Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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O PROCESSO DE TRABALHO DOS AGENTES COMUNITÁRIOS DE SAÚDE: CONTRIBUIÇÕES PARA O CUIDADO EM TERRITÓRIOS RURAIS REMOTOS NO BRASIL
JULIANA GAGNO LIMA, MARCIA CRISTINA RODRIGUES FAUSTO, LIGIA GIOVANELLA, Patty Fidelis Almeida, Cristiano Gonçalves Morais, Larissa Ádna Neves Silva, Rui Harayama, Lucas Manoel da Silva Cabral, Helena Seidl

Última alteração: 2021-12-20

Resumo


Apresentação: Programas de agentes comunitários de saúde (ACS) estão presentes em diversos países, com formas de atuação múltiplas, que convergem para melhorar a capacidade de respostas dos sistemas de saúde frente às necessidades da população, ampliar acesso e mitigar iniquidades em saúde. Os ACS atuam nos serviços de atenção primária à saúde e suas funções podem ser genéricas, sem foco específico ou direcionadas a algum agravo ou grupo populacional prioritário (HIV/AIDS, materno-infantil), mas sempre com papel central na intermediação das relações entre os serviços de saúde e as comunidades. A American Public Health Association define o ACS como um profissional de saúde pública de linha de frente na APS, membro de confiança e com grande compreensão da comunidade atendida, atuando como elo entre serviços sociais, de saúde e a comunidade, melhorando o acesso, a prestação dos serviços e sua competência cultural. No Brasil, desde antes do SUS (anos 1970/80), experiências com ACS, já ocorriam em diversos municípios. Embora fossem experiências isoladas serviram de base para o Ministério da Saúde formular o Programa de Agentes Comunitários de Saúde em 1991. Desde 1994, os ACS foram incorporados às equipes multiprofissionais do recém-criado Programa Saúde da Família (PSF), que gradualmente assumiu protagonismo como estratégia federal para reorientação do modelo de atenção à saúde no SUS. Com abordagem inicial de atenção primária seletiva, transforma-se em estratégia prioritária para reorganização da APS no SUS, com a indução do modelo Estratégia Saúde da Família (ESF) na Política Nacional de Atenção Básica. As equipes remanescentes do PACS são mantidas na ESF, passam a ser denominadas de Estratégia de ACS (EACS). Progressivamente a cobertura da Estratégia Saúde da Família foi ampliada, o que possibilitou melhoria do acesso aos serviços de saúde com impactos positivos na saúde da população ainda que persistam obstáculos recorrentes que afetam a atuação plena das equipes da ESF de modo mais intenso nas populações vulneráveis e regiões remotas. Em 2020 eram mais de 260 mil ACS atuando no país. O agente comunitário de saúde, por suas características de inserção e atuação pode ter papel fundamental para melhoria do acesso e do cuidado em territórios rurais. Em diversas experiências municipais, o ACS tem uma relação profissional com a comunidade permeada por forte vínculo, confiança e engajamento, o que favorece o diálogo, e práticas profissionais mais adequadas ao contexto social e as necessidades de saúde dessas populações. O objetivo do estudo é analisar o processo de trabalho dos ACS em municípios rurais remotos (MRR) e identificar especificidades e contribuições para o cuidado na atenção primária à saúde.  Método: Estudo qualitativo que integra a pesquisa “Atenção Primária à Saúde em territórios rurais e remotos no Brasil”. Foram analisadas 58 entrevistas com ACS em 27 municípios rurais remotos, distribuídos nas seis áreas da pesquisa: Matopiba, Norte de Minas, Vetor Centro-Oeste, Semiárido, Norte Águas e Norte Estradas. Os ACS entrevistados atuavam em UBS localizadas na sede municipal ou em UBS do interior. No perfil dos entrevistados destaca-se maior número de mulheres, servidores públicos (70%)  e elevado tempo de atuação dos entrevistados: 31 (53%) atuavam nas equipes a mais de 11 anos. Resultados: A análise sobre o processo de trabalho dos ACS refere-se a  duas dimensões interligadas: escopo de práticas e qualificação. O escopo de práticas mostrou-se abrangente, envolvendo acompanhamento familiar, cuidados e medidas preventivas individuais, abordagem coletiva e atividades administrativas, as duas últimas mais pontuais. As visitas domiciliares constituem a principal ação dos ACS e a mais ampla forma de contato dos serviços de saúde com usuários, podendo atender a objetivos como cadastro, cuidado ou informação. Os ACS de localidades rurais remotas apresentaram escopo de práticas mais abrangente que os da sede dos municípios, com inclusão de procedimentos individuais como aferição de pressão arterial e entrega de medicamentos. A qualificação do trabalho dos ACS pode potencializar ou limitar o desenvolvimento do seu escopo de práticas e se expressou por alta motivação dos ACS, insuficiente supervisão e educação permanente e baixa integração com a equipe. São necessárias políticas que reconheçam as especificidades dos MRR e um maior apoio da gestão municipal (materiais, transporte e educação permanente) para o pleno desenvolvimento do trabalho do ACS. O conjunto ampliado de práticas dos ACS colocam esse profissional como relevante ator para promover cuidados, facilitar acesso da população à rede de atenção à saúde e como elo real entre populações rurais e serviços de saúde. Apesar de se constatar as dificuldades já apontadas, a atuação dos ACS é fundamental para se garantir o acesso das populações dos MRR aos serviços de saúde. Existem importantes desafios para qualificar essa atuação que vinha sendo apoiada pelas normativas do MS até a revisão da PNAB em 2017. Mudanças que provavelmente tendem a modificar fortemente o perfil e as competências dos ACS nos próximos anos, com impactos sobre os modos de organização da ESF. Tal cenário pode trazer impactos ainda mais severos no acesso à saúde em territórios rurais remotos. Considerações finais: Este estudo mostra que o processo de trabalho dos ACS é abrangente e diversificado. As múltiplas ações que desempenham estão relacionadas às práticas inerentes ao processo de trabalho das equipes de Saúde da Família, particularmente no que tange ao acompanhamento e monitoramento dos cuidados em saúde, quais sejam: executam cuidados clínicos; auxiliam na utilização adequada dos serviços de saúde; fornecem orientações para a promoção e prevenção da saúde; coletam e registram informações; facilitam as relações entre os serviços de saúde e as comunidades; fornecem apoio psicossocial. No entanto, a amplitude e a importância do trabalho do ACS para a provisão dos serviços de APS não estão alinhadas às bases formativas da profissão. Na prática, o seu engajamento ocorre em função das necessidades impostas pela realidade, inclusive pela ausência de ou insuficiência de outros profissionais de saúde no território, tendo muitas vezes um caráter informal e insuficiente preparo técnico. De todo modo, é inegável a contribuição do ACS no sentido da melhoria do acesso aos cuidados em saúde com implicações diretas na redução das desigualdades relacionadas com o local de residência. A abrangência do trabalho dos ACS verificada neste estudo aponta para a relevância de se direcionar investimentos para a formação e qualificação técnica deste profissional, aliado ao suporte da gestão para realização do trabalho que lhe é designado. Sobretudo, deve-se considerar a necessária revisão dos processos organizativos da APS em consideração às exigências impostas pela realidade rural remota.