Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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Garantia ao direito à saúde e proteção social para a população em situação de rua durante a pandemia da COVID-19: análise documental para uma cartografia das redes de cuidado em Belo Horizonte
Andreza Fernanda De Oliveira, Luísa da Matta Machado Fernandes, Ana Luisa Jorge Martins, Paulo Vitor Rodrigues da Silva, Lavínia Bárbara do Couto Pereira, Ana Maria Caldeira Oliveira, Helvécio Miranda Magalhães Júnior

Última alteração: 2021-12-20

Resumo


INTRODUÇÃO

O presente estudo é parte da pesquisa intitulada como “Alcance das políticas de proteção social e de saúde do município de Belo Horizonte para a população em situação de rua frente à pandemia da COVID-19”, coordenada pelo Grupo de Pesquisa em Políticas de Saúde e Proteção Social do Instituto René Rachou Fiocruz – Minas, financiado pelo edital INOVA: territórios saudáveis e sustentáveis. A pesquisa busca avaliar a efetividade das políticas de saúde e de proteção social para cuidado da população em situação de rua (PSR) no enfrentamento à pandemia. Tal avaliação perpassa pela necessidade de entender as redes de cuidado na saúde e proteção social e como as pessoas em situação de rua navegam por essas redes, seja pelos caminhos formais, seja por aqueles que desenvolvem. As redes de atenção à saúde (RAS) são constituídas por arranjos organizativos de ações e serviços de saúde que buscam garantir a integralidade do cuidado,  com o intuito de amplificar a produção de saúde a PSR, e são integradas às políticas de Assistência Social empregadas a fim de assegurar os direitos relacionados à saúde, à previdência e à assistência social.


Compreender a construção das redes de cuidado no território perpassa pela discussão do direito à saúde, ultrapassando a ausência de doença ou cuidado e considerando um conjunto de ações coletivas e de políticas sociais para a efetivação dos direitos fundamentais para garantia de formas dignas de sobrevivência sustentadas na realidade dos sujeitos em questão. O desenho de uma rede inclui compreender o  acesso da PSR às ações e serviços de saúde e proteção social durante a pandemia de COVID-19, atentando para as mudanças de fluxos e formas de atendimento realizados no município de Belo Horizonte (BH).



OBJETIVO

Este trabalho apresenta resultados da primeira fase da cartografia das redes de cuidado à PSR  no município de BH, no período da  pandemia da COVID-19


METODOLOGIA

A cartografia é utilizada para compor um desenho das redes de cuidado com o intuito de refletir as suas constantes modulações e transformações frente às necessidade do sujeito e a sua recriação a partir da necessidade concreta apresentada. Isto é, um processo clínico-político que vai além do descrito em leis, políticas e normas, mas se molda a partir da intervenção dos sujeitos (trabalhadores, gestores e usuários) que a constrói. Nesse estudo a cartografia conta com uma diversidade de fontes para compor esse cenário de transformação da rede durante a pandemia da COVID-19: entrevistas com gestores, trabalhadores e a PSR; grupos focais com a PSR; visitas aos equipamentos da saúde e assistência social; registro das reuniões do comitê de acompanhamento da pesquisa; bem como documentos oficiais e/ou notas técnicas publicadas pelas secretarias de saúde e assistência social no período da pandemia. Este trabalho apresenta o resultado da análise documental realizada. As notas técnicas foram organizadas de acordo com a sua origem, publico alvo e objetivo, e categorizadas quanto ao seu conteúdo, destacando-se se houve ou não redução de acesso e/ou mudança nos fluxos assistenciais dos serviços.  Os documentos selecionados para análise estão disponíveis no site da Prefeitura de BH e foram selecionados por abordarem o atendimento direto ou indireto à PSR.


RESULTADOS

Dos 30 documentos selecionados, 21 são orientações técnicas para os serviços assistenciais, sendo que, apenas 5 são focados no cuidado à PSR enquanto 16 são referentes às mudanças dos serviços e fluxos de atendimento à população vulnerável em geral.  Em sua maioria restringem os acessos aos serviços de proteção social, com horário de atendimento reduzido, acesso a serviços apenas por fichas, equipes deslocadas da abordagem nas ruas e parte dos serviços ofertados exclusivamente online. Dos documentos referentes aos serviços de saúde, foram identificadas 9 notas e suas respectivas atualizações que foram publicadas de acordo com as ondas da pandemia no município. Desses documentos, apenas um é focado no cuidado a PSR, o qual faz recomendações para adequação das atividades desenvolvidas pelas equipes volantes dos serviços BH de Mãos Dadas contra a AIDS e Consultório de Rua. Nenhum dos documentos da saúde faz referência direta a restrição de acesso dos usuários, no entanto todos orientam mudanças no fluxo assistencial que foram constantes ao longo do período de quase 2 anos. Tais mudanças podem acabar por ocasionar barreiras de acesso, como no caso das unidades básicas de saúde (UBS) que tornaram-se unidades emergenciais temporariamente de backup regional para as Unidades de Pronto Atendimento, redirecionando o cuidado de seus pacientes para outras UBS. As recomendações de restrição de pessoas por espaço acabaram também levando a uma diminuição de equipes em campo ou redução do fluxo de atendimento diário das PSR.

Por fim, também foram identificados documentos de adequação para serviços de acolhimento provisório e emergencial, com oferta para a PSR ou pessoas em situação de vulnerabilidade e risco social com sintomas respiratórios leves e que necessitem de isolamento social, e  de orientações técnicas às equipes de referência sobre o Programa de Assistência Alimentar e Nutricional Emergencial, que adota como estratégia de enfrentamento à insegurança alimentar a distribuição de cestas básicas às famílias inscritas no CadÚnico. Não foi identificada nenhuma nota técnica referente à vacinação da PSR.


CONCLUSÃO

A análise documental indica que a rede de cuidados à PSR em BH sofreu durante a pandemia, em especial na construção do seu aspecto intersetorial, uma vez que, os serviços de proteção social foram orientados a restringir ou suspender as ações de cuidado. Por outro lado, a rede de cuidados da saúde, apesar de ter sofrido restrições com a necessidade de proteção contra o vírus e demanda de atendimento crescente dos sintomáticos respiratórios, manteve o atendimento com foco nos grupos vulneráveis, incluindo a PSR, mantendo a longitudinalidade e continuidade do cuidado.

Devido às circunstâncias complexas da pandemia para os serviços, e constantes mudanças nas orientações técnicas e fluxos de cuidado, foi observado um grande volume de normas e orientações técnicas em curto espaço de tempo, que geraram inconstâncias nos funcionamentos dos serviços e fluxos de atendimento. Isto gera uma indagação sobre quais seriam as consequências práticas de tais flutuações para o atendimento da PSR. As próximas fases da cartografia que incluem a análise das entrevistas e grupos focais pretende auxiliar nessa compreensão das dinâmicas do território durante a pandemia. Observa-se, portanto, a existência de barreiras para a efetivação do direito à saúde que se concentram principalmente nas alterações de fluxos dos serviços assistenciais, considerando a saúde em uma perspectiva mais ampla, tendo em vista que não se trata apenas sobre ausência de doença, mas principalmente sobre garantia de condições dignas de sobrevivência, assegurando em seu aspecto biopsicossocial.



Palavras chaves: Intersetorialidade, Cartografia, Saúde, População em Situação de Rua, pandemia (ou COVID-19), vulnerabilidade, proteção social