Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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Análise de uma prática interprofissional em saúde: experiência com um grupo de acolhimento e escuta destinado a estudantes de uma escola municipal de Vitória, Espírito Santo
Dayane Da Silva Neves, Alexandra Iglesias

Última alteração: 2021-12-20

Resumo


O Sistema Único de Saúde (SUS) foi concretizado na Constituição de 1988 e traz consigo diretrizes e princípios, os quais se embasam em uma nova concepção de saúde, com a perspectiva de tornar os serviços de saúde universais e descentralizados em todo território brasileiro. Nesse contexto, a interprofissionalidade surge como uma importante estratégia para potencializar as ações do SUS, principalmente no que se refere às articulações necessárias à sua consolidação. A atuação interprofissional vem ganhando notoriedade e sendo cada vez mais requisitada diante das complexidades das demandas de saúde. Baseada no apoio mútuo entre diferentes profissionais, a interprofissionalidade tem justamente o propósito de potencializar a qualidade da atenção à saúde por meio de práticas colaborativas. Diante de tal discussão, surge o questionamento: como a interprofissionalidade tem se materializado no cotidiano das práticas em saúde? Assim, este estudo objetivou analisar uma prática interprofissional, do seu planejamento à sua execução, voltada ao acolhimento e à escuta de um grupo de crianças e adolescentes matriculados em uma turma de educação integral em um bairro do município de Vitória-ES, em situação de vulnerabilidade social, identificando os possíveis desafios e potencialidades dessa prática. Trata-se de uma pesquisa de abordagem qualitativa, sendo que a construção e desenvolvimento da prática interprofissional a qual este trabalho analisa, se deu a partir da parceria entre profissionais de uma Unidade de Saúde da Família (USF) do município de Vitória-ES, uma escola municipal do mesmo bairro e a Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Participaram desta ação: uma psicóloga, uma enfermeira e uma agente comunitária de saúde da USF; uma pedagoga e uma professora da escola municipal; além de três estudantes de graduação em Psicologia e duas professoras da UFES, sendo uma do curso de Psicologia e a outra do curso de Terapia Ocupacional. A escolha por essa ação com crianças e adolescentes se deve justamente ao fato de ser potencialmente considerada como interprofissional, já que reúne profissionais de diferentes formações para uma atenção centrada no usuário, na família e na comunidade. O grupo de profissionais apresentado realizou encontros semanais entre agosto de 2019 e março de 2020, sendo intercalados entre reuniões na USF, para discussão e planejamento das atividades e realização das atividades na escola municipal. A partir desses encontros foram produzidos os diários de campo, utilizados como fontes de dados desta pesquisa. A análise da experiência com o grupo de crianças e adolescentes juntamente com os diferentes profissionais, possibilitou a produção de duas categorias que se apresentaram tanto no planejamento quanto na execução das atividades, sendo elas: desafios e potencialidades do trabalho interprofissional. Dentre os desafios pode-se destacar: comunicação e alinhamento de estratégias entre os diferentes profissionais, que dificultaram o planejamento e execução das atividades; desenvolvimento de ações que englobasse a complexidade de questões que surgiram durante os encontros; rompimento com o modelo biomédico e exclusivamente preventivo; e o desvencilhamento dos discursos moralistas e religiosos presentes nas falas dos trabalhadores. O conflito do trabalho em equipe, apontado como dificuldade na experiência, criou justamente um tensionamento que exigiu mudanças no modo de condução das ações e um olhar cuidadoso sobre a possibilidade de criar novos modos de relação entre saúde e educação. Contudo, inicialmente, a falta de alinhamento das estratégias da equipe dificultou o planejamento das ações, que tinham como proposta lidar com a diversidade e complexidade das questões apresentadas pelos estudantes durante os encontros. Tais questões incluiam relatos de violência doméstica, abuso sexual, automutilação, bullyng, violência do território, condição financeira precária, relações familiares fragilizadas, dificuldade de aprendizagem, ansiedade, entre outros. Diante do cenário apresentado, ainda se observou que práticas de cuidado pautadas no modelo biomédico e preventivo atravessou por diversas vezes a experiência, dificultando assim a proposta interprofissional da ação. Além disso, o discurso moralista e religioso foi apontado por parte da equipe como forma de trabalhar o comportamento dos estudantes. Já entre as potencialidades destacam-se: a diversidade de profissionais para o desenvolvimento das ações; a presença das profissionais da escola como relevante para conhecimento mais aprofundado do público com o qual iriam se desenvolver as ações, marcando também, a existência de uma atuação intersetorial; e a centralidade nos estudantes, considerando o que eles traziam de demanda. A diversidade de profissionais se destacou como um importante elemento para ampliar as discussões e ações colocadas em prática. Toda essa diversidade de saberes se somou no momento de planejar as ações. O apoio mútuo entre os diferentes profissionais permitiu justamente que ações mais concretas pudessem ser desenvolvidas para atender a complexidade de demandas apresentadas pelas crianças e adolescentes. Pensar em ações que possam ser significativas em meio a toda a multiplicidade existente não é tarefa fácil. A diversidade nesse sentido ajudou a pensar e planejar de maneira mais ampla e consistente as ações. Nesse sentido, também se destacou a participação de diferentes serviços, incluindo a escola, a universidade e a USF, marcando assim uma ação intersetorial. Ainda é interessante pontuar a centralidade dos estudantes da escola onde foram ofertadas as ações. Esse formato possibilitou planejar ações a partir do que os próprios sujeitos envolvidos apontaram como questão a ser trabalhada. Durante os encontros os estudantes demonstraram interesse por atividades que envolvessem música, dança, movimento do corpo, informática, televisão e desenho. Munida dessas informações, a equipe se propôs a planejar as atividades de acordo com os interesses apresentados pelas crianças e adolescentes. Desse modo, a experiência interprofissional em questão mostrou que a diversidade de profissionais no trabalho de equipe foi justamente materializada como potência e também como dificuldade nas práticas de saúde. Isso evidencia a importância da discussão a respeito dessas práticas, para que a interprofissionalidade seja concretizada da melhor maneira nas ações de saúde, uma vez que já foi mencionada sua importância frente aos processos de cuidado. Diante disso, pode-se concluir que é urgente um maior investimento no processo de formação profissional, a fim de atender a necessidade de um trabalho de equipe integrado e colaborativo, em que os saberes possam se somar, na tentativa de ampliar a qualidade da atenção em saúde. Além disso, apesar de dificuldades se apresentarem no percurso da prática em questão, a atuação interprofissional se mostrou fundamental para a equipe elaborar ações que atendessem a diversidade de questões que emergiram durante os encontros, ampliando assim, o cuidado em saúde de estudantes no contexto escolar e em situação de vulnerabilidade social.