Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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BURNOUT MATERNO NO CONTEXTO PANDÊMICO: A PERCEPÇÃO DE PROFISSIONAIS DE PSICOLOGIA NA ATENÇÃO BÁSICA SOB O VIÉS DE GÊNERO E INTERSECCIONALIDADES
Janaína Veiga Araújo, Daniela Maria Barreto Martins

Última alteração: 2021-12-20

Resumo


APRESENTAÇÃO: A crise sanitária causada pelo novo Coronavírus trouxe consigo diversas mudanças na vida domiciliar das famílias brasileiras. A divisão de trabalho doméstico e do cuidado de filhos, que já era desigual no mundo pré-covid 19, passou a contribuir ainda mais para o adoecimento psíquico de mães no contexto pandêmico e de isolamento social. Foi percebido que ser mulher é fator de risco para o desenvolvimento do Burnout parental, além de baixa renda mensal, condição de moradia inadequada e maternidade solo. Dessa forma, a dimensão de gênero se tornou o norteador do trabalho. Além disso, o marcador raça ainda se apresenta como agravante dos níveis de esgotamento, pensando numa realidade brasileira e baiana. Isso porque a população negra é historicamente a mais vulnerável em questões financeiras e também a maior vítima da violência urbana. No contexto pandêmico, o caso se agrava ainda mais, trazendo à luz e intensificando as desigualdades de gênero, classe e raça. Com o fechamento de creches e escolas, associados ao isolamento social, essas mulheres perderam parte significativa de sua pequena rede de apoio e passou a ficar ainda mais sobrecarregada dentro de seu lar. O desemprego também foi mais cruel com as mulheres na pandemia. Dessa forma, ao entender como o Burnout materno é uma síndrome contextualizada, a ação dos profissionais da psicologia na atenção básica se mostra essencial. Isso porque nesse nível de atenção que se configura uma área de prática e a confecção de novas maneiras de cuidado em saúde mental. A proposta então de atuação para esses(as) psicólogos(as) é configurar um cuidado integral, interdisciplinar, pensando em estratégias de suporte que protejam essas mulheres do Burnout materno.

 

OBJETIVOS: O presente estudo tem como objetivo compreender, a partir das dimensões de gênero e interseccionalidades, de que maneira as (os) psicólogas (os) da Atenção Básica têm percebido e prestado assistência às mães que, em função dos impactos da Pandemia da COVID-19, se encontram em condição de esgotamento;

 

DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO: A pesquisa em questão está integrada ao projeto guarda-chuva do Grupo de Estudos Multirreferenciais do Cuidado (GECUID) da Universidade do Estado da Bahia. Trata-se de uma pesquisa empírica, com caráter exploratório-descritivo que adota uma abordagem interpretativo-compreensiva, tendo em vista que o foco dessa abordagem é conhecer as experiências e os significados atribuídos pelos participantes acerca do fenômeno estudado, através da escuta dos mesmos. A coleta de dados iniciou-se no início de junho de 2020, com o processo de identificação dos profissionais de psicologia que atuam nas Unidades Básicas de Saúde (UBS) da cidade de Salvador através do portal do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde, o CNES.

Em função das restrições impostas por conta da pandemia do Coronavírus, como o isolamento social, o processo da coleta de dados se deu de maneira remota e online. Primeiramente foi enviado para as(os) profissionais um formulário feito pela plataforma Google Forms. No formulário se encontrava o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).  Após a leitura e concordância em relação ao TCLE, foi enviado por e-mail um questionário para as(os) participantes.

O questionário foi formulado com perguntas que tratavam sobre os aspectos sociodemográficos das(os) profissionais, formações profissionais, público geral que encontravam em seu posto de trabalho, o vínculo com essa instituição e funcionamento do cuidado prestado ao público vigente.

Após essa etapa, com o uso da plataforma Microsoft Teams, foram realizadas entrevistas com esses participantes. As entrevistas tinham caráter semiestruturado, com questionamentos mais específicos sobre a atuação das profissionais nas Unidades Básicas de Saúde (UBS) que atuavam e sobre maternidade e estratégias de cuidado. As entrevistas foram realizadas entre março e junho de 2021 e foram transcritas, reunidas e ajustadas no Microsoft Excel para a análise.

RESULTADOS: Com base nas entrevistas realizadas com as psicólogas, foi observado que a maior parte das mulheres-mães que vão às UBS são negras e que elas refletem a maioria negra de suas comunidades. Ainda é apontado que a frequência de mães em seus postos de trabalho é muito superior aos pais, fato que vem desde a gravidez, quando a maior parte das mulheres vão fazer seus pré-natais desacompanhadas. A causa disso, de acordo com as profissionais, é que as mulheres, histórica e ancestralmente, têm a função de cuidadoras principais de suas famílias e da comunidade como um todo. Ainda foi apontado que, na visão dessas psicólogas, a grande maioria das mães que são atendidas vivem a maternidade solo, inclusive as que moram com seus parceiros, visto que elas experienciam maior sobrecarga com as demandas da parentalidade.

Além disso, foi apontado pelas psicólogas que a instabilidade financeira e maternidade solo são grandes causas de exaustão materna e muitas vezes elas são as cuidadoras de outras pessoas da família, como seus pais ou pessoas com doenças. Em todos os contextos apresentados, porém, a raça se mostra como elemento agravante para esses fatores de risco. No caso da maternidade solo, por exemplo, as psicólogas apontam que a ausência masculina, principalmente na vida de mulheres mais novas, se dá em parte por conta da violência, seja por morte ou prisão. Algumas trazem inclusive o impacto da brutalidade policial em relação aos homens negros das comunidades.

Em relação às ações feitas para essas mães esgotadas, as profissionais trazem que não existem ações específicas para esse grupo, e que a saúde da mulher é focada muito mais no caráter gestacional dessa mulher.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS: O Burnout materno é um fenômeno presente em qualquer país que tenha em vigência uma cultura patriarcal e o Brasil faz parte desses países. Com a pandemia do COVID-19, pelo menos a esfera do Burnout materno que diz respeito à exaustão se intensificou de acordo com as profissionais entrevistadas. O isolamento social, a maternidade solo, insegurança financeira e violência de raça e classe foram os principais fatores para essa intensificação. Os panoramas trazidos pelas psicólogas ainda trazem à tona a importância de políticas públicas voltadas para a mulher-mãe que vão além de sua gestação e puerpério. Além disso, é importante que os profissionais tenham em mente as questões de gênero, raça e classe no cuidado dessas mães, visto que essas são questões que atravessam o seu cotidiano e suas vivências, trazendo em si questões específicas que geram sofrimento para essas mulheres-mães.

Palavras-chave: Psicologia; Burnout materno; Maternidade; Atenção Básica; COVID-19.