Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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AS FLORES DO JARDIM: vivências de aprendizagem em Saúde Coletiva na Medicina
Vinícius Bacelar Ferreira, Fabiana Mânica Martins, Bárbara Corrêa Garcia Simões, João Rafael Pereira da Silva Dixo Lopes, Renata Sofia de Morais Pereira, Ronaldo Mendes Oliveira

Última alteração: 2021-12-22

Resumo


INTRODUÇÃO: O objetivo deste relato é apresentar o processo de aprendizagem experimentado por acadêmicos durante a disciplina de Saúde Coletiva II. A formação médica no Brasil, segundo as   Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina, necessita ser: generalista, humanista, crítica e reflexiva. É importante ressaltar que o caráter humanístico da medicina, nos mobilizou a uma busca por um processo formativo em que mantivesse a qualidade dos dados e a acadêmica, também permitisse que nossos corpos falassem, que nosso humus se colocasse em devir. De modo que, durante a disciplina de Saúde Coletiva II, em uma atividade avaliativa com o intuito de compreender a dimensão das redes de saúde no município de Manaus/AM, coubemos explorar quanto aos dados epidemiológicos acerca do tema ansiedade em jovens. Durante as reuniões semanais levantamos a questão de como abordar tal doença de uma maneira mais dialógica e compreensiva, para além do caráter biológico, no qual nós, acadêmicos de medicina, estamos tão acostumados.

Eventualmente chegou-se a uma outra dimensão temática: a arte. O sofrimento psíquico é uma temática que percorre por toda a história da arte e questões como ansiedade são possíveis de encontrar nos mais diversos artistas. De modo que estruturamos nosso trabalho trazendo um enfoque para uma visão além de somente os mecanismos biológicos como inibição de serotonina ou o aumento de noradrenalina; por mais que eles sejam interessantes e foram criteriosamente abordados; o foco sempre esteve em como essa ansiedade se mostra na vida desses indivíduos e em especial da população jovem, tão afetada diante da realidade do isolamento social acarretado como medida de contenção à COVID-19.

DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO:

A fim de planejar e executar o trabalho, foram realizados encontros semanais entre os autores por meio da plataforma GoogleMeet. Esses momentos consistiam em debates acerca do assunto e partilha de materiais selecionados por cada autor. No primeiro encontro, realizado em 8 de outubro de 2021, decidimos realizar buscas em bases de dados e, concomitantemente, bancos de dados governamentais, para que o grupo obtivesse uma visão concreta da realidade vivida pelos acometidos por ansiedade no contexto do Sistema Único de Saúde.

Um tópico recorrente durante os encontros foi a arteterapia: como uma patologia tão danosa quanto a ansiedade poderia ser amenizada pela expressão dos sentimentos por meio da arte. Assim, no segundo encontro, foi feita a proposta de utilizar o livro de poesias “As flores do mal” do autor francês Charles Baudelaire como base para a metáfora que regeria a ideia principal do trabalho. Além disso, nesse momento também surgiu a propositura de abranger as ideias de Nise da Silveira, célebre psiquiatra brasileira, conhecida por tratar arte como terapia para pacientes com transtornos mentais, ajudando a abolir os antigos tratamentos como lobotomias, camisas de força e eletrochoques. Desse modo, traçamos os benefícios da arte para o tratamento de ansiedade, com um destaque para as atividades da psiquiatra Nise da Silveira; demonstrando que a “criatividade é o catalisador por excelência das aproximações dos opostos”, através de uma exemplificação com o poema “A que está sempre alegre” de Charles Baudelaire.

Objetivando adquirir mais conhecimento no que se refere a essa patologia na prática, o grupo realizou reuniões no dia 15 de outubro com três atuantes da rede de atenção psicossocial do SUS. Durante essas reuniões, foram perguntadas aos entrevistados questões envoltas tanto sobre a doença em si, quanto à forma como os casos de ansiedade são registrados na rede pública. O terceiro e quarto encontros, respectivamente nos dias 22 e 29 de outubro, foram imprescindíveis para o debate dos autores, que realizaram a miscigenação dos conhecimentos teóricos, adquiridos por meio das pesquisas em trabalhos científicos, e conhecimentos empíricos, adquiridos pela atuação dos profissionais na área. Nessas reuniões também decidiu-se abordar a epidemiologia da ansiedade, houve um foco em adquirir dados referentes à situação mundial, os quais foram retirados de artigos científicos; associados a isso buscamos informações referentes à situação do Brasil e de Manaus; sendo nossas fontes o Sistema de informação em Saúde para a atenção Básica(SISAB), o DataSUS além dos dados fornecidos pela Secretária Municipal de Saúde de Manaus(SEMSA); tais informações foram colhidas com o intuito de compreender a representatividade dessa doença na sociedade contemporânea em seus diferentes graus.

Além disso, no dia 15 de outubro foi executada também uma metodologia ativa em que se solicitou, por meio de um grupo no Whatsapp, que estudantes de medicina da turma 104 da Universidade Federal do Amazonas definissem ansiedade com uma palavra. Após 3 horas e 30 minutos, foram recebidas 33 respostas, dentre elas palavras como medo, suplício, caos e sofrimento. A partir disso, foi realizada uma poesia visual, dispondo-as na forma de uma flor, revisitando a metáfora do poema de Baudelaire e, para complementar, um beija flor composto de palavras boas balanceando todo o sentimento ruim trazido pela ansiedade. Nomeou-se o poema de “As Flores do Jardim”. Para representar a simples ideia de que as coisas passam e melhores momentos hão de vir.

A última reunião ocorreu no dia 5 de novembro. Os autores apresentaram o trabalho para colegas de turma, professoras e monitores da disciplina de Saúde Coletiva II.

RESULTADOS/IMPACTOS

De início, foi identificado a partir da experiência dos demais discentes e da banca avaliadora, uma comoção e sensibilidade para com o tema, bem como uma nova elucidação sobre a condição deficiente em que se encontra a infraestrutura da linha de cuidado em saúde mental do estado. Logo, resultou em uma nova visão e qualificação acadêmica ao assunto abordado, por meio de uma aprendizagem criativa que vai além do caráter biológico da medicina, mas que estimula conjugar arte e medicina no cuidado à saúde mental.

Por fim, outro impacto do nosso trabalho se pauta na formação médica, pela qual deve seguir o que se institui nas Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina proposta em 2014 pelo Ministério da Educação, que traz uma medicina que integra, dentre outros aspectos, de modo mais atento a questão humanística. Nesse contexto, mostra-se a necessidade que numa relação médico-paciente exige uma capacitação inovadora e singular, que busque uma ação alternativa - como a arteterapia - que compreenda a dimensão dos valores e direitos humanos no processo de cura.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A formação médica tem um foco mecanicista e em muitos casos, esse ideal biológico em detrimento da dimensão humana da medicina. Algo que consideramos ser fundamental para a relação médico-paciente, portanto, é possível que iniciemos na academia esse exercício? Além disso, não ignoramos que outras abordagens terapêuticas são fundamentais para o tratamento de doenças mentais; além de apenas tratamentos farmacêuticos, sendo assim, trazer a arteterapia como tratamento é uma necessidade para a formação médica. “Um pouco de possível, senão eu sufoco” já afirmou Deleuze para se referir a Foucault na sua busca por descobertas dos processos de subjetivação, do inesperado, da existência, das potências e porque não dizer, da arte enquanto criação de novas aprendizagens.

Dessa maneira acreditamos que atividades como essas são primordiais para agir de modo compreensivo, acolhedor e humano para com os pacientes de modo que se recobre um princípio da medicina clássica, preconizado pelo pai da medicina, Hipócrates: “Curar, quando possível. Aliviar, quase sempre. Consolar, sempre.”