Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
Tamanho da fonte: 
Organização e oferta de Atenção Especializada em Municípios Rurais Remotos do Semiárido, Brasil
Patty Fidelis de Almeida, Adriano Maia dos Santos, Lucas Manoel da Silva Cabral, Aylene Bousquat, Márcia Cristina Fausto

Última alteração: 2021-12-15

Resumo


Apresentação: A provisão de Atenção Especializada (AE) enfrenta dificuldades quanto à sustentabilidade financeira, insuficiência de recursos humanos e capacitação adequada para atuação em contexto de ruralidade, mesmo em países de alta renda. Longas distâncias com altos custos de viagem e tempos de espera para a AE são mais severos para os habitantes de zonas rurais e têm sido associados à concentração de especialistas em aglomerados urbanos. No Brasil, a compreensão e provisão de atenção integral são comprometidas, entre outros fatores, pela ausência de diretrizes que orientem a estruturação de um modelo para oferta de AE em Redes de Atenção à Saúde. O objetivo deste trabalho é identificar e analisar arranjos para a provisão de atenção especializada no cenário de Municípios Rurais Remotos (MRR) brasileiros. Métodos: Estudo de casos múltiplos, com abordagem qualitativa, desenvolvido em sete MRR localizados na região do Semiárido brasileiro. Trata-se de área marcada por escassez hídrica e baixo desenvolvimento socioeconômico, sendo um espaço de contradições, com elevada desigualdade social. O Semiárido compreende uma vasta área concentrada na região Nordeste do país, mas também inclui municípios do Norte de Minas Gerais, na região Sudeste. Entre os 323 municípios classificados como rurais remotos no país, 64 encontram-se no Semiárido (22 no norte de Minas Gerais, 20 no estado da Bahia e 22 no estado do Piauí). Foram realizadas 22 entrevistas semiestruturadas com gestores do sistema público de saúde, complementadas por análise de dados secundários de sistemas nacionais de informação em saúde. A análise de conteúdo temática foi orientada pelos atributos das Redes Integradas de Serviços de Saúde (RISS) relacionadas à provisão de atenção especializada. Resultados: Indicadores socioeconômicos, de disponibilidade e acessibilidade aos serviços de saúde expressam o contexto de maior vulnerabilidade dos MRR e suas respectivas regiões de saúde, quando comparados aos estados e ao país. Os casos analisados não se aproximam dos atributos constitutivos das RISS. São constituídos por municípios e regiões de saúde vulneráveis em vários aspectos, sem o dinamismo econômico que atua como determinante para a atração de profissionais especializados e sem políticas nacionais para a regulação da força de trabalho em saúde, sobretudo em relação às especialidades médicas. Por outro lado, foi unânime a avaliação quanto à insuficiência do aporte de recursos federais e estaduais compatíveis à conformação de RISS, o que sobrecarrega os parcos orçamentos municipais e condicionam um padrão de oferta de AE ineficiente, descoordenado e descontínuo, empreendido localmente. Variados arranjos para a provisão e financiamento de atenção especializada nos MRR foram identificados: oferta pública por meio da pactuação entre gestores na região de saúde (PPI); consórcios de saúde; oferta pública no próprio município ou em municípios vizinhos; oferta em serviços privados de saúde por meio da compra direta (out-of-pocket); telessaúde (muito incipiente). Tais arranjos se mostraram incapazes de responder quantitativamente e qualitativamente à demanda por cuidados especializados. O transporte sanitário, importante componente do apoio logístico para acessar a AE, também não obedecia a uma racionalidade clínica e organizacional: ora provido pela gestão municipal sem garantia de perenidade e suficiência, ora à cargo do próprio usuário, às custas de gastos incompatíveis à renda das famílias, de forma insegura e improvisada. O contexto no qual se verifica insuficiência ou ausência do transporte sanitário é, também, o de baixo investimento em infraestrutura (vias não pavimentadas e insuficiência de transporte público) e ausência de outras políticas públicas. Nesse sentido, embora a localização geográfica desempenhe papel importante na determinação do acesso aos serviços de saúde, não necessariamente, deveria se traduzir em iniquidades, na medida em que, políticas e ações para melhoria da saúde rural são mais eficazes se voltadas ao conjunto das vulnerabilidades que afetam estas populações A prestação de atenção especializada em local adequado e tempo oportuno não é alcançada, compondo um modelo fragmentado e de baixa resolutividade. A fragilidade das redes regionalizadas de saúde, agravada pelo desfinanciamento do SUS, insuficiência de apoio logístico e informatização dos serviços de saúde, colabora para a manutenção de vazios assistenciais e deslocamentos inaceitáveis para realização de procedimentos especializados básicos, com efeitos mais severos para a população residente na zona rural dos municípios. Os casos estudados fazem emergir elementos contextuais imprescindíveis para o planejamento da provisão da AE, sistêmica e regional, sob risco de se definir propostas inócuas para a realidade dos MRR em região do semiárido brasileiro. Considerando os vários desafios que condicionam a concentração de serviços e profissionais de saúde em centros urbanos, indicam-se alguns arranjos possíveis para otimizar a provisão de AE nestes contextos. O primeiro diz respeito à capacidade de mobilidade dos usuários dos MRR. Sistemas integrados de transporte sanitário, públicos e seguros é elemento crucial para o acesso à saúde, assim como a definição de fluxos assistenciais que correspondam aos trajetos reais e viáveis dentro dos municípios (sede e zona rural) e na região de saúde. Outra ação refere-se ao aumento da capacidade resolutiva e vinculação dos usuários à APS, inclusive com atendimentos de urgência e investimentos em Tecnologias de Informação e Comunicação que viabilizem a coordenação clínica e otimização da oferta de recursos especializados também pela via do telessaúde a profissionais e usuários. Fortalecer as instâncias de participação social e os órgãos colegiados de gestão regional representam estratégias para mitigar os fatores intervenientes, como interesses políticos e privados, que prejudicam a conformação de oferta organizada e suficiente da AE. A governança regional deve aliar política e técnica, de forma a retrair mecanismos pautados na responsabilização dos usuários pela busca dos recursos necessários aos cuidados em saúde, não representativos dos preceitos universalizantes do SUS. Embora se reconheça que tais estratégias organizacionais sejam basilares em diversos contextos, advoga-se que, em MRR, são cruciais para viabilizar o acesso à AE, visto que tais populações não dispõem de outras alternativas assistenciais e estão expostas a maiores iniquidades. O conjunto das políticas sociais deve prever ações específicas para os MRR, notadamente para suas zonas rurais, sem as quais as ações de saúde serão menos efetivas. Para tanto, devem ser acompanhadas de suficiente financiamento federal dirigido à constituição de RISS e pelo fortalecimento da regionalização colaborativa entre os municípios, em uma perspectiva dawsoniana que, apesar de não representar novidade, pouco avançou no país e parece fora da agenda atual das prioridades políticas. Considerações finais: No país, a desorganização ou inexistência de uma resposta sistêmica a partir de redes regionalizadas de saúde gera vários improvisos assistenciais. Quanto menos estruturada é a RISS, mais arranjos informais são constituídos, com ganhos para o setor privado em detrimento aos usuários do sistema público de saúde.