidos pelo processo produtivo, devido as queixas osteomusculares, corroborando com o descrito na literatura. Os entrevistados em geral, abordaram as principais demandas atendidas nas unidades: lombalgia, artralgia, hérnias discais, tendinite, dentre outras37-40.

Quanto ao uso de agrotóxicos, foi evidenciado nos discursos de ACE, ACS, médico e TSB: demandas clínicas relacionadas ao uso destes produtos químicos, como reações alérgicas na pele e queixas respiratórias. Os demais, relataram ciência do uso pelos trabalhadores, e que estes, em sua maioria, não utilizam EPI.

Há comprovação científica sobre os agravos agudos e crônicos relacionados a agrotóxicos, devido à exposição, através da manipulação e aplicação dos produtos, e à contaminação de comidas e de resíduos presentes no ar durante manipulação. É a partir do contato indireto que se pode pensar na exposição crônica acarretando danos41,42. Nesse sentido, mesmo com relatos breves sobre o uso de agrotóxicos, todos os profissionais da eSF precisam estar cientes dos riscos relacionados ao trabalho.

É atribuição da eSF, além de atendimentos individuais, a garantia de espaços de educação em saúde. Para esta população em específico, a possibilidade de orientar quanto ao manejo correto dos instrumentos de trabalho e à importância da utilização de EPI, a necessidade de pausas entre os processos de trabalho, para reduzir ou minimizar, principalmente, queixas osteomusculares.

Quanto ao aparecimento de acidentes de trabalho na prática dos entrevistados, houve relato de acidentes com materiais perfurocortantes, como foices, enxadas ou facão, bem como acidentes com animais peçonhentos, ainda que em menor proporção de atendimento com tal demanda.

A maioria dos discursos do PS evidenciam uma normalização desses acidentes, realizando apenas práticas assistenciais, sem mencionar aspectos de vigilância e educação em saúde. Porém, alguns profissionais identificavam a importância de orientar sobre o uso de EPI, apesar de concordarem na dificuldade da população de os adquirem, devendo-se considerar buscar a dispensação de EPI pelo SUS para trabalhadores artesanais. Medidas de proteção coletivas também devem ser incentivadas e implementadas45.

Há lacunas no que se refere a compreensão e atuação dos profissionais nos eventos agudos (acidentes) e crônicos relacionados ao trabalho, bem como relacionadas a estratégias capazes de modificar ou intervir no processo de adoecimento relacionados à prática artesanal.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Do ponto de vista da eSF, em diálogo com a PNSIPCFA e PNSTT reconhecer a relação do modo de vida e trabalho no território, por parte das equipes é extremamente relevante para o cuidado integral. Percebeu-se que os profissionais das eSF estabeleceram esta relação, ainda que de maneira heterogênea em cada discurso.

Reforça-se que a forma com que a PCA se relaciona com o trabalho é também seu modo de (sobre)vida e os PS precisam envolver esta população em práticas de saúde que se assegurem um mínimo de condições salubres de trabalho, garantindo promoção, prevenção, educação e assistência em saúde.