Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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CONTEXTO E ORGANIZAÇÃO DA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE EM MUNICÍPIOS RURAIS REMOTOS BRASILEIROS: DESAFIOS A ATENÇÃO INTEGRAL NO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE
MARCIA CRISTINA RODRIGUES FAUSTO, Patty Fidelis Almeida, Ligia Giovanella, Aylene Bousquat, Juliana Gagno Lima, Adriano Maia dos Santos

Última alteração: 2021-12-20

Resumo


Apresentação: Populações rurais de todo o mundo apresentam desigualdades de acesso, cobertura e resultados de saúde quando comparadas às populações urbanas. No Brasil, a grande extensão territorial e as desigualdades nas condições de vida condicionam exposições diferenciadas a riscos e agravos em saúde, mais desfavoráveis às populações rurais, cujas especificidades culturais, sociais e ambientais permanecem pouco conhecidas. A definição de espaços urbanos e rurais, no país, é orientada por uma concepção de ruralidade residual e subproduto do urbano, perspectiva que desconsidera a diversidade desses contextos. Em 2014, a Política Nacional de Saúde Integral das Populações do Campo, da Floresta e das Águas, alinhada a um conceito abrangente e inclusivo, busca dar visibilidade e destacar que, nesta ampla categoria que se convencionou chamar de “rural”, encontram-se populações com práticas culturais e de saúde que necessitam ter suas necessidades contempladas pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Em 2017, o IBGE elaborou uma tipologia rural-urbano para o recorte territorial municipal, adotando a densidade populacional como critério basilar. Contudo, mantem-se o desafio de reconhecer particularidades dos espaços rurais intramunicipais. O objetivo do estudo em tela é analisar as especificidades da organização e do acesso aos serviços de atenção primária à saúde (APS) no SUS em municípios brasileiros com características rurais remotas. Buscou-se iluminar formas de organização e estratégias locais de organização dos serviços de APS no SUS e discutir os desafios para a garantia de atenção integral no SUS nestes territórios. Método: Estudo de abordagem qualitativa, partiu da análise dos 323 municípios identificados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) como rurais remotos, considerando as seguintes variáveis: lógicas de inserção no circuito econômico; principal forma de interligação com os demais pontos do territórios (terrestre ou fluvial); principais atividades econômicas; dependência das transferências governamentais; o Produto Interno Bruto per capita; densidade populacional e o percentual da população que recebe benefício do Programa Bolsa Família. Estas variáveis foram escolhidas pela sua importância na análise do acesso à saúde nos cenários rurais e remotos. A partir da caracterização e com base em diferentes processos de conformação do território, os 323 MRR foram agrupados em seis áreas homogêneas com lógicas espaciais distintas que aglutinaram 97,2% (314) dos MRR. Em linhas gerais, são elas: Matopiba (92 MRR), Norte de Minas (22 MRR), Vetor Centro-Oeste (84 MRR), Semiárido (43 MRR), Norte Águas (45 MRR) e Norte Estradas (28 MRR). Para a definição da amostra de MRR, foram selecionados em cada uma das seis áreas os municípios com características comuns na área e municípios com características incomuns, denominados outliers para se chegar a uma amostra abrangente do conjunto de municípios. Em cada uma das áreas foram selecionados pelo menos três municípios. A partir deste conjunto de procedimentos chegou-se a uma amostra intencional de 27 municípios rurais remotos para a realização do estudo de casos múltiplos. Em cada um dos 27 municípios da amostra foram realizadas visitas a unidades básicas, entrevistas com gestores municipais (secretários de saúde e coordenadores de atenção básica), profissionais de saúde médicos e enfermeiros, agentes comunitários de saúde e usuários dos serviços, orientadas por roteiros semiestruturados. Foram analisadas um total de 212 entrevistas realizadas em 27 MRR: 53 entrevistas com gestores municipais de saúde (27 secretários municipais de saúde e 26 coordenadores de atenção básica) e profissionais de saúde (54 agentes comunitários de saúde; 54 enfermeiros e 51 médicos). Para a elaboração dos resultados realizou-se a análise de conteúdo temática. A partir da leitura do material empírico foram identificados temas relacionados à provisão e ao acesso a APS. A segunda etapa da leitura envolveu síntese e interpretação do material, posteriormente organizado em três dimensões temáticas, as quais estruturam a apresentação dos resultados: características socioespaciais dos municípios rurais remotos, composta pelas categorias aspectos socioeconômicos e demográficos, e acesso geográfico; APS no SUS municipal que engloba cobertura e disponibilidade dos serviços, com identificação de múltiplos formatos de organização da APS; e desafios para a garantia do acesso a APS, abrangendo financiamento e oferta de serviços de APS; provisão e fixação de profissionais; acesso geográfico e mobilidade para o cuidado em saúde. Para caracterização socioespacial dos MRR, cobertura e disponibilidade de serviços no SUS municipal, além da fonte primária, utilizou-se dados secundários de acesso público: IBGE; Sistema de Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde; Sistema de Informação em Saúde para a Atenção Básica; Ministério do Desenvolvimento Social; Sistema de Informações Contábeis e Fiscais do Setor público brasileiro. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca -– CEP/ENSP/FIOCRUZ, CAAE 92280918.3.0000.5240 e parecer nº 2.832.559. Resultados: As condições geográficas, grandes distâncias, ausência de transporte público regular e condições de vulnerabilidade da população interferem na provisão da APS nos MRR. Há diversificação de formas de organização e de disponibilidade de serviços de APS áreas estudadas assim como há diferenças de oferta de serviços nos espaços intramunicipais, entre serviços localizados na sede municipal (mais coerentes com as diretrizes nacionais para APS) e nas áreas mais remotas ao interior dos municípios (predomínio de atendimento por demanda espontânea, ações itinerantes pontuais e descontinuadas). A alta cobertura de Estratégia Saúde da Família comum aos MRR não retrata as áreas rarefeitas e remotas descobertas presentes em todos os municípios estudados. Foram identificados variados arranjos para a provisão e financiamento de AE nos MRR, com graus distintos de implementação. Observou-se falta de sintonia entre o financiamento da saúde e as características dos territórios: áreas remotas, longas distâncias, áreas extensas com populações esparsas; baixa atratividade dos municípios pela insuficiência de infraestrutura. Essas particularidades do contexto aprofundam os desafios para a efetivação da APS, o que requer altos aportes financeiros do município para viabilizar acesso em áreas dispersas onde não há unidades básicas, profissionais de saúde e restritos meios de transporte. A escassez da força de trabalho é um dos desafios mais comuns entre os diversos contextos rurais remotos e as respostas para suplantar tal obstáculo vão além da provisão. Exige fortalecimento do trabalho multiprofissional, compartilhado e altamente qualificado para atuar em ambientes tão singulares. Estratégias baseadas em recursos de tecnologia da informação e comunicação podem favorecer a ampliação de recursos e promover cuidados oportunos, resolutivos e de qualidade em áreas de difícil acesso. Considerações finais: Os resultados aqui apresentados sinalizam que apesar dos avanços ocorridos na APS a partir da implementação do SUS, os desafios para ampliação do acesso, principalmente nas áreas mais distantes e de difícil acesso permanecem como questão a ser enfrentada pela gestão municipal. Nesta direção, considera-se crucial reduzir as falhas de acesso relacionados à saúde, mas também determinados pela insuficiência de políticas públicas. mais amplas que considerem as especificidades dos MRR, portanto, dependentes de ação conjunta de governos municipal, estadual e federal. É necessário aprofundar estudos sobre a implementação de políticas de APS baseadas nas particularidades dos territórios rurais remotos, com orientação comunitária, integral e integrada no SUS.