Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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Saúde bucal e vulnerabilidade: um estudo sobre as matérias veiculadas no jornal eletrônico G1 RJ no contexto de pandemia de Covid-19
Aleksander de Oliveira Sena Melo, Alan de Jesus, Deison Alencar Lucietto

Última alteração: 2021-12-20

Resumo


Introdução

A saúde bucal perpassa os limites da cavidade oral, na medida que pode ser entendida a partir de suas dimensões funcionais e estética, e, também, do contexto social, seus condicionantes e necessidades coletivas. Em termos práticos, ela contribui com funções como fonação, deglutição e mastigação; em relação à dimensão estética, possui uma região anatômica que contribui para a autoestima e o relacionamento social.

Entender a forma como a população percebe a saúde bucal é importante, pois a sua construção altera a percepção de relações sociais, que, por sua vez, são pautadas e/ou influenciadas pela mídia. Os meios de comunicação exercem poder sobre a divulgação da imagem do cirurgião-dentista e da Odontologia, podendo interferir no acesso à informação, na divulgação de serviços, na formação do imaginário social e nas escolhas pessoais.

Considerando que o menor acesso a informações e recursos influi na conquista da saúde bucal, este estudo teve por objetivo analisar matérias sobre saúde bucal veiculadas no portal de notícias G1 RJ no contexto da pandemia de Covid-19, buscando identificar em que medida os textos jornalísticos abordam a temática da vulnerabilidade.

Método

Tratou-se de estudo documental descritivo com abordagem quantitativa e qualitativa. A pesquisa documental é aquela que utiliza fontes diversas, tais como jornais, revistas, livros, teses, dissertações, filmes, cartas e outros, sendo útil para explorar, descrever e compreender fatos da vida social.

Este estudo foi organizado por meio de um levantamento das matérias sobre saúde bucal veiculadas no Portal de Notícias G1 RJ no ano de 2020, no período de fevereiro a dezembro, durante a pandemia de Covid-19. A pesquisa foi realizada no mês de abril de 2021 através da utilização da expressão “saúde bucal” no buscador da página eletrônica.

As matérias recuperadas foram selecionadas e os dados extraídos em uma planilha contendo as variáveis: título, data de publicação, link e tema. Considerando o objetivo de identificar em que medida as matérias sobre saúde bucal relacionam-se à temática da vulnerabilidade, a análise das matérias recuperadas envolveu a identificação de aspectos como tema, abordagem e presença de discussão sobre populações em vulnerabilidade.

Para essa seleção e classificação, optou-se por utilizar elementos quantitativos da Análise de Conteúdo tendo como etapas: pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados, com inferências. A partir da leitura de todas as matérias jornalísticas, cada texto recebeu um código e foi classificado em sete temáticas (categorias), elaboradas a partir da análise do seu conteúdo principal: 1) “Datas comemorativas”; 2) “Saúde bucal e Covid-19”; 3) “Prevenção”; 4) “Educação em saúde Bucal”; 5) "Cursos”; 6) “Saúde bucal na infância”; 7) “Outros”.

A análise qualitativa realizada, por sua vez, teve como pressupostos que as metodologias qualitativas permitem desvelar processos sociais ainda pouco conhecidos, possibilitando a criação/revisão de novas abordagens e categorias durante a investigação, produzindo inferências de um texto focal para seu contexto social de maneira objetivada.

Resultados e discussão

Foram recuperados 34 textos jornalísticos sobre saúde bucal no Portal G1 RJ no período de fevereiro a dezembro de 2020.  Identificou-se concentração de matérias nos primeiros meses da pandemia de Covid-19, com maior número de publicações no mês de março (nove matérias); seguido dos meses de outubro (cinco); julho (quatro); abril e agosto (ambos com três); maio, junho, setembro e dezembro (duas cada); e, por fim, novembro (uma). Infere-se que os meses de março e outubro concentraram publicações por serem o mês do Dia Mundial da Saúde Bucal e o Dia do Dentista.

Ao analisar a distribuição dos textos em função da sua temática principal, identificou-se que as maiores concentrações de matérias publicadas foram: “Saúde bucal e Covid-19” (15 matérias); “Prevenção” (sete); “Educação em saúde bucal” (quatro); 4) “Datas comemorativas” e “Saúde bucal na infância” (cada uma com três); 5) “Cursos” e “Outros” (cada uma com duas). Vale destacar que duas matérias foram classificadas em dois temas.  As matérias relacionadas à Covid-19 começaram a intensificar após o Decreto Rio Nº. 47.246 de 12/03/2020 que estabeleceu medidas para o enfrentamento da emergência de saúde pública do coronavírus no município. Acredita-se que este maior número de matérias se relaciona ao caráter de urgência na sociedade. O tema de prevenção, por sua vez, também se tornou relevante na medida em que poderia minimizar a ocorrência de doenças bucais, sobretudo no contexto pandêmico.

Um aspecto importante se relaciona com o fato de que nenhum texto jornalístico enfatizou ou citou a relação de saúde bucal e populações em situação de vulnerabilidade. Isso mostra o quanto a temática da saúde bucal no período analisado esteve atrelada às questões conjunturais, como a pandemia de Covid-19, às datas comemorativas (como carnaval), à formação profissional ou em sua relação com a infância. A ausência de discussões atreladas à vulnerabilidade é um discurso que revela o quanto essas populações são negligenciadas não só pelas políticas públicas, mas possivelmente também pelas narrativas de poder que circulam na sociedade, em especial as criadas pela mídia. Não houve, portanto, a construção discursiva de luta por melhoria da saúde bucal de grupos vulneráveis e nem um levantamento de como estava sua saúde durante a pandemia. Em meio a uma emergência global de saúde, populações em vulnerabilidade não possuíram voz em um dos principais veículos de comunicação do país. Tal silenciamento repercute em um apagamento de suas necessidades e das próprias desigualdades de acesso à saúde bucal no Brasil.

Em termos qualitativos identificou-se que os conteúdos das matérias destacavam cuidados de prevenção, acompanhamento de escovação de crianças, higiene bucal, beijo e a importância da formação profissional, evidenciando que os temas vêm sendo trabalhados de forma mecanizada. Em relação à Covid-19 destacaram-se, sobretudo, o esclarecimento de dúvidas em relação a higiene bucal para não se contaminar com o coronavírus. Vale destacar que esses textos não traziam uma problematização de como a pandemia afetava de forma diferentes populações, tanto em seus aspectos sociais, como geograficamente. Além disso, identificou-se um discurso de responsabilização e culpabilização do indivíduo pelo seu estado de saúde bucal. Essa forma de abordagem ainda se faz presente no imaginário odontológico, compondo o discurso e a prática de gerações de profissionais. Por adotar um estilo autoritário, desconsidera a participação individual e de grupos, excluindo a determinação social do processo saúde-doença.

Considerações finais

As matérias jornalísticas sobre saúde bucal veiculadas no portal de notícias G1 RJ entre fevereiro e dezembro de 2020 destacaram apenas os aspectos educacionais da higiene bucal, como as formas de prevenção de doenças relacionadas a má escovação. Nenhuma abordou a saúde bucal relacionada a populações em vulnerabilidade. Aliado a isso, houve também uma responsabilização e culpabilização do indivíduo em relação a seu estado de saúde bucal.

A ausência discursiva sobre saúde bucal de populações em situação de vulnerabilidade e a desconsideração dos aspectos conjunturais/estruturais da sociedade podem acarretar na ausência de discussões públicas sobre a necessidade de investir no acesso dessas populações aos serviços de saúde bucal. Ao mesmo tempo, sinaliza que o modelo de prática odontológica liberal prevalece hegemônico, inclusive em um período de excepcionalidade, como a pandemia de Covid-19.