Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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EXPERIÊNCIA DE TRABALHO E CUIDADO EM CASO DE PESSOA EM SITUAÇÃO DE ACÚMULO: PERCEPÇÃO DO AGENTE DE PROMOÇÃO AMBIENTAL DA UNIDADE BÁSICA DE SAÚDE JARDIM NOVE DE JULHO
Carolina De Paula Lima

Última alteração: 2021-12-20

Resumo


Incorporado em 2008 pela Secretaria Municipal da Saúde (SMS) da cidade de São Paulo,o Programa Ambientes Verdes e Saudáveis (PAVS) foi implementado visando colaborar comnovas práticas de saúde, abordando a relação intrínseca que a mesma possui com a questãoambiental. Eu, Carolina Lima exerço a minha função de Agente de Promoção Ambiental (APA)com o objetivo de promover ações multiplicadoras desse programa.Dentro do mesmo programa os seus eixos empenham-se em se estabelecer com adefinição de meio ambiente, bem como definida pela Política Nacional do Meio Ambiente,sendo um desses eixos o de Gerenciamento de Resíduos Sólidos. Referindo todaproblemática, seja ela qual for, interligada a diferentes esferas e possuindomultidisciplinaridade, uma das questões que se relacionam com a problemática de resíduos equestões ambientais é o eixo da saúde mental, especificamente de casos de pessoas emsituação de acúmulo.No período de chegada na UBS Jardim Nove de Julho localizada em São Mateus na ZonaLeste da capital paulista, verifiquei, junto às Agentes Comunitárias de Saúde (ACS)apresentação da área de abrangência da UBS bem como vulnerabilidades e as problemáticasenvolvendo os eixos do PAVS, como casos de pessoas que vivem em situação de acúmulo.Em 29 de janeiro de 2021, fazia 15 dias que exercia minha função nesta unidade localizada nodistrito que nasci e cresci. Antes de me tornar APA, não imaginei estarem inseridas tãointrinsecamente nesta região (São Mateus) situações como misérias, abandono estatal eproblemáticas envolvendo a saúde mental da população.Nesta data foi quando conheci a paciente do caso em questão, idosa, hipertensa, estadofísico precarizado (condição das roupas e da higiene inadequados) em estado psíquicocondizente com delírio e persecutoriedade. Nos momentos de estabilidade emocional,conversava e permitiu minha entrada e a da ACS em sua residência. Em sua casa pudeconstatar 3 cômodos, contando com o banheiro, todos sem condições de uso. A cozinha e obanheiro possuíam, em grande parte, materiais na altura de aproximadamente 1,57 metros dealtura e o quarto só não tinha materiais acima da altura da cintura porque a usuária dormia emcima deles, de um amontoado de roupas. Além da quantidade de coisas, a casa possui esgotoentupido, canos de água com vazamento e situação de instalação de energia precária. Isso semisturava com a condição de acúmulo oferecendo nenhuma condição sanitária adequada, semchuveiro para o banho, sem pia e sem vaso sanitário em condições de uso para suasnecessidades, nessa situação a idosa convivia com ratos constatados nas diversas visitasrealizadas ao longo do ano.
A situação de toda a família da paciente era precária (os familiares moram no mesmoterreno mas em casas separadas), com questões sociais e conflitos familiares. A pacienteiniciou a acumulação há cerca de 10 anos, e a 20 começou a apresentar seu quadro deesquizofrenia, segundo a família e os conhecidos. E ao longo de 10 anos foram realizadasdiversas tentativas de intervenção, mas a usuária quando descompensada era agressiva erecusava o atendimento e contato com as equipes de saúde seja de qualquer núcleo deequipamento da rede.Em relação a primeira visita, não sei se foi sorte, coincidência, conduta ou abordagem,porque como funcionária nova ainda não tinha observado o suficiente para chegar a umaconclusão de como é o modelo de atendimento da Unidade, o fato é que, a minha primeiravisita a casa dessa mulher foi uma uma surpresa para os funcionário da UBS quando relateique havia entrado na casa e o que vi - “ela não permite a entrada de ninguém na casa!” foramas palavras que ouvi - e claramente esse fato me surpreendeu.As emoções que a visita a essa paciente me trouxeram foram choque, tristeza,incredulidade e indignação. Geralmente conhecemos pela televisão casos de acumuladoresestadunidenses, acumulando coisas oriundas de consumo excessivo, mas esse caso é envoltode pobreza, era cercado de conflitos, abandono, desigualdade e fome.Com o apoio da unidade, sobretudo da gerência, decidimos levar esse caso como sefosse a primeira vez que a UBS entrava em contato com ele, iniciar tudo do zero a fim de traçarnovas estratégias para alcançarmos o objetivo de melhoria e qualidade de vida da idosa.Contudo, dentre todo o trabalho técnico essencial a ser adotado neste caso, o relato dessaminha experiência visa deixar claro a efetividade de uma das diretrizes da Política Nacional deAtenção Básica, o desenvolvimento das relações de vínculo como forma de garantir acontinuidade das ações de promoção à saúde que foram traçadas junto a usuária e familiares.Sem o vínculo nenhum ação se tornaria efetiva, sem vínculo ela não aceitaria receber oCentro de Atenção Psicossocial (CAPS), não aceitaria tomar a medicação para diminuição dossintomas delirantes, não receberia todos os profissionais técnicos que realizaram as visitas,não começaria acessar, depois de anos, a Unidade Básica de Saúde para a realização deexames de rotina e não teria aceitado a retirada de todo o resíduo e rejeito de sua residência.Até o momento da descrição deste resumo, essa é a etapa que nos encontramos econquistamos juntos como oferta de saúde: a limpeza de sua casa, realizada através demutirão comunitário pelos próprios vizinhos da paciente, onde a mesma acompanhou todo oprocesso.Além do apoio da equipe e o vínculo construído com a paciente, a construção de vínculocom a comunidade do entorno foi essencial para o andamento de todas as ações de saúde -dedicatória especial a vizinha da paciente - quando o Estado é falho, quando os processosburocráticos impossibilitam o andamento da efetividade das ações de necessidade imediata,são as pessoas, que muitas vezes necessitam somente do nosso incentivo, que erguem asmangas para fazer a diferença pelo outro.Continuamos no processo de intervenção, agora com foco na família, e sei que digo portodos da UBS Nove de Julho que esse caso pode servir de motivação para enfrentar osobstáculos e dificuldades na inserção de um programa de saúde na vida de um munícipe a fimde proporcionar dignidade. Casos que necessitam de olhar atencioso, de compaixão,insistência e rede de apoio, onde os princípios e diretrizes do SUS e do programa de Atenção Básica são condizentes e verdadeiros na prática. Continuamos na intervenção desse caso,tentando alcançar cada vez mais a família envolvida.