Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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As questões da interseccionalidade e a transmissão do coronavírus
Carolina Araujo Londero, Daniel Canavese, Mauricio Polidoro

Última alteração: 2021-12-20

Resumo


No dia 11 de março de 2020 a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou a COVID-19, uma infecção respiratória aguda causada pelo coronavírus SARS-CoV-2, como uma Emergência de Saúde Pública de Interesse Internacional.  A OMS sugeriu medidas preventivas que expuseram as desigualdades de acesso às políticas públicas de saúde e de proteção social. Um estudo observacional transversal realizado pelo Ministério da Saúde (MS) indicou maior risco de morte por COVID-19 entre a população negra e aqueles que permanecem em condições de vulnerabilidade social. Na prática, a pandemia revelou que o fardo dessas medidas homogeneizantes recaiu de forma desigual para as populações a partir de seus marcadores sociais.

Neste sentido, é importante resgatar o termo interseccionalidade que foi introduzido academicamente por Kimberlé Crenshaw, na década de 1986, uma professora e defensora dos direitos civis e uma das principais estudiosas da teoria crítica da raça e gênero. No contexto atual discute-se a implicância do termo no cotidiano, sendo entendido como a interseção de questões sociais, bem como das diferentes formas de opressões, com uma perspectiva da análise das iniquidades.

Segundo Hebert Luan Pereira Campos dos Santos, em artigo publicado na Revista Ciência & Saúde Coletiva em 2020, é evidente que o racismo é um problema estrutural que está diretamente atrelado à pobreza e a vulnerabilidade, ao sexismo, a LGBTfobia, ao capacitismo, sendo percebidos pelas restrições de acessos aos bens e serviços de saúde, educação, seguridade social, saneamento básico e moradia adequadas.  Com isso, não é surpresa que essa população tenha um elevado nível de evasão escolar, em uma pesquisa realizada pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) e divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no ano de 2019 a taxa de analfabetismo é 3 vezes maior em comparação com a população branca.

A Constituição Federal de 1988, considera a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança e a seguridade social como direitos sociais, contemplando o artigo 6° da carta magna. Sendo, em seu artigo 205, a educação visada como um pleno desenvolvimento do indivíduo, com isso, garante o exercício da cidadania e capacitação para inserção ao mercado de trabalho.

A partir de dados apresentados pela PNAD em 2020, observa-se que 47,3% de trabalhadores informais são negros, com destaque para as mulheres que desenvolvem a função de empregadas domésticas. No mesmo ano, o Brasil registrava os primeiros óbitos por covid em meados de março, sendo esse de uma mulher negra de 57 anos, a qual exercia a supramencionada atividade laboral.

Ainda no que tange aos dados, Hebert Luan Pereira Campos dos Santos, indicou que 38 milhões de pessoas que realizavam atividades informais pelo país dependem da força de trabalho para o sustento. A partir de uma pesquisa realizada pelo Instituto Locomotiva, em 2020, constatou-se que 39% dos empregadores de mulheres que realizavam a limpeza doméstica as dispensaram sem pagamento, e que 23% dos empregadores de diaristas e 39% de mensalistas referiram as funcionárias permaneceram trabalhando durante o período de isolamento social.

À luz das questões sociais que entornam a saúde da população, o Sistema Único de Saúde (SUS), conforme Comissão Nacional sobre os Determinantes Sociais da Saúde (CNDSS), considera-se fatores sociais, econômicos, culturais, étnicos/raciais, psicológicos como vetores que influenciam na busca, bem como na ocorrência de doenças. Nesse sentido, segundo a literatura científica, os DSS no cenário de desigualdades sociais é um importante modelo teórico para compreensão da dinâmica das iniquidades produzidas na pandemia do novo coronavírus. Nesse sentido, o presente texto tem o objetivo discorrer sobre as implicações sociais da transmissão do coronavírus à luz das interseccionalidades e dos DSS. Este resumo está vinculado ao projeto “Prevenção e controle da Covid-19: Percepções e práticas no cotidiano das orientações médico-científicas pela população em território de abrangência da Atenção Primária em Saúde” financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (FAPERGS).

Segundo a Lei Orgânica do SUS, em seu artigo 3° expressa-se que os níveis de saúde indicam a organização social e a econômica do País, possuindo como determinantes e condicionantes, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o trabalho e a renda. Com a leitura interseccional das condições de vulnerabilidade e desigualdade vivenciadas por grupos populacionais, torna-se necessário reconhecer as questões estruturais e já demarcadas pelos determinantes e condicionantes.

A partir da análise dos dados disponíveis no OpenDataSUS referentes as notificações de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG), de janeiro de 2020 até 13 de setembro de 2021, evidenciou-se que, do total de 124.685 notificações, sendo 112.879 pessoas brancas, 11.806 pessoas negras e a raça/cor totalizou 8.523 notificações evidencia-se que os óbitos entre os negros foram maiores do que em brancos, sendo respectivamente, 34,8% e 32%.

Um estudo realizado pelo governo estadual, aponta um panorama da desigualdade racial no Rio Grande do Sul, apresentando que 21% da população gaúcha são pessoas negras, sendo isso cerca de 2,3 milhões de habitantes. Em uma parcela de 100.000 mil desses habitantes, em consonância com os dados do SRAG, foram 65.000 negros que recuperaram-se e 35.000 vieram a óbito em decorrência da contaminação.

Conforme apresentado, as populações que permanecem à mercê das garantias constitucionais são diretamente afetadas pela transmissão do coronavírus. Em virtude, ao agravamento da pandemia, esses indivíduos são expostos pelas condições desiguais de saúde, segundo relatório do Observatório do Futuro “O impacto da pandemia nas ODS”, embora a transmissão do coronavírus afete todas as pessoas, isso não ocorre de forma igualitária.

A interseccionalidade no contexto apresentado tem sido abordada de uma forma teórica-metodológica, proveniente de análises, bem como diagnósticos situacionais das diversas formas de desigualdades presentes no território brasileiro. No contexto da Saúde Coletiva, a visão interseccional auxilia no debate das relações sociais de poder, podendo também reconhecer os direitos sociais.

Considera-se que com o apresentado no texto, é notável as desigualdades no Brasil, bem como as correlações de determinantes e condicionantes de saúde, os quais podem atrelar-se com as interseccionalidades. Outrossim, no que tange às políticas públicas assistenciais o que afetou diretamente a saúde foi a Emenda Constitucional de 2016, sendo fator desencadeante para o desfinanciamento do SUS, sendo isso refletido diretamente com o agravo da pandemia.