Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
Tamanho da fonte: 
Medicina de Família e Comunidade e Saúde Suplementar: análise da formação dos/as profissionais médicos/as
Matias Aidan Cunha de Sousa, Isaac Linhares de Oliveira, Juliana Sampaio

Última alteração: 2022-01-03

Resumo


Apresentação:


No Brasil, marcos como a Constituição Federal de 1988 que estabelece a saúde como um direito de todos; a Lei 8080/90 que cria o Sistema Único de Saúde (SUS) e a Política Nacional de Atenção Básica (PNAB) de 2006 (MELO et al, 2018) deram novos contornos para a formação médica. No campo da Atenção Básica (AB) são criados programas de residência como o de Medicina Geral e Comunitária e o mais atual programa de Medicina de Família e Comunidade (MFC).

Na construção de uma formação orientada às demandas da AB, o governo de Dilma Rousseff instituiu, em 2014, o Programa Mais Médicos que aumentou o número de residências em MFC no país. Paralelamente, as Diretrizes Curriculares Nacionais do curso médico, em 2014, foram atualizadas para uma formação voltada às demandas do SUS e da APS, reconhecendo o indivíduo em sua integralidade, o que demanda reconhecer suas dimensões familiar, comunitária e territorial, assim como seu contexto sócio-histórico-demográfico-político e cultural.

Neste contexto, a formação de MFC têm construído diversos campos de atuação. O mais recente se situa no setor de saúde suplementar, protagonizado pelos planos de saúde privados. Este setor possui cerca de 48 milhões de brasileiros, atendidos com ampla diversidade de cobertura, de forma ambulatorial e/ou hospitalar, com ou sem assistência obstétrica e odontológica (FIGUEIREDO, 2017).

Parece atrair ao sistema privado que a MFC se insere como gatekeeper (portaria), para, através da Prevenção Quaternária, fazer uso racional da prescrição de exames e procedimentos terapêuticos (MACHADO, 2019; NORMAN, TESSE, 2009). Essa inserção ganha potência a partir de 2013, quando planos de saúde como CASSI, UNIMED e AMIL decidem estruturar ofertas a partir da APS, contratando MFC para compor suas equipes.

Diante disso, convém analisar o perfil de formação dos MFC atuantes na saúde suplementar, sobretudo, num cenário de subfinanciamento e desfinanciamento do SUS. Com isso, o presente estudo tem como objetivo analisar a trajetória de formação médica de MFC de um serviço de APS da rede suplementar de saúde.


Método do estudo:

Trata-se de um estudo quantitativo, descritivo. O local do estudo foi uma clínica de APS da rede de saúde suplementar da cidade de Natal, no estado do Rio Grande do Norte, Brasil.  A clínica existe há cerca de dois anos, presta serviços a um plano de saúde e é composta por 11 MFC entre outros profissionais da saúde. O estudo foi realizado com 9 desses 11 MFC que aceitaram participar da pesquisa, caracterizando uma amostra do tipo conveniência.

Para a produção dos dados, foi aplicado um questionário fechado pelo Google Forms, dividido em 4 dimensões: (1) dados sociodemográficos, (2) formação de graduação, (3) formação de MFC e (4) experiência de trabalho. Os dados foram tabulados em planilha do Excel. Em seguida, foi feita análise estatística descritiva com auxílio do aplicativo Jamovi.

O estudo é resultado de um projeto de Iniciação Científica financiado pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), vinculado à dissertação de mestrado: “Análise da atuação da Medicina de Família e Comunidade na Saúde Suplementar”, desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (PPGSC) da mesma instituição.

Por fim, a pesquisa segue a resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde (CNS) sobre as pesquisas envolvendo seres humanos, tendo sido aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisas (CEP), do Centro de Ciências Médicas (CCM) da UFPB, com CAAE: 42482721.7.0000.8069.


Resultados:


Quanto às caracteristicas sociodemograficas do grupo, a mediana de idade dos/as participantes foi 32 anos (variância de 30,3), 88,9% (8) declarados/as heterossexuais, 55,6% (5) homem cisgênero, 77,8% (7) pessoas branca e 55,6% (5) pessoas casadas. Quanto à renda familiar, 44,4% (4) recebem mais de 20 salários minimos, 33,3% (3) de 10-20 salários mínimos e 22,2% (2) de 5-10 salários mínimos. Quanto à naturalidade, dos 9 respondentes, apenas 1 não é da região nordeste.

Quanto à formação em medicina, 66,7% (6) são oriundos/as de universidades públicas, enquanto 33,3% (3) de universidades privadas. Dos 3 que responderam ter feito faculdade privada, 66,7 % (2) afirma ter pago a universidade por meio de recursos de familiares e apenas 33,3% (1) por meio de programas federais como o Programa Universidade para Todos (PROUNI). Quanto ao ano de formação na graduação 11,1% (1) tem 17 anos de graduado, 55,5% (5) tem entre 9 e 5 anos de formação e 33,3% (3) tem menos de 5 anos. Quando perguntados/as sobre seu contato com a APS durante a graduação, a maior parte 55,6% (5) afirmou ter tido durante o curso de medicina todo, 33,3 % (3) no internato e apenas 11,1% (1) somente no início do curso.

Quanto à formação em MFC, 77,8% (7) tem o título de MFC. dentre os quais 85,7 % (6) obtiveram por meio de residência médica e 14,3% (1) por especialização e posteriormente prova de título. As residências médicas foram 16,7% (1) em secretaria municipal, 33,3% (2) em universidade e 50% (3) em hospitais. Dos/as 7 especialistas, 85,7% (6) tem até 5 anos de formado, e 0,14% (1) 11 anos. Quanto ao tempo de trabalho na AB, 33,3% (3) tem de  1 a 2 anos; 33,3% (3) de 2 a 5 anos; 22,2% (2) de 5 a 10 anos e 11,1% (1) mais de 10 anos. Dentre as atividades desempenhadas na AB, 66,7% (6) tem experiência como preceptor da graduação médica; 55,6 % (5) em preceptoria da residência em MFC, 44,4% (4) como  médico do PROVAB/mais médicos e/ou em supervisão do PROVAB/mais médicos. Na clínica da rede suplementar, a mediana de hora trabalhada foi de 25 horas semanais.


Considerações finais:


Observa-se que o perfil sociodemográfico dos/as médicos/as da APS privada que participaram deste estudo segue o perfil majoritário da categoria médica: homens, brancos, heterossexuais, com boa renda salarial. Ademais, a grande maioria tem título em MFC, configurando este setor privado como um novo campo de trabalho oportunizado para esta especialidade. Outro ponto que chama atenção, é que a maioria dos/as especialistas são formados/as em universidades públicas, tanto na graduação quanto na residência, com experiência na Atenção Básica do SUS. Assim, tem-se formado médicos/as no setor público, para atuar no público, com experiências no público, mas que passam a ser captados para trabalhar  na saúde suplementar.

Dessa forma, conclui-se que a rede suplementar tem se configurado como um campo de mercado privado para o MFC, que parece ganhar ainda mais força num contexto de desfinanciamento do SUS e em especial da AB, através da implementação de propostas neoliberais como a PEC-95, a PNAB de 2017 e a ADAPS. Este fenômeno se afina com propostas de cobertura universal da saúde, comprometidas com a privatização do setor, através de estratégias diversas de sucateamento do setor público e concomitante fortalecimento do setor privado.