Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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EUTONIA: CONTRIBUIÇÕES PARA A FORMAÇÃO MÉDICA
Gabrielle Silva Sousa, Luana Leal Gonzaga, Karol Maynne Vieira dos Santos, Ana Luiza Ferreira Gusmão, Ana Beatriz Ferreira Gusmão, Karolaine da Costa Evangelista, Gabriela Garcia de Carvalho Laguna, Ricardo Evangelista Fraga

Última alteração: 2021-12-20

Resumo


Apresentação:

As práticas integrativas e complementares em saúde (PICS), sobretudo nas técnicas corporais, trazem a manifestação de possibilidades para o bem-estar do sujeito através da expressão e da consciência corporal. A Eutonia, desenvolvida por Gerda Alexander, pode ser entendida como uma vivência na qual os movimentos são realizados com dispêndio mínimo de energia e máximo de eficácia, propiciando o prosseguimento harmônico das funções vitais. O ponto central da Eutonia é o equilíbrio do tônus corporal, de modo a aprender a identificar e a liberar tensões objetivando substituí-las por flexibilidade, permitindo movimentos mais fluidos e eficientes com menor esforço físico. Essa consciência corpórea visa estabelecer uma modelável e dinâmica relação de equilíbrio cuja eficiência é o reconhecimento de si. Nesse sentido, a Eutonia, um método de educação somática, soma-se a essas vertentes e apresenta-se importante na formação dos médicos devido ao seu caráter de pedagogia do cuidado, no qual há a valorização da singularidade e da sensibilidade humana. Desse modo, o método é capaz de estimular experiências de autoconhecimento, de autonomia e de escuta atenta que promovam uma regulação do equilíbrio da mente e do corpo de forma individual, porém que também podem ser aplicadas no tratamento do paciente, tendo, portanto, um potencial terapêutico que está fortemente associado às proposições humanísticas presentes nas Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina. Nessa perspectiva, o componente curricular Cultura, Arte e Natureza: Produção e Promoção de Saúde é ofertado regularmente ao primeiro semestre do curso de Medicina do Instituto Multidisciplinar em Saúde da Universidade Federal da Bahia (UFBA-IMS/CAT), abordando a Eutonia. Essa disciplina é predominantemente prática e em 2021 foi integralmente conduzida na modalidade virtual devido à pandemia da COVID-19, o que demandou adaptações. Esse trabalho tem como objetivo, portanto, relatar a experiência de discentes do primeiro semestre do curso de graduação em medicina com práticas de eutonia conduzidas de forma online,  com destaque para a compreensão do corpo a partir da anatomia do vivo, em uma perspectiva de corpo-sujeito: indissociável, subjetivo, complexo e diverso.


Desenvolvimento:

O componente curricular referente apresentou aulas ministradas semanalmente às quintas-feiras, cuja duração aproximada era de 1h e 30min. Devido ao contexto pandêmico, houveram momentos assíncronos destinados à leitura de materiais encaminhados pelo docente e momentos síncronos mediados pela plataforma Google Meet, os quais eram divididos em três partes, a primeira envolvia uma prática corporal guiada, a segunda foi um momento de debate acerca das percepções experienciadas na vivência e, no terceiro momento, havia uma aula expositiva em que o professor apresentava bases teóricas relacionadas às práticas corporais, na qual abordava assuntos como: saúde e autocuidado, eutonia e gestação, a relação da cultura e da arte com a saúde, corpo e saúde, co-construção de autonomia e determinantes sociais da saúde. Também foram realizadas duas rodas de conversa com uma convidada, que por sua vez conduziu uma prática de eutonia com a turma. Já  as demais práticas em eutonia foram mediadas pelo professor ao longo do semestre com o auxílio de materiais comuns disponíveis aos discentes, como cabos de vassoura, bolas de meia e toalhas, enquanto os estudantes replicavam os comandos do docente baseando-se na imagem transmitida e em sua voz. As práticas trabalhadas em aula consistiram em colocar os objetos citados em contato com partes específicas do corpo, a fim de suscitar uma maior atenção às sensações obtidas nesses locais afetados e com isso voltar o olhar para o autocuidado e percepção de si.

Resultado/impacto:

Essas vivências possibilitaram a construção de um entendimento da anatomia a partir do próprio corpo do aluno, compreendida como “anatomia do vivo”. Nesse sentido, inserem-se as PICS, das quais faz parte a eutonia, que aliam os conhecimentos tradicionais aos recursos terapêuticos, não para substituir, mas para somar-se aos métodos já utilizados, buscando uma abordagem ampliada das necessidades do paciente. Estas se fazem fundamentais visto que a medicina ocidental contemporânea, que possui bastante influência nas práticas de saúde em geral, tende a reduzir o sujeito que precisa desse cuidado à objetividade do conhecimento a respeito da patologia que o acomete, de como funciona o organismo dele, o que resulta em uma falta de sensibilização com questões  subjetivas e particulares relacionadas à experiência desse paciente. Em vista disso, com as práticas de eutonia, os discentes puderam verificar a necessidade dessa sensibilização ao serem estimulados a  experimentar novas noções sobre os movimentos e sensações possibilitados pela consciência corporal dos eixos anatômicos trabalhados: os pés, a coluna vertebral, a cintura escapular, os braços e a pelve. Além disso, a experiência com uma convidada eutonista e doula, permitiu uma visão ampliada sobre a pelve e sua preparação para o parto, promovendo uma postura analítica acerca da necessidade de intervenções médicas nesse processo, preparação fundamental para o próximo período do curso da graduação que perpassa pela temática do nascimento. É interessante citar, ainda, que nas discussões após as atividades, o grupo identificou que, apesar de terem sido mentorados a realizar os mesmos movimentos, cada participante obteve percepções distintas e únicas das ações e, por isso, puderam ter uma compreensão melhor da presença da subjetividade e sua relevância nos processos de cuidado em saúde.  Por exemplo, enquanto o mesmo movimento proporcionava, em parte dos alunos, sensação de desconforto e estranheza, em outro grupo levava ao alívio de dores e tensões acumuladas. Isso advém do relaxamento dinâmico, característico da eutonia, que objetiva potencializar os movimentos utilizando menos energia, priorizando os mais naturais e benéficos ao corpo. Como a eutonia tem por objetivo o conhecimento de si e a consciência do próprio corpo, constitui-se como um método democrático, pois não antagoniza as crenças pessoais, religiosas ou morais de cada indivíduo. Dessa forma, essas aulas se mostraram relevantes por  apresentarem aos discentes a existência de maneiras bastante individuais de perceber o corpo. Essa percepção mais ampla permite a formação de médicos que entendem que as necessidades de cada paciente podem ir além, por exemplo, da categorização padrão existente para cada doença e por isso faz-se necessário  individualizar cada atendimento/tratamento a fim de que as possibilidades de ser e sentir de cada pessoa sejam contempladas de forma mais eficiente. Tendo em vista que cada indivíduo percebe, sente e vive as experiências de forma única e que isso pode influenciar o processo saúde-doença, é importante para os discentes formarem o entendimento desse fato desde o início da graduação. No entanto, essa importância não se restringe somente a eles, visto que se permitir conhecer as especificidades de cada pessoa proporciona  uma compreensão melhor das limitações de cada um, sendo uma condição indispensável para a prática do respeito e acolhimento, a qual deve ser expandida como  atitude de todas as pessoas da sociedade, indiscriminadamente.


Considerações finais:

A partir das discussões anteriores, conclui-se que  a eutonia configura-se como  uma prática muito potente dentro da formação médica, dado que proporciona aos futuros profissionais o desenvolvimento de consciência corporal, de maneira que a partir da compreensão do próprio corpo possam entender a complexidade e diversidade das necessidades e sensações dos pacientes. Destarte, as práticas de eutonia foram fundamentais na compreensão do ser humano como um ser biopsicossocial, como proposto pelo componente curricular no qual insere-se, a medida que trabalha aspectos múltiplos da pessoa, trazendo reflexões sobre o corpo, as sensações e o autocuidado.