Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
Tamanho da fonte: 
Estudo-aprendizagem sobre violência contra mulheres e os impactos na formação de estudantes de Medicina
Anna Clara Pereira Melo, Isabela Corrêa Samper, Isabelle Louise Morais Ribeiro, Elisa Santos Pennisi, Eduardo Ferreira Arbache, Maria Luiza Afonso, Jéssica Bruna Borges Pereira, Mariana Hasse

Última alteração: 2021-12-18

Resumo


Apresentação: Apesar da violência contra as mulheres estar em evidência, é um problema antigo, fruto de desigualdades de gênero e subjugação feminina. Esse cenário gera impactos sociais, econômicos e na saúde das mulheres, o que exige que os profissionais da área tenham conhecimento sobre o tema já que possuem papel fundamental para a proteção das vítimas e combate à violência. Por isso a abordagem do assunto durante a formação de futuros profissionais médicos é urgente. Esse relato é sobre a experiência de um grupo de estudantes do segundo período de um curso de Medicina e sua aproximação com a temática da violência contra mulheres e os impactos em suas formações. Desenvolvimento: A experiência ocorreu a partir de uma atividade proposta pelo eixo de Saúde Coletiva, em um componente curricular em que se discutem as violências como agravos de saúde, seus impactos e forma de cuidado. Divididos em pequenos grupos, os estudantes foram apresentados a disparadores sobre o tema da violência contra as mulheres e orientados a desenvolver questões de aprendizagem que abordassem as principais características da violência contra as mulheres (manifestações, prevalência e fatores associados), o que as vulnerabiliza à violência, políticas públicas existentes e dificuldades para encontrar e produzir cuidado. Para responder às questões, em um processo ativo de conhecimento, deveriam buscar artigos científicos sobre o assunto. Apesar de constantemente abordado nos principais meios de comunicação do país, foi apenas após uma pesquisa intensa que pudemos compreender a complexidade do fenômeno da violência, suas nuances e especificidades, que não são abordadas com frequência. Resultados e Impactos: A partir da pesquisa realizada, reconhecemos como a manifestação da violência contra as mulheres é, paradoxalmente, sutil e barulhenta, além de conectar-se com outras formas de violação de direitos, como o racismo e a homofobia. Foi chocante perceber que, apesar das lutas travadas e avanços conquistados, as mulheres sequem sendo descredibilizadas e subjugadas ao longo dos anos, como os casos de Ângela Diniz, Maria da Penha e Mariana Ferrer - todos expressões da potencialidade do desprezo e desrespeito às mulheres – deixam claro. Diariamente, centenas de mulheres sofrem violências físicas, psicológicas, sexuais, patrimoniais e morais no Brasil, o que configura o quadro como um grave de problema de saúde e segurança pública. Dispositivos de cuidado às vítimas e enfrentamento da violência vêm sendo desenvolvidos desde os anos 1980 no Brasil. Com a sanção da Lei Maria da Penha em 2006 esse processo se fortalece e o Estado se compromete com o estabelecimento de redes de apoio intersetoriais, criação de centros especializados, aperfeiçoamento da legislação existente e incentivo e suporte a projetos educativos e culturais para a prevenção da violência. Dentre os serviços que compõem as redes de apoio para as mulheres, há os especializados em violações de direitos, tanto da área da saúde, quanto do sistema de garantia de direitos e jurídicos, que atendem apenas esses casos. Há também os serviços que são gerais, como as unidades básicas de saúde, as polícias militares e civil (através das delegacias e instituto médico legal) que, apesar de não atenderem apenas casos de violência contra mulheres, possuem muitas pessoas nessas situações que os procuram e alto potencial de ajudá-las a encontrar ajuda adequada. Por isso, é fundamental que os profissionais que atuam em tais serviços tenham qualificação suficiente pata identificar os casos, acolher as vítimas sem julgamento e acionar os serviços especializados adequados ao cuidado. Pesquisas mostram que muitas mulheres não conseguem romper com o ciclo da violência porque, apesar de buscarem por ajuda, encontram culpabilização, banalização de suas vivências e naturalização da violência, o que as desmotiva e intimida. O medo de passarem por situações de violência institucional as afasta do sistema jurídico, ainda impregnado por ideais patriarcais, o que aumenta a impunidade dos agressores e a vulnerabilidade das mulheres. Ao desenvolver esse projeto foi possível aprender sobre sinais e sintomas associados à violência – fundamentais para reconhecer situações não relatadas de violência -, oferta de uma escuta acolhedora e sem julgamento, os dispositivos disponíveis e adequados para cada situação, a importância da construção compartilhada do cuidado, com a mulher e com outros profissionais e o preenchimento da ficha de notificação da violência. Além disso, ao longo do processo de compartilhamento e discussão do trabalho com a turma, questões como garantia de sigilo e produção de provas, desafios da intersetorialidade e acesso a direitos, como o aborto previsto em lei para os casos de estupro, também foram explorados. Outro aspecto interessante nesse processo foram as reflexões e relatos pessoais que surgiram. Em um grupo formado por cinco mulheres e apenas um homem, as discussões sobre como a cultura que perpetua a violência é nociva para o bem-estar das mulheres – incluindo as autoras do trabalho -, era recorrente. Juntamente com o estudo sobre o tema, participar desse processo possibilitou mudanças na percepção do integrante homem do grupo, que foi capaz de compreender, sob uma nova perspectiva, como a violência contra as mulheres afeta não apenas elas, mas a sociedade como um todo. Ficou claro perceber que esse problema, extremamente enraizado em nossa cultura, precisa ser combatido não apenas pelas mulheres – que devem seguir sendo as protagonistas dessa luta -, mas também pelos homens a partir da não reprodução e validação de comportamentos que perpetuam as violências, desconstrução dos modelos hierárquicos de gênero e, principalmente, do apoio e crédito às falas e demandas femininas. Considerações Finais: Sabe-se que, apesar dos avanços nas leis e políticas de enfrentamento nos últimos anos, elas ainda são insuficientes para inibir as manifestações de violência no cotidiano das mulheres. Por isso, o desenvolvimento profissional daqueles que atuação no campo da saúde precisa perpassar o tema da violência e prepará-los para lidar com situações de violência, extremamente comuns quando sofridas por mulheres. A experiência relatada, além do conhecimento, proporcionou uma sensibilização profunda sobre a condição das mulheres na sociedade e a percepção de que é também nossa função - tanto como cidadãos quanto como futuros médicos -, fazermos parte da mudança necessária, a fim de desconstruir os pilares da violência contra as mulheres e combatê-la ativamente.