Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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AS REDES VIVAS NA PRODUÇÃO DO ACESSO DE USUÁRIOS DA ÁREA RIBEIRINHA AOS SERVIÇOS DE SAÚDE MENTAL NO MUNICÍPIO DE PARINTINS, AMAZONAS
Glenda Patricia Moura, Júlio César Schweickardt

Última alteração: 2021-12-21

Resumo


A Amazônia possui singularidades que constituem um desafio no que concerne à integração política, social e sanitária para o país. Na questão saúde, adaptar os modos de fazer saúde às necessidades deste contexto requer, do gestor, traçar estratégias que sejam direcionadas ao contexto e particularidades de cada local, já que a política nacional não dialoga necessariamente com as realidades e particularidades de cada região. Os objetivos do trabalho foram conhecer a organização do serviço de saúde mental de Parintins, os fluxos percorridos pelos usuários para acessar o serviço de saúde mental e mapear a produção de redes vivas de um usuário ribeirinho na construção do cuidado em saúde mental. Esse trabalho faz parte da construção parcial da dissertação de mestrado acadêmico, produzido junto ao laboratório de História e políticas públicas de saúde na Amazonia. Trata-se de um estudo de caso do tipo exploratório descritivo, de caráter qualitativo sobre atenção à saúde mental de usuários ribeirinhos. A pesquisa foi realizada no município de Parintins, localizado no extremo leste do estado do Amazonas, distante a 372 quilômetros da capital Manaus. O município é considerado o segundo mais populoso do estado com uma estimativa de 114.273 habitantes, ficando atrás apenas da capital Manaus. Nessa pesquisa foi utilizada a ferramenta de usuário guia, que tem como objetivo narrar o percurso e vivencias do indivíduo durante o uso do serviço de saúde. Para e seleção do usuário guia foi realizado encontro dos pesquisadores com a equipe do Centro de Atenção Psicossocial de Parintins Antônio Laurido (CAPS de Parintins). Nesse encontro foi feito a apresentação da dinâmica da pesquisa e posteriormente foi sinalizado o usuário principal que se apresentou como caso complexo. Esse termo não está associado apenas a complexidade da patologia, mas também se refere aquele que detém a maior demanda dos serviços e dos profissionais em seu caso, gerando maior tensão para a equipe que o assiste. Além de ser um caso complexo em sentido amplo, o usuário guia precisou atender os seguintes critérios: Maior de 18 anos/ Ser acompanhado pelo CAPS/ Ser residente de Parintins. E teve como critério de exclusão: Ser indígena e se recusar a participar da pesquisa. Os dados produzidos durante a pesquisa foram transcritos em sua completude e após a transcrição os dados foram analisados pelos pressupostos da análise do discurso. O trabalho está estruturado em três capítulos: Capítulo I – A rede de serviços de saúde mental no município de Parintins - Am, que aborda sobre a organização da Rede de Saúde Mental em todos os níveis de abordagem. Capítulo II - Fluxos e acesso à Rede de Saúde Mental no Baixo Amazonas-Am que busca compreender a relação do ribeirinho com os serviços de saúde mental do município. Capítulo III - O usuário-guia e a sua rede viva na produção do cuidado em saúde mental. Em Parintins, os serviços de saúde mental dispõem de 1 CAPS tipo II, que funciona desde 2005 em horário comercial, durante cinco dias na semana, 1 CAPS AD que está em fase final de construção, que irá receber os usuários de Álcool e outras drogas. Os dois hospitais Gerais: Hospital Regional Dr. Jofre Matos Cohen e Hospital Padre Colombo Diocese de Parintins recebem as demandas de urgência e emergência psiquiátricas. Segundo Psicóloga, antes da pandemia por COVID 19 os casos psiquiátricos eram todos direcionados para o Hospital Jofre Cohen, porém com a pandemia, esse hospital tornou-se referência para COVID e passou a receber menos casos psiquiátricos. Os casos eram direcionados para o Hospital Padre Colombo.  O Município é referência de atendimento para todo o baixo amazonas, inclusive para alguns municípios do Pará, que geograficamente o acesso fica mais rápido indo à Parintins em comparação a cidade de Belém. Ao falar sobre o acesso ao serviço de saúde de Parintins a gestora do Caps relata: “Nós atendemos todo o baixo amazonas até cidades do Pará, que fica mais perto vir pra cá, que ir para Belém. Atendemos, por exemplo, Barreirinha, terra santa, juruti Novo, Juruti Velho, Santarém, porque ou não tem CAPS ou não tem Psiquiatra para atender, então eles acabam vindo pra cá. Já recebemos pessoas de Manaus que vem buscar ajuda aqui porque eles sabem que aqui não liberamos ninguém sem pelo menos ouvir e acolher [...]”.Segundo registro de controle interno do Caps, desde sua criação já foram atendidas mais de 36 mil pessoas, com os mais diversos sofrimentos mentais. No primeiro ano de pandemia da covid 19 (2019/2020) foram atendimentos 16 mil usuários. As patologias mais presentes nesse ano pandêmico foram casos de Ansiedade e depressão. A gestora informou que devido a unidade ser pequena e a demanda aumentar a cada dia, além da alta procura durante a pandemia, a atual gestão municipal implantou uma tenda de atendimento e encontros terapêuticos em frente ao Caps, afim de reunir um quantitativo maior de pessoa e aumentar sua cobertura de atendimento. A tenda tornou-se um local de grandes encontros entre os usuários e os profissionais que realizam atendimentos individuais e coletivos e semanalmente acontece uma roda de conversa sobre temas identificados nos atendimentos ao longo da semana. Quanto à forma que eles acessam o serviço, os profissionais relatam que a maioria da população ribeirinha utiliza sua embarcação própria, na maioria das vezes é a rabeta, mas alguns chegam de barco, balsa, lancha ou canoa.  Na produção do cuidado do Marcos, as suas redes vivas foram partindo inicialmente da rede formal que ao longo do percurso de entrelaçam com as redes informais. A rede formal é constituída por profissionais de saúde e de segurança que entraram em contato direto com o caso do usuário.  Nessa rede destaca-se membros da equipe do CAPS como o funcionário do setor administrativo que trabalha no CAPS desde sua implantação, e que incialmente foi um dos profissionais que apontaram Marcos como possível usuário guia da pesquisa. Dentro da rede informal, composta por familiares e outros envolvidos, destaca-se o elo forte existente na relação mãe-filho. Dona Maria sempre foi a figura mais presente desde os primeiros sintomas apresentados por Marcos. Ela proporciona segurança e companhia diante dos procedimentos de assistência. O pai apresenta um elo enfraquecido, pois nos momentos em que o nome do pai era introduzido na conversa, Marcos demonstrava magoa e introspecção. Ele sempre dizia: “Meu pai é aquele cearense brabo sabe, ele pega pesado”. O irmão que mora no mesmo terreno que ele, pois Marcos relata que sempre que precisa de alguma ajuda ou orientação, esse irmão vai até ele para ajudá-lo. Assim como a sua cunhada, esposa do irmão. Ainda assim nota-se a falta do irmão no dia a dia da vida do Marcos. A pesquisa nos mostra os desafios e perspectivas enfrentados por usuários ribeirinhos no acesso ao serviço de saúde mental, que em Parintins recebe alta demanda de serviço, tendo como principal desafio conseguir atender sua área de cobertura e demais municípios que não têm o serviço disponível. Notou-se a importância da escuta qualificada, como meio de compreender as realidades vividas pelos usuários que acessam o serviço.  As redes vivas formais e informais impactam diretamente o processo de cuidado dos usuários, tanto para a adesão ao tratamento como para as barreiras de cuidado em saúde mental.