Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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As políticas de saúde e proteção social voltadas à população em situação de rua durante a pandemia da Covid-19 em uma capital brasileira: uma análise quantitativa
Julia Coutinho Cordeiro, Gabriela Drummond Marques da Silva, Anelise Andrade de Souza, Gustavo Lúcius, Helvécio Miranda Magalhães Júnior

Última alteração: 2021-12-17

Resumo


Apresentação: A Covid-19, doença causada pelo novo coronavírus, designado SARS-CoV-2, identificado em dezembro de 2019 na China e em março de 2020 com primeiro caso confirmado no Brasil, pode acometer pessoas de diferente faixas etárias, sendo reconhecido a maior susceptibilidade ao agravamento da doença por pessoas com idade avançada e/ou com doenças crônicas, como hipertensão arterial sistêmica, diabetes mellitus e obesidade. Além dessa vulnerabilidade biológica à doença, sabe-se que a vulnerabilidade social impacta diretamente no processo saúde-doença e no bem estar das populações, ainda mais em um país tão desigual como o Brasil. Dessa forma, a  pandemia da Covid-19 demarca as desigualdades vivenciadas no território brasileiro, uma vez que as medidas de prevenção, como a higienização das mãos e o isolamento social, vão de desencontro com a realidade de muitos brasileiros, que, por vezes, não têm acesso a direitos básicos, como a saúde, a alimentação e a moradia. Dentro deste contexto, entende-se que a População em Situação de Rua (PSR) perfaz uma das populações mais vulnerabilizadas socialmente, enfrentando dificuldades reconhecidas de acesso ao sistema de saúde e de proteção social. Diante disso, entende-se a necessidade de discutir ainda mais acerca das políticas de saúde e proteção social voltadas à PSR durante este momento epidemiológico crítico. O presente estudo compõe parte do projeto de pesquisa “Alcance das políticas de proteção social e de saúde do município de Belo Horizonte para a população em situação de rua frente à pandemia da Covid-19”, do Instituto René Rachou - Fiocruz Minas, financiado pelo edital INOVA: Territórios Saudáveis e Sustentáveis. Com isso, o estudo pretende discutir, sob a perspectiva quantitativa, a efetividade e o acesso das políticas públicas de saúde e de proteção social voltadas à PSR durante a pandemia da Covid-19 no município de Belo Horizonte/Minas Gerais, Brasil. Desenvolvimento do trabalho: O projeto de pesquisa utiliza de métodos estatísticos epidemiológicos aplicados para avaliar as características da PSR do município de Belo Horizonte, bem como o acesso dessa população vulnerável aos serviços de saúde e assistência social, de acordo com a localização geográfica, estratificado por gênero e raça/cor. Estão sendo coletados dados secundários referentes a incidência e mortalidade por Covid-19 na PSR, os atendimentos realizados na atenção básica e hospitalar no SUS e o uso dos serviços de proteção social, sendo avaliadas as informações armazenadas em bancos de dados disponibilizados pelas secretarias municipais de saúde e de assistência social do município. Para complementação dessa caracterização, informações disponibilizadas pela organização social “Pastoral da Rua de Belo Horizonte”, que coordena a ação “Canto da Rua” estão sendo utilizadas, de forma a permitir a avaliação do perfil da PSR que utilizou os serviços ofertados durante a pandemia, por meio desta ação. A extração dos dados referentes aos atendimentos pelos serviços de saúde se deu a partir do número do prontuário eletrônico dos indivíduos e nos demais sistemas de informação utilizados a partir da  identificação do usuário como pessoa em situação de rua. A janela temporal dos dados abrange o período referente a março do ano de 2019 a fevereiro de 2021, sendo considerado como período anterior à pandemia de março de 2019 a fevereiro de 2020 e período durante a pandemia de março de 2020 a fevereiro de 2021. Os dados estão sendo avaliados por meio de análises descritivas, e posteriormente serão realizadas as análises inferenciais a partir de testes de hipótese para médias e avaliação da associação entre as variáveis do estudo, com linkage dos bancos disponibilizados pela saúde, assistência social e pela sociedade civil organizada. O projeto tem previsão de duração até o mês de julho de 2022. A análise e coleta de dados secundários encontra-se em andamento, tendo sido iniciada em abril de 2021, sendo os achados apresentados aqui preliminares. Resultados: As primeiras análises são referentes às bases da saúde, sendo elas as bases da  Atenção Primária à Saúde (APS), Rede de Saúde Mental e as Unidades de Acolhimento para isolamento por suspeita de Covid-19. Ademais, também foram recebidos dados acerca da vacinação da PSR contra a Covid-19, disponibilizados também pela APS. As bases de dados disponibilizadas pela saúde estão sendo cruzadas para identificação dos usuários e exclusão de dados repetidos. Acerca dos dados recebidos pela saúde mental, excluindo aqueles equipamentos específicos de usuários de álcool e/ou drogas, consta 2.128 atendimentos, sendo correspondente a 257 pacientes, identificados pelo número de prontuário eletrônico, sendo 173 pessoas no recorte de tempo anterior a pandemia e 140 após o início da pandemia. A partir desta base foi possível caracterizar a PSR, que é composta majoritariamente por homens (n = 165, 64,20%) com média de idade de 39 anos, sendo a mínima de 15 anos e a máxima de 90 anos. Notou-se uma redução do número de atendimentos durante a pandemia pela saúde mental para a PSR (antes da pandemia n = 1.139, 53,52%; durante a pandemia n = 989, 46,47%). Já em relação a base de dados disponibilizada pela APS, que constou 12.085 usuários atendidos, verifica-se uma diminuição das pessoas acompanhadas na APS após o início da pandemia por Covid-19 (n = 8.330, 68,9% no tempo anterior à pandemia e 7.136, 59% após o início da pandemia). Percebe-se a importância dos atendimentos relacionados à hipertensão arterial sistêmica e infecções respiratórias tanto antes quanto durante a pandemia, sendo as afecções mais frequentes relatadas nos atendimentos da APS, hipertensão arterial sistêmica (n = 618, 5,11%), nasofaringite aguda (n = 372, 3,07%) e influenza de vírus não identificado (n = 276, 2,28%). O número de atendimentos de pacientes com diagnóstico de hipertensão arterial sistêmica reduziu durante a pandemia (antes da pandemia: n = 413, 4,95% e durante a pandemia: n = 273, 3,82%) enquanto que o número de pacientes com diagnóstico de nasofaringite aguda (antes da pandemia: 160, 1,92% e durante a pandemia: 221, 3,09%) e influenza de vírus não identificado (antes da pandemia: 54, 0,64% e durante a pandemia: 226, 3,16%) aumentou. Logo, nota-se um aumento do número de sintomáticos respiratórios acompanhados na APS. Considerações finais: A análise preliminar indica a importância do acompanhamento da PSR com a APS e com a rede de saúde mental. Entende-se que os dados irão refletir o acesso da PSR nas políticas de saúde e proteção social quando todas as bases de dados forem recebidas, integradas e analisadas. Logo, as próximas etapas deste projeto de pesquisa visam a complementação dos dados da saúde, a avaliação dos dados da assistência social e da sociedade civil organizada e, por fim, a realização das análises inferenciais. Destaca-se a relevância desse projeto em discutir políticas intersetoriais para a PSR em uma situação de emergência sanitária. Pretende-se que os resultados do estudo subsidiem o planejamento de políticas públicas para garantir o acesso à saúde e proteção social das populações vulneráveis, mesmo em contexto de crise sanitária.