Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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IMPACTOS DA PANDEMIA DA COVID-19 NA ATUAÇÃO DE PSICÓLOGAS (OS) DA ATENÇÃO BÁSICA JUNTO A MULHERES IDOSAS: UM OLHAR A PARTIR DA DIMENSÃO DE GÊNERO E INTERSECCIONALIDADES
Sadi Borges Lopes de Oliveira, Daniela Maria Barreto Martins

Última alteração: 2022-01-10

Resumo


APRESENTAÇÃO: Apesar de ser uma pauta bastante debatida em diversos setores, como nas mídias sociais, na academia e pelo governo, a violência doméstica contra a mulher ainda é um fenômeno extremamente frequente mundialmente, atravessando diversas culturas e regimes político-sociais. Em tempos de pandemia, como a da COVID-19, os números de ocorrência da violência de gênero tendem a aumentar por conta do isolamento social e do estresse causado pelo mesmo, o que pode gerar mais atritos no ambiente doméstico, fazendo crescer também o risco para as mulheres de se tornarem vítimas de violência doméstica. Diante disso, quando pensamos então na condição da mulher idosa, especialmente de mulheres negras e indígenas, o que podemos constatar é sua múltipla vulnerabilidade: ser mulher, ser alvo de racismo e pertencer a um grupo de risco durante a pandemia. A geração, a etnia e a classe social marcam os lugares sociais em que mulheres devem se posicionar na velhice. Culturalmente, o corpo velho encontra-se em posição de descarte devido a sua não-produtividade. Tratando-se das mulheres idosas, enxerga-se esses corpos não somente enquanto improdutivos, mas também não-reprodutivos, alocando essas mulheres em um não-lugar. Dessa forma, percebe-se que o olhar para o fenômeno supracitado a partir do viés de gênero e interseccionalidade é importante para compreender melhor processos de tamanha complexidade. Compreende-se, então, que a atuação dos profissionais da psicologia na atenção básica possui papel fundamental no auxílio ao controle do fenômeno que se mostra tão alarmante. Através das estratégias de cuidado e suporte, as (os) psicólogas (os) que trabalham na atenção primária buscam promover saúde, localizando-se enquanto um dispositivo importantíssimo para acessar, quando necessário, os lares dos usuários da atenção primária, tornando-se uma possível rede de apoio às mulheres idosas diante de tantas faces da violência. OBJETIVO: Compreender, a partir das dimensões de gênero e interseccionalidades, como as (os) psicólogas (os) estão lidando com as dificuldades e o cuidado às mulheres idosas, vitimas de violência doméstica, considerando o agravamento no contexto pandêmico da COVID-19.

DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO: O presente estudo surge de um projeto maior do Grupo de Estudos Multirreferenciais do Cuidado (GECUID) da Universidade do Estado da Bahia - Campus. Trata-se de uma pesquisa empírica, de caráter exploratório-descritivo de abordagem qualitativa do tipo transversal que se preocupará com a compreensão da abordagem contextual de um grupo social específico. Os procedimentos de coleta de dados tiveram início em junho de 2020, momento em que foi realizado a identificação dos profissionais de psicologia que trabalhavam nas unidades de saúde da atenção básica em Salvador por meio do portal do CNES (Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde) com o objetivo de identificar o número aproximado de psicólogos/as que poderiam se dispor a participar da pesquisa. Levando em conta as medidas de prevenção impostas pelo contexto pandêmico da COVID-19, a coleta de dados ocorreu de forma online e dividiu-se em duas etapas. Na primeira etapa a coleta de dados foi realizada através de formulário eletrônico, do Google Forms, no qual constava o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), onde enviou-se um link para os(as) profissionais por meio de e-mail. O questionário foi composto por perguntas relacionadas aos aspectos sociodemográficos dos(as) participantes, qual era o vínculo com a instituição em que trabalham e público com que realizam seu trabalho. Além disso, foram feitas perguntas sobre suas formações profissionais e sobre como funciona o trabalho de cuidado aos usuários no seu local de atuação. Já na segunda etapa de coleta de dados, foram realizadas entrevistas semi-estruturadas através da plataforma Microsoft Teams, sendo realizadas perguntas específicas sobre a atuação dessas psicólogas nas Unidades Básicas de Saúde em que trabalham e no atendimento a mulheres idosas vítimas de violência doméstica. Os dados foram coletados no período entre março e junho de 2021. As entrevistas foram transcritas na íntegra, organizadas e tratadas no Microsoft Excel para a subsequente análise.

RESULTADOS: Considera-se, através do relato das profissionais, que o perfil do público idoso atendido na atenção básica é o de mulheres negras e pobres. As psicólogas apontam que a causa desse quadro parece ser a maior preocupação das mulheres em se cuidar, fato observado culturalmente devido às nossas raízes patriarcais que exigem das mulheres o cuidado e não as permite o envelhecimento natural. Diante desse perfil, identificam-se características das queixas dessas mulheres e de como elas se apresentam. De acordo com as entrevistadas, muitas mulheres chegam às unidades buscando ajuda sobre doenças físicas, como hipertensão e diabetes e, aponta-seque essas enfermidades têm origem psicossomática, fruto da realidade repleta de violências que essas mulheres sofrem, como o racismo estrutural e misoginia, que as atravessa interseccionalmente. Durante a pandemia,  há indicativos que esse contato com as mulheres reduziu e o cuidado tornou-se ainda mais difícil. Já quanto à violência doméstica, destacou-se que poucas mulheres idosas chegam com essa demanda e que os casos existem, mas que normalmente descobre-se através da equipe multidisciplinar e não do relato das vítimas, revelando a importância da equipe multiprofissional. Aponta-se também a pandemia como um causador de agravamento do número de casos, porém, de diminuição do contato dos(as) profissionais com as vítimas. Uma das profissionais relatou um caso extremamente importante e significativo de uma idosa vítima de violência doméstica há mais de 60 anos, que convive ainda com seu violentador e marido, demonstrando um quadro de baixa autoestima e sofrimento psíquico grave, evidenciando a gravidade e nível de sofrimento de mulheres que vivem nessas circunstâncias, especialmente idosas. O perfil sociodemográfico aponta para uma possível explicação do silenciamento dessas mulheres: a maioria delas é pobre, tem baixa escolaridade e se sentem impotentes após tantos anos de sofrimento. Diante dos casos, as profissionais descrevem os procedimentos que são realizados: escuta e acolhimento dessas mulheres seguida da educação sobre o processo de denúncia e cuidados à vítima, para que elas fiquem cientes dos seus direitos e possam contar com a equipe como uma rede de apoio.

CONSIDERAÇÕES FINAIS: A violência doméstica contra a mulher apresenta-se como uma situação grave a nível global e que atravessa diversas culturas. Portanto, no Brasil não seria diferente. Em situações como a de uma pandemia, a vulnerabilidade das mulheres torna-se ainda mais intensa e as violências sofridas agravam-se. O isolamento social e a recomendação do mesmo para as pessoas idosas, tornou a situação de mulheres idosas ainda mais delicadas, especialmente das atravessadas pelas violências de raça e classe. Portanto, o relato das profissionais de psicologia que atuam na atenção básica corroboram com esses fatos e demonstram a importância da psicologia no SUS, especialmente na atenção básica, porta de entrada estratégica que conta com equipe de multiprofissionais, tornando ainda mais possível o rastreamento desses casos e o encaminhamento para os cuidados devidos e dignos à essas vítimas.

Palavras-chave: Psicologia. Gênero. Idosos. SUS. Coronavírus