Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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Planejamento orçamentário municipal: a saúde no contexto das políticas da seguridade social
MARILENE GONÇALVES FRANÇA, Adriana Ilha da Silva, Francis Sodré

Última alteração: 2021-12-21

Resumo


A seguridade social instituída pela Constituição Federal de 1988 (CF/88) compreende “[...] um conjunto integrado de ações dos Poderes Públicos e da sociedade destinado a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social”. Nesse sentido, é parte integrante do Estado Social, pois integra um conjunto específico de políticas sociais, sendo um elemento central na abrangência da intervenção social do Estado. As receitas e despesas dessas políticas, de acordo com a CF/88, comporiam o Orçamento da Seguridade Social (OSS), como consta no art.195, que estabelece: “[...] a seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes do orçamento da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e de contribuições sociais”. A proposta de criação de um orçamento da seguridade social, para canalização de recursos próprios e exclusivos para as políticas de saúde, da previdência e da assistência social, não foi efetivada por nenhum governo. E as contribuições sociais que deveriam ser destinadas para seguridade social, foram sendo utilizadas para outras políticas fiscais, principalmente para os encargos financeiros da união (amortização e juros da dívida) e para realização de “caixa” visando o garantir o superávit primário. Assim, a não implantação do Orçamento da Seguridade Social, com suas fontes de receitas vinculadas, nos moldes determinados pela Carta Magna, criou grandes dificuldades para consolidação das políticas sociais. A regulamentação das políticas sociais – previdência, saúde e assistência social – também, foram fragilizadas nos anos de 1990, pois foram regulamentadas por leis distintas e organizadas administrativamente de forma separada. Desse modo, o financiamento da seguridade social no Brasil continuou fracionado entre as três políticas, uma vez que as fontes de recursos permaneceram separadas: 1) previdência social: recursos advindos da contribuição direta dos empregados e empregadores; e 2) saúde e assistência: contribuições sociais incidentes sobre o faturamento, o lucro e a movimentação financeira. Dessa forma, a perspectiva da construção e efetivação de um fundo público único para a seguridade social, que assegure um “financiamento tripartite e redistributivo, destinado a financiar as três políticas da seguridade jamais foi efetivada, minando uma das bases necessárias à efetivação da concepção de seguridade social”. A efetivação da seguridade social tornou-se ainda mais distante, diante da nova hegemonia burguesa: o neoliberalismo, que impôs entraves à consolidação dos direitos sociais no Brasil. Na lógica do capitalismo contemporâneo, a configuração de padrões universalidades e redistributivos de proteção social vê-se fortemente tensionada: pelas estratégias de extração de superlucros (flexibilização das relações de trabalho); pelas supercapitalização (privatização explicita ou induzida de setores públicos), e pelo desprezo burguês para com o pacto social dos anos de crescimento (consumista e hedonista ao extremo).

Na análise do contexto político e econômico de instituição do Sistema Único de Saúde (SUS), nota-se que o estabelecimento do direito à saúde, por meio da seguridade social, constituiu-se num projeto contra hegemônico por instaurar-se no âmbito da nova fase do capitalismo contemporâneo, sob a dominância financeira e o constrangimento do sistema de proteção social. Nesse cenário, os direitos sociais, contidos nas políticas da seguridade social, foram submetidos à lógica do ajuste fiscal, ao assistencialismo focalizado e ao nicho lucrativo para o capital. Esse cenário provocou o agravamento da situação de sustentabilidade do SUS, diante do subfinanciamento crônico do sistema. Nessa perspectiva o orçamento público é um instrumento que expressa as prioridades políticas do poder público, em um determinado período, sendo sua análise fundamental para a compreensão das escolhas dos governos e da trajetória das políticas públicas, possibilitando verificar a prioridade dada a uma determinada política. Busca-se neste estudo analisar o planejamento orçamentário financeiro da política saúde em relação as outras políticas – previdência e assistência social - que compõem a seguridade social no município de Vitória-ES, no período entre 2009 a 2019, a partir de um comparativo entre a previsão do gasto público com saúde e o montante destinado as outras políticas da seguridade social municipal, visando identificar a prioridade dada a saúde na agenda política do município de Vitória. Trata-se de um estudo documental de caráter exploratório descritivo baseado nas informações obtidas pelos Demonstrativos do Orçamento da Seguridade Social, contidas na Lei Orçamentária Anual (LOA) do município, disponível no Portal Transparência do Município de Vitória, um sistema que permite o acompanhamento das receitas, despesas da administração municipal, os relatórios de gestão fiscal, bem como, outras informações relativas à gestão municipal. Os dados foram organizados por montantes de recursos destinados a cada política na programação orçamentária: saúde, previdência municipal e a assistência social, e após foram calculadas as variações percentuais por ano. Posteriormente, foi traçado a evolução de previsão de despesas com saúde, comparando-o com o valor previsto para a previdência e assistência social. O valor foi corrigido pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de dezembro de 2019. Nas LOAs no período de 2009 a 2019, verificaram-se que os valores estabelecidos para a saúde, totalizaram cerca de R$ 330 milhões em 2009 e 290 milhões em 2019. Portanto, houve uma redução nos valores previstos para a saúde entre 2009 e 2019 de aproximadamente 12,18%. Em relação a assistência social, observou-se que foram previstos aproximadamente R$ 50 milhões de reais em 2009 e R$ 55 milhões de reais em 2019, representando um aumento de cerca de 12% no período. Por sua vez a previdência social teve um crescimento de aproximadamente 52% no período, sendo que em 2009 foram programados cerca de R$ 217 milhões de reais e em 2019 cerca de 330 milhões de reais. Comparando as programações orçamentarias para as três políticas que compõem a seguridade social, observa-se que ao longo dos últimos dez anos, a política que vem apresentando crescimento durante todo o período foi a previdência social (que representou cerca de 19 % do orçamento do município – programado), quando comparado ao setor saúde (17%), e a assistência social (3 %). Observa-se que o ano que apresentou mais decréscimo na saúde foi de 2015 para 2016 cerca de 23%, enquanto a assistência social e previdência apresentaram aumento, cerca de 26% e 21% respectivamente. Cumpre destacar que a função saúde em 2009 representava cerca de 14% da despesa total do município, já em 2019 representou aproximadamente 17%, porém esse aumento não ultrapassou as outras funções, pois no período apresentou redução 12% quanto ao montante de recursos direcionado a essa área. Desse modo, observa-se que um percentual maior do fundo público, no âmbito da seguridade social, foi direcionado para previdência social, em detrimento a política de saúde. Nesse sentido, o estudo possibilitou observar que a saúde tem integrado a agenda do município de Vitória, considerando sua inserção nos documentos do planejamento orçamentário, o que é fundamental para assegurar a execução de suas ações e para consolidação dessas políticas, o que demonstra a princípio que há um interesse na gestão municipal em investir nesta área. No entanto, observou-se que a dita prioridade dada à política municipal da saúde não reflete na previsão orçamentária no período, uma vez que, os recursos destinados a mesma tem decrescido ao longo dos anos, quando comparado as políticas de previdência social e assistência social.