Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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Visitas do Bem
Otavio Porto Valente, Maria Luiza Paiva da Silva, Marilya Oliveira Ellery, Anair Holanda Cavalcante, Morgana Pordeus do Nascimento Forte

Última alteração: 2021-12-20

Resumo


Apresentação

Este trabalho é um relato de experiência de visitas domiciliares realizadas nos territórios da Unidade Básica de Saúde (UBS) no segundo semestre do curso de Medicina da Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Dentre tantas famílias, destacamos a de H.N., afetada pelo acometimento de uma grave condição de saúde de sua mãe, que mobiliza e impacta a todos. Durante a primeira visita, foram observados escritos cronológicos nos diversos espaços das paredes e desenhos contendo frases religiosas, datas, agradecimentos e informações pessoais. Assim, ao longo das visitas, é percebido que H.N. expressa e comunica o difícil lugar do exercício de cuidadora através da sua arte. Por fim, define-se como objetivo  descrever a realidade de H.N. quanto às suas funções de cuidadora familiar, com enfoque na relevância das narrativas nas paredes no processo de enfrentamento dessa condição, e, a partir das análises obtidas,  propor intervenções para a melhora de sua qualidade de vida.


Desenvolvimento do trabalho

No primeiro contato dos alunos com a família, conheceu-se H.I., uma mulher de 81 anos, a qual está acamada após o acometimento de um AVC seis anos atrás. H.I. mora com sua filha, H.N., e sua neta, L.A. No início da visita, H.N. já se mostrava bastante ocupada e introspectiva, mas forneceu informações gerais sobre o cotidiano, alimentação, família e lazer. Entretanto, na despedida, evidenciou-se uma instabilidade emocional em H.N., pois ela começou a apresentar choro e dificuldade para formular frases. Após esse episódio, percebeu-se que o foco da visita deveria ser a H.N. em seu papel de cuidadora em tempo integral e os desdobramentos dessa função no seu bem-estar e na sua saúde mental. A partir da identificação, da leitura e da observação nas paredes e da escuta de significado e sentido sobre as narrativas expostas em lápis grafite, foi possível analisar que a H.N. abandonou seu trabalho e se restringiu de qualquer lazer para se dedicar integralmente à mãe acamada, identificando-se vulnerabilidade, fragilidade e dor na paciente.

Na segunda visita, nota-se maior relação de confiança de H.N., o que favoreceu o relato de histórias da sua vida, a observação da dinâmica familiar e de seu cotidiano limitado a cuidar de sua mãe o dia inteiro, revelando a sua resiliência através da religião em sua vida. É possível ver repetidas vezes nas paredes da casa a frase: “obrigada por tudo, Deus”. Devido ao cenário atual, H.N. estava impossibilitada de realizar visitas ao médico, mesmo que possuísse um tumor no seio e estivesse com a visão dificultada. Demonstra, também, através de suas falas, a insatisfação em abdicar das idas à igreja e da participação no grupo de socialização. Além disso, queixa-se da dependência financeira em relação à mãe, já que a função de cuidadora em tempo integral a impossibilita de obter qualquer fonte de renda. Nos últimos instantes da entrevista, H.N. relata entristecida a solidão que sente, principalmente pela repetição da frase “aqui é só eu e Deus”.


Resultados

A partir das escutas e observações realizadas nas paredes, foi possível compreender melhor os impactos que a função de cuidadora familiar  exerce na vida de H.N., como a falta de  tempo para momentos de lazer e autocuidado. Dessa forma, sua saúde mental é bastante afetada, o que é observado com as crises de choro espontâneas nas primeiras aproximações. A partir da ausência de tempo, H.N. compromete sua condição socioeconômica e afetiva de vínculos. Também, prejudica sua condição física ao postergar as consultas necessárias com o médico. Em algumas escritas em ordem cronológica, são relatados diversos sofrimentos e experiências, alguns que ocorreram desde a infância, como “calçar o primeiro sapato doado”. Com o compilado das observações, escutas e leituras, foi realizado o registro das escritas nas paredes e mediado vários encaminhamentos para melhorar a qualidade de vida de H.N.

Foram pesquisados cursos gratuitos de artesanato e culinária nas áreas profissionais que a paciente demonstrou mais interesse, e sugerida sua inscrição em cursos na Escola de Gastronomia Social Ivens Dias Branco e na Iniciação Artística Cultural da Unidade SESC Fortaleza, com objetivo de garantir sua independência financeira e mais momentos de lazer na semana.

Outro ponto relevante é minimizar o cansaço excessivo de H.N. Desse modo, é necessário conversar com a família de modo a estabelecer pelo menos 2 turnos por semana livres para a paciente, de forma que a possibilite resolver suas pendências de saúde, cuidar de si e ir à igreja.

A UBS João Hipólito em Fortaleza, próxima à residência de H.N. está disponível para a realização de consulta médica, de forma que ela obtenha o encaminhamento necessário para ser acompanhada pelos profissionais adequados, entre eles, o mastologista e o oftalmologista. Também, é importante que H.N. seja encaminhada para o CAPS mais próximo, seja avaliada e obtenha um acompanhamento psicológico e direcionamentos para suas questões e demandas.


Considerações finais

Durante o trabalho, foi possível entender sobre as necessidades de um cuidador e os fatores que devem ser considerados para a melhora da sua qualidade de vida, como manter atividades relacionadas ao lazer e à saúde. Também, compreendeu-se que algumas narrativas não são verbais, especialmente no enfrentamento do processo saúde-doença. Por último, foi possível compreender a expressão dos sentimentos de H.N. através de sua arte, e, ao mesmo tempo, obter importante fonte de informação do ponto de vista médico, visto que a paciente utiliza desse recurso para aliviar suas angústias, expor suas vulnerabilidades e expressar sua gratidão e fé, trazendo explicações sobre o processo de viver, adoecer e cuidar.  A frase “visita do bem” de H.N. foi observada como referência às visitas e às experiências de troca entre a mesma e os alunos. Em síntese, no que tange à importância da visita domiciliar para a formação médica, pode-se afirmar que ressaltou nos graduandos a necessidade de um olhar ampliado para além do corpo físico, mas também para o corpo de representações e crenças na ambiência do domicílio.