Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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Extensão e Educação Popular em Saúde em Tempos de Negacionismo
Thais Moura dos Santos, Caio Oliveira da Silva, Mônica Marxsen de Aguiar Rocha, Thayssa Lopes de Lima, Pedro Dumont de Carvalho Silva, Reginaldo Scheuermann Costa, Carolina Nascimento Spiegel, Ana Paula Massadar Morel

Última alteração: 2021-12-21

Resumo


A pandemia da Covid-19 afetou o mundo inteiro, chegando ao Brasil de forma mais agressiva a partir de março de 2020. Embora o vírus tenha atingido gravemente todo o território nacional, observamos as favelas e periferias das cidades com maior transmissão e número de óbitos, evidenciando, assim, as desigualdades sociais existentes. Tal conjuntura foi agravada pelas narrativas negacionistas que se disseminaram principalmente a partir de notícias falsas. Essas propagaram a ideia de que o vírus não era tão grave e letal, incentivaram o uso de medicamentos sem comprovação científica e propagaram desconfiança em relação às vacinas.

Em meio a esse cenário, foi criado o projeto de extensão da Universidade Federal Fluminense (UFF) “Educação Popular em Saúde em tempos de negacionismo: formação e experiências comunitárias”. Este foi desenvolvido em parceria com o Pré-Vestibular Comunitário Machado de Assis, localizado no Morro da Providência, favela do Rio de Janeiro. Com uma equipe transdisciplinar o projeto envolve diversas áreas de conhecimento, possuindo, assim, uma visão ampliada de saúde que possibilita a construção de ações mais integrais.

A parceria com o Pré-Vestibular tem sido fundamental para a realização do projeto. Este Pré realiza um trabalho de mobilização popular com coletivos e moradores da comunidade há 12 anos. Junto de outros coletivos da região, ele criou, no início da pandemia, o “Gabinete de Crise”. Essa iniciativa buscou dialogar com a população sobre os cuidados a serem realizados para enfrentar a pandemia e construir ações de solidariedade e apoio mútuo. Essas atividades evidenciam a importância social desses movimentos frente às inúmeras desigualdades e dificuldades presentes no local.

Buscando apoiar as iniciativas comunitárias que se desenvolvem no Morro da Providência, o grupo de extensão tem como objetivo desenvolver ações dentro da perspectiva da educação popular em saúde que promovam a discussão sobre o negacionismo científico e como enfrentar este fenômeno, tendo como foco, principalmente, o problema da medicação e vacinação. Tais ações vêm sendo construídas em uma concepção dialógica, que permite a criação de espaços de compartilhamento entre universidade e movimentos sociais.

Para compreender melhor o contexto em que a Providência se encontrava, foram realizadas reuniões, através da plataforma Google Meet, com moradores, alunos e professores do Pré-vestibular e agentes de saúde que atuam no local. Estes encontros serviram para discutir ações que pudessem colaborar com as campanhas de vacinação e no combate ao negacionismo.

Consideramos os conhecimentos populares, construídos através do cotidiano da comunidade, essenciais para desenvolvermos nosso projeto. Dessa forma, buscamos que nossas práticas dialoguem com os saberes da população, ou seja, que partam dos saberes que a comunidade constrói a partir de sua realidade. Portanto, vemos a importância das reuniões citadas para que haja esse espaço de troca de conhecimentos e experiências.

Através desses encontros foram pensadas ações a serem realizadas em conjunto. Uma delas foi a realização de uma pesquisa participante para mapear as perspectivas da população com relação a pandemia, vacinação e ações de educação em saúde na área. Inicialmente, realizamos um questionário que foi aplicado pela plataforma Google Forms, e por duas ações de mobilização na comunidade, em conjunto com o Pré-Vestibular. Este formulário foi construído de maneira coletiva, explorando distintos conhecimentos, em meio às reuniões.

Para essa ida a Providência foram confeccionados também camisas estampadas com a frase: “Vacina para as favelas” e dois panfletos estimulando a vacinação e abordando a sua importância a partir do contexto específico das favelas. Um deles contém a frase “Vacina Pra Favela!”, e a afirmação que a Covid já matou mais pessoas nas favelas do Rio de Janeiro do que em alguns países inteiros. O outro traz argumentos sobre a importância da vacinação, como: “+ Vacinas - Mortes”; “A vacina da covid-19 é segura, foi aprovada em muitos testes e pela Anvisa”; “A vacina protege você e todos ao seu redor”; entre outros. Além de serem distribuídos e colados nas ações presenciais, os panfletos foram divulgados nas redes sociais.

Outra atividade, sugerida por uma estudante do Pré, foi a campanha virtual em defesa da vacinação. Nesta atividade, estudantes, amigos, familiares, moradores da Providência e de outras comunidades enviaram fotos com cartazes desenvolvidos por eles mesmos. Algumas mensagens trazidas foram: “vacina salva vidas” e “em defesa do SUS”.

Outras ações bastantes enriquecedoras organizadas pela equipe do nosso projeto, foram as oficinas. Uma delas contou com a participação dos estudantes e professores do pré-vestibular e da jornalista e moradora da Favela da Maré, Thaís Cavalcanti. Nesta ocasião, a jornalista fez uma exposição dialogada sobre as fake news e as formas que o movimento da Maré utilizou para combatê-las, destacando a importância dos grupos de whatsapp nesse processo. Também tivemos duas oficinas com as turmas de ensino médio da Escola Estadual CAIC-Tiradentes, localizada na região da Providência. Essa ação foi um convite da diretora, no qual buscamos discutir sobre os cuidados a serem adotados na pandemia, as dificuldades desse momento e a importância da vacinação. Ademais, tivemos uma oficina com a turma de graduação da disciplina Fundamentos Didáticos que buscou sensibilizar os estudantes sobre a importância da extensão na formação inicial. E tivemos uma última oficina com o Pré a fim de apresentar os dados obtidos na pesquisa e discutir ações futuras. Nossas oficinas tiveram como objetivo fomentar um espaço de participação, saberes coletivizados e construção de conhecimentos.

Partindo das sugestões propostas nas oficinas, a equipe do projeto produziu uma paródia da música do MC Poze, incentivando a vacinação, e a divulgou nos grupos de whatsapp, no youtube, nas redes sociais da comunidade e a apresentou para os alunos da CAIC-Tiradentes, e para os da graduação da UFF.

Além dessas atividades, foi realizado um grupo de estudos com a equipe sobre a Educação Popular em Saúde, a fim de discutir textos que possam embasar e refletir sobre nossa prática. Também realizamos periodicamente reuniões para discutir sobre as questões levantadas com a comunidade.

Outrossim, apresentamos um relato de experiência do projeto no “I Encontro Internacional Educação Popular e Cidadania”, e no "V Seminário de Educação Popular do Fórum". Esses eventos buscaram construir um espaço de troca entre educadores populares e foi um momento importante para socializar nossas reflexões e conhecer outras iniciativas de educação popular.

As atividades que realizamos favoreceram a criação de vínculos entre o grupo do projeto e os coletivos da Providência, estimulando um espaço de trocas. Conseguimos observar um grande interesse destes em nossas atividades e uma participação ativa nelas, colaborando para ações mais horizontais.

Com base nesta perspectiva, é importante ressaltar que foi compreendendo a indissociabilidade entre ensino, extensão e pesquisa que buscamos realizar uma pesquisa participante que permeasse nossa prática. A Educação Popular em Saúde percebe os indivíduos como ativos na sociedade, e é a partir de suas vivências que é desenvolvido o trabalho educativo. Essa óptica colabora para a concepção de uma saúde integral, sendo fundamental para entendermos de forma holística a realidade e o repertório dos moradores.

Dessa forma, o projeto procura construir espaços de trocas de saberes entre universidade e movimentos sociais, buscando desenvolver estratégias coletivas e dialógicas para o enfrentamento do negacionismo. Compreendemos que o protagonismo popular é essencial para a democratização do conhecimento, evidenciando ainda mais os movimentos sociais e os espaços comunitários como partes fundamentais da luta pelo direito universal à saúde.