Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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Equipes Especializadas no Atendimento à Crianças e Adolescentes Vítimas e/ou Testemunhas de Violência
Alexander Augusto Augusto Rodrigues, Lúcia Ferraz Corrêa, Roberta Sueli Casarin, Amanda Bueno Atilio, Scheila Leandro, Mariana Cavalcanti Cruz, Elizangela da Penha Neubaner, Joice Sales Mesquita Silva

Última alteração: 2021-12-21

Resumo


Esse trabalho tem como objetivo relatar a construção de uma proposta de política pública voltada para a assistência de crianças e adolescentes vítimas e/ou testemunhas de violência com intenso sofrimento psíquico e que demandam uma atenção especializada pela sua complexidade. Cabe ressaltar que essa proposta surgiu do trabalho de muitos profissionais que compõem os NPV das unidades de saúde, dos cinco territórios da Coordenadoria Regional de Saúde - Sul. As questões relativas às violências na sociedade contemporânea tornaram-se objeto de reflexão e de estudo em virtude da magnitude e gravidade do problema. Os serviços de saúde constituem-se em um espaço privilegiado para a identificação, acolhimento e atendimento das pessoas em situação de violência, caracterizando- se como local propício para o exercício da transversalidade do cuidado. Partindo dos elementos apresentados na Linha de Cuidados da Área Técnica de Atenção Integral à Saúde da Pessoa em Situação de Violência (2015) e o cenário atual, podemos observar que a violência contra crianças e adolescentes constitui um grave problema social presente em países desenvolvidos e em desenvolvimento. Ela acompanha a trajetória da humanidade, manifestando de múltiplas formas, nos diferentes momentos históricos e sociais de acordo com os aspectos culturais. A ausência, portanto, de políticas públicas de saúde para o tratamento especializado de crianças e adolescentes representa uma violação não apenas ao texto legal expresso, que prevê a existência de tal estrutura dentro da "rede de proteção à criança e ao adolescente", mas à própria Constituição Federal. Durante a capacitação para a implantação da Linha de Cuidados para a Atenção Integral à Saúde da Pessoa em Situação de Violência (2016 - 2017) as 5 Supervisões Técnicas de Saúde (interlocutores de violência e interlocutores dos parceiros) da CRS-Sul identificaram a necessidade de se pensar um projeto piloto para o atendimento da infância e adolescência vítima e/ou testemunha de violência em intenso sofrimento psíquico e alta vulnerabilidade. Pensou-se então, na criação e implantação de uma equipe na Atenção Especializada, composta por profissionais ligados à Saúde Mental (Psicólogos, Terapeutas Ocupacionais e Assistentes Sociais) com a função de serem referência para os Núcleos de Prevenção à Violência das unidades de saúde no cuidado dos casos que necessitavam, inclusive, do atendimento em psicoterapia. Com a publicação da Lei 13.431/17, essa proposta levantada durante a capacitação para a Linha de Cuidados, passou a ser validada pela Área Técnica da Secretaria Municipal de Saúde que, junto à Atenção Básica,  conseguiu que a implantação dessas equipes passassem a ser meta do Plano Municipal de Saúde de 2018 a 2021. No final de 2018 a STS de M’Boi Mirim, em parceria com a Organização Social Associação Comunitária Monte Azul, tomou a iniciativa de implantação de uma equipe especializada no atendimento a violência. Em seguida, no ano de 2019 e 2020, as outras Supervisões Técnicas de Saúde passaram a implementar também as suas Equipes Especializadas, embora com o número reduzido, em comparação à experiência do M'boi Mirim. Cabe ressaltar que a região Sul conseguiu implantar as equipes pelo esforço individual de cada parceiro/Organização Social, ou seja, sem recursos extras, realocando os recursos já disponíveis na contratação de profissionais exclusivos para comporem as Equipes Especializadas. Além dos atendimentos, o matriciamento dos NPV pelas Equipes Especializadas, visa a consolidação e potencialização dos NPV nos nossos territórios enquanto espaços de organização de política pública no atendimento às vítimas e/ou testemunhas de violência. Desde 2018, identificou-se que as Equipes Especializadas desenvolveram ações de promoção de reestruturação emocional e reintegração social às vítimas suscitaram o fortalecimento de vínculos familiares e ofereceram atendimentos psicossociais e terapêuticos, individuais e em grupo, estimulando a autonomia e o empoderamento dos indivíduos atendidos, através da ressignificação das violências vividas para mudança em suas relações sociais de modo que vise a qualidade das relações. Além disso, essa equipe presta apoio à atenção básica na condução de casos de crianças e adolescentes vítimas de violência, sendo referência assistencial aos casos mais complexos e de difícil manejo. O público alvo das Equipes Especializadas compreende: Crianças e adolescentes de 0 à 17 anos 11 meses e 29 dias cadastrados na Unidade de Saúde de referência, que apresentam intenso sofrimento psíquico e maior vulnerabilidade social devido a(s) violência(s) sofrida(s). Os impactos da atuação das Equipes Especializadas de Violência nos territórios vão desde o fortalecimento de ações coletivas de enfrentamento à violência, ao abuso e à exploração sexual de crianças e adolescentes, até a qualificação continuada dos profissionais do NPV envolvidos no atendimento destinado às crianças e adolescentes vítimas de violência. Através de reuniões com a participação das outras políticas públicas que compõem a rede protetiva, a equipe promove uma integração da rede intersetorial para uma abordagem interdisciplinar e especializada a essa população. A equipe também oferece apoio matricial aos casos, configurando-se como um espaço potente de educação permanente em saúde. Foi possível observar, a partir da implantação das Equipes Especializadas de Violência, que houve uma ampliação da capacidade do cuidado e resolubilidade dos casos de violência contra crianças e adolescentes nos territórios. Identificou-se que o atendimento especializado à pessoa com intenso sofrimento psíquico devido às situações de violência vivenciadas tem se tornado efetivo no fortalecimento desse usuário, uma vez que passou a ser possível nos casos indicados. podemos, agora, afirmar depois de aproximadamente 02 anos que os NPV se fortaleceram de tal modo que a grande maioria dos casos continuam sendo atendidos apenas na Atenção Primária. Notou-se que as Equipes Especializadas colaboram de forma complementar apoiando e qualificando o manejo dos casos acompanhados pelos NPV. Além disso, passou a ser papel dessas equipes a escuta especializada de crianças e adolescentes vítimas e/ou testemunhas de violência nos casos judicializados enquanto saúde, conforme proposta da regulamentação da Lei 13.431/2017. A inserção de um serviço inovador numa rede já construída impõe diversos desafios no cotidiano, sendo o principal os limites de atuação de cada equipamento e setor, pois as linhas em alguns momentos se esbarram e outras se interseccionam. Este desafio está posto e é superado no cotidiano das práticas por meio da comunicação entre os envolvidos no cuidado. Tais desafios propiciam a construção de diferentes modos de atenção, maior proximidade entre os trabalhadores e troca de saberes, legitimação de espaços de discussões, fortalecimento da atenção básica e dos Núcleos de Prevenção de Violência dos serviços da rede contribuindo efetivamente para a assistência dos usuários. Ressaltamos que, conforme o exposto neste documento, as Equipes Especializadas de Violência tiveram um papel fundamental nos territórios para o aprimoramento no cuidado dessa população tão vulnerável, onde se há a compreensão de que a intervenção ainda na infância e adolescência é um caminho efetivo para a construção de adultos que possam ressignificar suas vidas e trabalhar para o rompimento dos ciclos da violência tão naturalizada no nosso cotidiano. Nesse sentido, a assistência à essa população também se configura como uma proposta de prevenção no enfrentamento às questões relativas à violência na nossa sociedade. Salientamos, portanto, que a construção de políticas públicas efetivas para a infância e adolescência em situação de violência se faz cada vez mais necessárias, podendo ser fomentadas e ampliadas pelas instâncias públicas.