Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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“DIAS DE LUTA, DIAS DE GLÓRIA”: TRABALHADORAS/ES DE SAÚDE EM HIV/AIDS SOB O OLHAR DA PSICODINÂMICA DO TRABALHO, EM UM HOSPITAL DE REFERÊNCIA, NO PARÁ.
Michele Torres dos Santos de Melo, Paulo de Tarso Ribeiro de Oliveira, Eric Campos Alvarenga

Última alteração: 2021-12-21

Resumo


Apresentação: Este trabalho é proveniente de uma pesquisa de dissertação de mestrado da primeira autora, defendida em 18 de Dezembro de 2020, junto ao Programa de Pós-graduação em Psicologia, da Universidade Federal do Pará. Ao introduzir o tema, destaca-se que o surgimento da epidemia de HIV/Aids, no Brasil, foi marcado por grande mobilização social nos grandes centros urbanos do país, desde a notificação do primeiro caso da doença, em 1982. Os profissionais da saúde precisaram concentrar esforços para seu enfrentamento. Afetados pelo drama dos pacientes, recebiam apoio psicológico vindo do Hospital Emílio Ribas, primeiro hospital com um Centro de AIDS, tornando-se referência na área de infectologia, até os dias atuais. Diante do tema, realizou-se um breve levantamento bibliográfico acerca do surgimento do HIV/Aids no país, com destaque ao papel dos movimentos sociais no enfrentamento da doença e na criação de políticas públicas, ao longo das últimas décadas. Assim, enfatizou-se a atenção em saúde mental e cuidado aos profissionais de saúde, inseridos nesse contexto laboral. A pesquisa teve por objetivos analisar a organização do trabalho de trabalhadoras/es de saúde na atenção a pacientes de HIV/Aids, em um hospital de referência, no Pará; identificar as possíveis vivências de prazer e sofrimento psíquico neste trabalho; investigar os mecanismos de defesa individuais e estratégias defensivas coletivas adotadas, no enfrentamento à realidade existente. Desenvolvimento: A metodologia adotada foi de cunho exploratório e pesquisa qualitativa, utilizando-se o referencial teórico da Psicodinâmica do Trabalho. Os instrumentos de análise foram de entrevista semiestruturada, com a técnica de entrevistas individuais. A pesquisa foi submetida e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com seres humanos, vinculado ao Programa de Pós-graduação em Psicologia, da Universidade Federal do Pará, assim como pelo Comitê de Ética do Hospital Universitário João de Barros Barreto, atendendo à Resolução 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde – Ministério da Saúde. Para a análise dos dados, utilizou-se a técnica de Análise dos Núcleos de Sentido (ANS), adaptada da técnica de conteúdo categorial desenvolvida por Bardin (1977). Quanto aos participantes da pesquisa, estes foram 08 trabalhadoras/es de saúde que compõem a equipe voltada ao tratamento e acompanhamento de pacientes de HIV/Aids, atuantes na Unidade de Doenças Infecto Parasitárias (UDIP), do Hospital Universitário João de Barros Barreto, sendo 01 Auxiliar de Enfermagem, 01 Técnico de Enfermagem, 02 Enfermeiras (os), 01 Médica, 01 Psicóloga e 02 Médicos (as) Residentes. Quanto aos procedimentos de coleta das informações, devido à nova realidade, com a pandemia de COVID-19 foram necessárias adequações na metodologia, onde realizou-se as entrevistas nos meses de maio a julho de 2020, por mediação tecnológica virtual (vídeo-chamada, pelo aplicativo de celular denominado “Whatsapp” e através de ligação telefônica via celular. As falas foram gravadas através de um aplicativo de celular denominado “AZ Screen Recorder”, para posterior transcrição e análise dos conteúdos temáticos identificados, mediante autorização prévia dos profissionais. As duas últimas entrevistas foram realizadas no mês de agosto, de forma presencial e respeitando os protocolos de biossegurança. Utilizou-se o gravador de voz, do aparelho de celular da pesquisadora para o devido registro. Todas/os as/os participantes assinaram o Termo de Livre Consentimento Esclarecido (TCLE). Resultados e/ou impactos: A análise das informações e relatos permitem aferir que a organização do trabalho caracteriza-se por aspectos que envolvem diferentes vínculos trabalho, por uma jornada de trabalho intensa e exaustiva, mediante às demandas diárias na atenção com pacientes de HIV/Aids que chegam no hospital muito debilitados. As condições de trabalho apresentam-se deficitárias quanto à estrutura física, iluminação, temperatura, limpeza, estado dos equipamentos e escassez de recursos, como medicamentos. Para enfrentamento à realidade, o coletivo de trabalho adota estratégias de defesa que são dão por meio de frases, risos e afirmações que negam e silenciam o que realmente sentem, protegendo e racionalizando seus modos de pensar, agir e sentir o fazer laboral. Da mesma forma, utilizam-se de pensamentos compensatórios, para persistir com a necessidade de trabalhar e manter-se com saúde e disposição para o trabalho. É importante ressaltar que os risos destacados na fala de um/a participante, ao mencionar a frase “Dias de luta, dias de glória!”, como um lema considerado entre elas/es, que configura a utilização de uma estratégia defensiva adotada para minimizar e enfrentar o sofrimento vivido pelo coletivo, ao trabalhar na assistência com pacientes de HIV/Aids, na organização de trabalho, no qual estão inseridos. Além desta estratégica de defesa, na pesquisa pontuam-se as estratégias ilustradas por outras falas, tais como “O risco pode estar em qualquer lugar”, “Estamos aqui pra trabalhar” e “Temos que aceitar que é assim mesmo”.  Já o prazer no trabalho é identificado através do sentido dado à contribuição social, na recuperação e gratidão dos pacientes e familiares, no constante aprendizado e no apoio entre a equipe de trabalho. O reconhecimento é evidenciado pelos pares, quando elogiam, ajudam e valorizam o trabalho uns dos outros. O prazer no trabalho é identificado mediante o sentido identitário e a transformação do sofrimento em modo criativo, a contribuição social do trabalho realizado, pela recuperação e gratidão dos pacientes e familiares, no constante aprendizado e apoio mútuo entre as/os trabalhadoras/es. Não foi mencionada a existência de grupos de discussão coletiva, onde as/os trabalhadoras/es possam falar de seus sentimentos, angústias e anseios no fazer laboral. Considerações finais: Esta pesquisa possibilita a ampliação de saberes e reflexões atuais em saúde pública, no que concerne à saúde mental das/os trabalhadoras/es na atenção em HIV/Aids, assim como permite pensar ações voltadas à promoção de melhorias nas redes de serviços voltadas às PVHA, no país e, mais especificamente, no estado do Pará. Além disso, convida a refletir acerca desta nova realidade existente, com o surgimento de uma nova pandemia mundial (Covid-19), com desafios e enfrentamentos significativos, neste fazer laboral. Associado a este contexto, faz-se necessário destacar o cenário político-econômico atual no país, que também tende a agravar e impactar mais veemente a saúde mental das/os trabalhadores de saúde na atenção em HIV/Aids, sendo urgente a elaboração de políticas públicas efetivas, na manutenção da atenção e do cuidado, tanto às pessoas vivendo com HIV/Aids quanto aos profissionais inseridos nesse fazer laboral. A realidade apontada, sugere ainda, a necessidade de ações de promoção e qualidade de vida a estas/es trabalhadoras/es, assim como a criação e permanência de espaços com grupos de discussão coletiva, onde as/os trabalhadoras/es possam falar de seus sentimentos, angústias e anseios no real do trabalho.