Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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Fatores potencializadores e dificultadores do trabalho em APS na assistência ao hipertenso
GLAUCILANDIA PEREIRA NUNES, CAMILA MARQUES DA SILVA OLIVEIRA, MARIA ROCINEIDE FERREIRA DA SILVA

Última alteração: 2021-12-19

Resumo


O presente trabalho emergiu da dissertação de mestrado da autora como uma categoria explicitada na fala dos sujeitos da pesquisa.

O objetivo deste recorte de estudo foi, de modo geral, compreender os fatores que potencializam e dificultam o trabalho das equipes de APS na promoção da assistência integral à saúde do hipertenso em uma unidade de saúde no município de Fortaleza.

A coleta de informações realizou-se por meio de um roteiro de entrevista semiestruturada com perguntas abertas e fechadas que permitiu aos participantes se expressarem livremente a respeito da temática abordada. Os participantes da pesquisa foram os profissionais de uma unidade de atenção primária à saúde do município de Fortaleza. O estudo obteve certificada aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual do Ceará.

A partir das entrevistas, núcleos de sentido na fala dos sujeitos despontaram para a compreensão desses fatores e foram aglutinados em categorias, como veremos a seguir.

Como aspectos potencializadores da assistência em APS temos: a importância do trabalho em equipe, a vinculação dos profissionais ao seu território e a responsabilização sanitária, bem como a implementação de fluxos de assistência de maneira a otimizar o trabalho da equipe e o acesso a outros níveis da rede de atenção à saúde. Quanto ao acompanhamento de usuários com doenças crônicas, como a hipertensão, o fator vinculação assume uma grande importância para que se tenha sucesso na adesão do indivíduo à terapêutica, o seguimento das orientações dietéticas e o comparecimento dos mesmos às consultas na unidade básica de saúde. A vinculação contribui para a continuidade do cuidado favorece o desenvolvimento de laços de confiança que culmina com bons resultados no acompanhamento desses usuários dos serviços de saúde da ESF e na melhoria da qualidade de vida desses indivíduos. Vislumbramos ainda que, no município de Fortaleza existe a Diretriz Clínica de Hipertensão de 2016, em que estão estabelecidos alguns fluxogramas de acompanhamentos relacionados com essa patologia. Esta diretriz foi elaborada a fim de oferecer informações técnicas confiáveis, baseada em evidências científicas, para colaborar com profissionais e gestores no enfrentamento das doenças crônicas, mas especificamente, da hipertensão. A implementação de fluxos assistenciais aos hipertensos, reformula e reestrutura o campo social da saúde no âmbito municipal e, em menor escala, em cada UAPS, no intuito de otimizar e qualificar a assistência prestada.

Já no sentido contrário, entre os fatores que dificultam o trabalho de assistência à saúde do hipertenso, os atores apontam como motivos principais a alta rotatividade dos profissionais devido a precarização dos vínculos empregatícios, dimensão que reforça a fragilização do trabalho em equipe. Destacam ainda a inversão do modelo assistencial da ESF, neste município, centralizado no atendimento das demandas espontâneas. Com a implantação desse novo modelo, a assistência foi ordenada dividindo-se a demanda pelos serviços de saúde da ESF em demandas programadas, nas quais se incluem o acompanhamento de pessoas com hipertensão, com diabetes, puericultura, assistência pré-natal, consulta de planejamento familiar e de prevenção de câncer ginecológico e em demandas espontâneas, que seriam todos os processos patológicos agudos e agudização das doenças crônicas. Essa nova orientação trouxe uma profunda mudança para as equipes da ESF: ocorreu uma busca exacerbada pelo atendimento médico em detrimento do atendimento de enfermagem. Com a implantação desse novo modelo, houve uma sensível mudança no que se refere ao acompanhamento de pessoas portadoras de doenças crônicas, a exemplo dos hipertensos. Analisando o contexto atual no que tange o acompanhamento de usuários hipertensos, pode-se entender que o acesso rotineiro à demanda espontânea traz prejuízos à integralidade e continuidade da assistência a essa clientela específica, por se tratar de portadores de uma doença crônica e que necessitam de garantia de continuidade do tratamento. No entanto, estes usuários recorrem corriqueiramente ao serviço de atendimento à demanda espontânea, fato que compromete a formação de vínculo entre membros da equipe e usuários e a efetivação de ações de promoção à saúde, visto que, esse serviço só deveria ser utilizado em situações de agudização de doenças crônicas, como é o caso da hipertensão. A prática da medicalização, reafirmação da medicina curativista, vem contribuindo para a substituição das práticas de prevenção e promoção da saúde, tão incorporadas ao discurso da ESF do município de Fortaleza. Situação recorrente nas falas dos trabalhadores entrevistados. Outro fator que é mencionado como um problema importante desse novo modelo assistencial são as agendas com vagas insuficientes dos profissionais que apresentam dificuldade para atender as necessidades da população adscrita, pode-se atribuir esse fato ao quadro insuficiente de profissionais na ESF, particularmente do profissional médico, além de uma elevada população adscrita por equipes na cidade de Fortaleza, devido a cobertura ainda insuficiente da população por equipes da ESF. Essa insuficiência na quantidade de vagas nas agendas dos profissionais leva os usuários a terem dificuldades de acesso ao agendamento de consultas, fato que contribui para o aumento da busca por atendimento por parte dos hipertensos no acolhimento, em detrimento do acompanhamento contínuo, programado, como é o preconizado na ESF. Esta circunstância reforça a persistência do atendimento centrado no profissional médico e a medicalização. Essa descontinuidade da assistência ao hipertenso tem produzido ainda o distanciamento do cuidado, as combinações tecnológicas que se apropriam e negam a condição de sujeito com individualidades e inserido num coletivo. A aposta em práticas individualizantes restritora da oportunidade de encontros e ação em grupo é visualizada e materializada na ênfase ao modelo curativista, medicalocêntrico.

Verificamos, portanto, que este estudo evidenciou os principais fatores que colaboram e dificultam o processo de trabalho na ESF para prestar assistência ao hipertenso, no cotidiano desta unidade de saúde. Percebemos que a vinculação dos pacientes às suas equipes no seu território, assim como a implementação de fluxos de assistência em diretrizes clínicas ao hipertenso otimizaram o trabalho na ESF, pelo ponto de vista dos atores entrevistados. Mas, no que tange às dificuldades, as falas retratam a precarização do trabalho como fator preponderante para a baixa vinculação dos profissionais às equipes. Fazem referência ainda a inadequação entre as vagas para prestar uma assistência continuada à população hipertensa e as vagas ao atendimento em demanda espontânea, o que favorece a oferta de atedimento curativista e medicalocêntrico. Foi possível constatar o senso crítico e a atuação dos profissionais, considerando a ética e a autonomia profissional no intuito de garantir continuidade na linha de cuidado do hipertenso.