Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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Mudanças organizacionais da assistência bucal prestada em serviços de atenção primária à saúde do interior paulista durante a Pandemia da Covid-19
Livia Souza Kretter Camargo, Patricia Rodrigues Sanine

Última alteração: 2021-12-22

Resumo


Apresentação: A expansão da pandemia da Covid-19 trouxe uma série de consequências  negativas para o funcionamento dos serviços de saúde. O aumento da demanda de usuários com suspeita da doença, o afastamento da população por medo de se infectar, a redução da força de trabalho por adoecimento ou afastamento dos profissionais por pertencerem à grupos de risco ou por estarem com Covid-19, além de todo o desgaste físico e psicológico destes profissionais, foram alguns dos impactos percebidos nos serviços de Atenção Primária à Saúde (APS). Neste cenário, ao evidenciarem que a saliva era um importante meio na cadeia de transmissão da doença, associado ao fato dos procedimentos odontológicos envolverem o uso de instrumentos rotativos, que geram aerossóis contendo gotículas de água, saliva, sangue e micro-organismos, estabeleceu-se a prática odontológica como uma atuação de maior risco de contágio da doença. Devido à essa maior exposição dos profissionais da odontologia à aerossóis, novas rotinas e fluxos de atendimento foram estabelecidos para as ações de saúde bucal, levando a um novo padrão de biossegurança que incluiu a suspenção dos tratamentos eletivos (considerados não essenciais). Os atendimentos de emergencias também foram alterados, com a ampliação do intervalo entre os atendimentos. Em alguns lugares o foco de atuação desses profissionais também sofreu mudanças, sendo alocados às áreas de vigilância epidemiológica e sanitária do município, entre outros. Desta forma, essas medidas que visavam evitar a disseminação do vírus acarretaram uma redução considerável dos atendimentos odontológicos e, como consequência, um impacto negativo nos indicadores de acesso e resolutividade dos serviços em saúde bucal, contribuindo para um aumento na demanda reprimida. Com base neste cenário de tantas mudanças, acredita-se na hipótese de que o acesso à assistência em saúde bucal tenha piorado durante o período da pandemia, sendo oportuno questionar como era a assistência em saúde bucal antes do início da pandemia da Covid-19 e o quanto tais alterações impactaram nos procedimentos realizados pela equipe de atenção bucal dos serviços de APS durante o período de retomada das atividades. Este trabalho tem por objetivo analisar as mudanças organizacionais durante a pandemia da Covid-19 e seu impacto na assistência odontológica em um serviço de APS do interior do estado de SãoPaulo. Desenvolvimento do trabalho: Estudo de caso dos registros de rotina da assistência prestada na saúde bucal de um serviço de APS localizado em um município de grande porte do interior do estado de São Paulo, em quatro períodos, sendo dois anteriores à pandemia da Covid-19 (meses de outubro e novembro de 2019 e janeiro e fevereiro de 2020) e dois durante a Pandemia (meses de outubro e novembro de 2020 e janeiro e fevereiro de 2021). As definições das datas se deram, primeiramente, devidoao período de suspensão dos atendimentos odontológicos eletivos, que iniciou em março de 2020 e retornou apenas em dezembro de 2020. Buscou-se manter a comparabilidade entre os atendimentos nos períodos de atendimento, uma vez que existem sazonalidades específicas para os atendimentos odontológicos, como por exemplo, nos períodos de férias escolares, ou estações mais frias do ano, como nos meses de junho e junho. A definição do município foi intencional e o estudo não contou com cálculo amostral, uma vez que se trabalhou com o universo dos atendimentos registrados durante os períodos. Para a análise das mudanças organizacionais na assistência odontológica durante a pandemia da Covid-19, foram selecionadas oito variáveis referentes às características dos usuários que tiveram acesso ao serviço nesses períodos, que foram agrupadas em três categorias (Sexo; Ciclos de vida; Gestante), e outras 24 sobre os procedimentos odontológicos, agrupadas em cinco categorias (Atendimentos; Tipo de consulta; Procedimento Preventivos; Procedimentos Conservadores e Procedimentos Invasivos). A análise foi realizada pela distribuição das frequências absolutas e relativas, utilizando osoftware estatístico SPSS. Resultados e/ou impactos: O município de estudo possui aproximadamente 380.000 pessoas e um índice de desenvolvimento humano alto (IDH=0,801), com indicadores de saúde bucal que estimam uma cobertura ofertada pelos serviços de APS de 23,42% da população, com 88,5% de crianças de 0 a 2 anos livresde cárie e 9,3% na faixa etária dos 5 a 6 anos. O sistema de saúde do município é organizado a partir dos serviços de APS (n=24). A atenção odontológica conta com 62 equipes de saúde bucal que integram os serviços de APS (compostas por 75 cirurgiões dentistas e 67 auxiliares/ técnicos em saúde bucal) e um Centro de Especialidades Odontológicas (CEO). Há ainda, profissionais de saúde bucal atuantes na assistência especializada de outras áreas, como no Serviço de Orientação e Prevenção do Câncer (SOPC), no Banco de Leite Humano (BHL), no Centro de Referência de moléstias infecciosas (CRMI) e no Hospital de Reabilitação e Anomalias Craniofaciais (HRAC). As urgências odontológicas são direcionadas ao Pronto Socorro Odontológico Central e a outras duas UPA. O serviço selecionado encontra-se localizado em área urbana da região Norte do município com cerca de 4.900 pessoas cadastradas e 1.344 famílias vinculadas a uma equipe de ESF com Saúde Bucal atuante na modalidade I (composta por cirurgião dentista e auxiliar de saúde bucal). De acordo com a escala de risco familiar de Coelho-Savassi, 17% das famílias adscritas na área de abrangência possuem maior probabilidade futura de morbidade ou mortalidade. A maior parcela da população (31%) é assalariada com carteira de trabalho e possui o ensino médio completo (24%). Constatou-se em todos os períodos predomínio de usuários do sexo feminino e idade entre 20 e 59 anos. Já em relação ao número total de atendimentos, observou-se redução de cerca de 50% entre os períodos antes da pandemia (n=325; n=315) e o primeiro período da pandemia (n=168). No entanto, com a retomada de algumas atividades no segundo período da pandemia, constatou-se um importante aumento (n=260). Em relação ao tipo de consulta, chamou atenção o exponencial aumento das demandas imediata, que ocorriam em uma média de 50 casos e passaram para 180 durante a pandemia. Com exceção das orientações de higiene bucal durante as consultas, que atingiram as mesmas frequências que antes da pandemia, todos os outros procedimentos preventivos continuaram praticamente paralisados. Os procedimentos conservadores foram os que apresentaram maiores variações, apresentando atividades cuja frequência se igualaram ao período antes da pandemia, como alguns que atingiram frequências maiores do que antes da pandemia, como no caso da raspagem, alisamento e polimento supragengivais por sextante (antes da pandemia n = 87; 82 e durante a pandemia n= 20; 146). Em relação aos procedimentos invasivos, apesar de não terem atingido as mesmas frequências que antes da pandemia, encontram-se bem próximos. Considerações Finais: Os resultados evidenciaram mudanças organizacionais durante a pandemia da Covid-19 que impactaram na redução da assistência odontológica ofertada pelo serviçode APS, no entanto, constatou-se que as frequências da maioria dos procedimentos já se encontravam próximos ao período antes da pandemia, demonstrando uma boa adaptabilidade nos processos. Acredita-se que compreender as adaptações do processo de trabalho implantados atualmente possa contribuir com a melhoria da qualidade organizacional de outros locais, inspirando novas reorganizações.