Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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Os Desafios das Mulheres em Situação de Rua no Acesso à Saúde - Experiência no Setor Comercial Sul (Distrito Federal)
ANDREIA LOHANE RESENDE SIMPLICIO, LORRANA DA COSTA REZENDE, FRANCIANE MENDES COSTA

Última alteração: 2021-12-20

Resumo


O artigo tem como tema central o debate sobre os desafios das mulheres em situação de rua no acesso à saúde. Quando se fala sobre população em situação de rua, sabe-se que trata-se de uma população desassistida, que vive com direitos básicos como alimentação, saúde, educação e moradia violados. Sabe-se que existem estigmas sociais baseados na inferiorizarão e discriminação da população em situação de rua, até mesmo pelo desconhecimento das especificidades da mesma. A pesquisa foi realizada a partir de atuações em campo, por parte da assistente social e das 2 estudantes de Serviço Social que fazem parte da Secretaria de Estado da Mulher do Distrito Federal. Dessa maneira, focou-se nas mulheres do Setor Comercial Sul (Brasília-DF), onde se concentra um grupo expressivo de pessoas em situação de rua, além de um local estigmatizado e conflituoso entre os comerciantes e as pessoas em situação de rua.

. A articulação com a Tulipas, que é um coletivo de trabalhadoras do sexo e população em situação de rua e o No Setor, que é uma organização da sociedade civil e coletivo cultural, foi essencial para a atuação pois promoveu um ambiente de confiança e ampliou a capacidade de observação e vinculação com a população e rede de atenção local, como o CAPS Álcool e Drogas III.

A pesquisa buscou levar em consideração que a população observada se caracteriza  por serem grupos heterogêneos, embora em sua maioria se possua gênero, raça e orientação sexual definidos. Também buscou respeitar as interseccionalidades, a fim de compreender como se dá a relação entre essa comunidade. Para isso houve um estudo teórico prévio sobre a população em situação de rua, uma formação com assistente social atuante na área e reflexões sobre como se constituem as relações sociais neste espaço.

Para o desenvolvimento da pesquisa foi utilizado o método do arco de Maguerez, no qual é dividido em 5 etapas, que foram aplicadas da seguinte forma: a primeira etapa consiste na observação da realidade, na qual foi feita a partir da aproximação com uma assistente social que trabalha com pessoas em situação de rua, juntamente com nossa percepção e leitura de dados sobre a temática da população de rua, dessa maneira fomos guiados a fazer um questionário.

A realização do questionário foi possível a partir da segunda etapa do arco, que é a etapa de pontos chaves, onde se classifica os pontos centrais da problemática e assim, elegeram-se os temas mais importantes para constar no questionário, sob o método qualitativo. Foram entrevistadas cerca de 5 mulheres, as quais estavam presentes na tenda das Tulipas do Cerrado e no Setor.

A terceira etapa é a teorização, na qual consiste um estudo aprofundado do assunto e a análise de dados. O formulário foi sistematizado no excell, e a partir da análise e observação  destes dados foi possível estabelecer a relação da teoria com a prática no campo. Os dados possibilitaram observar as demandas das mulheres, além dos relatos que foram apresentados pela comunidade do Setor Comercial Sul e pela equipe do CAPS AD III.

Essa é a penúltima etapa, na qual a hipótese de solução deve buscar estratégias para os problemas apresentados. A última etapa seria composta pela aplicação da realidade, na qual será apresentado uma análise crítica da implementação das Políticas e ações voltadas às mulheres em situação de rua.

No levantamento de dados realizado com as cinco mulheres, foram abordados os seguintes questionamentos: autodeclaração de cor, orientação  sexual, escolaridade, e  dados  relacionados ao trabalho.

Na autodeclaração de cor, das 5 mulheres, 3 delas se autodeclaram pardas, uma preta e uma branca. A Política Nacional Para Inclusão da População em Situação de Rua de 2008, traz alerta sobre a falta do quesito raça/cor na aplicação de questionários para a população em situação de rua, mostrando a subnotificação do perfil das pessoas que se encontram nessa situação. Estes são fatores de discriminação racial, que fazem com que essa população não tenha acesso pleno a seus direitos sociais, dessa forma ocupem os espaços mais precarizados da sociedade,  essa lógica de subalternidade é vista com naturalidade no imaginário social brasileiro.

Outra pergunta abordada foi sobre a orientação Sexual das mulheres, 3das entrevistadas se consideraram heterossexual, 1 bissexual e 1não assinalou nenhuma das alternativas, no entanto todas se consideram mulheres cis. De acordo com pesquisas pode-se considerar que a discriminação por orientação sexual e identidade de gênero, interfere na determinação social da saúde, em seu processo de adoecimento e do estigma social reservado às populações de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais.

Sobre a escolaridade observou-se  que três delas possuem o Ensino Fundamental incompleto e 2 possuem o Ensino Médio completo. Analisando os dados podemos observar que uma pequena porcentagem possui alta escolaridade, reduzindo assim as possibilidades de inserção no mercado formal e no acesso a empregos que valorizem a lógica do trabalho.

Em relação ao trabalho, 3 delas trabalham com venda de cigarros, bebidas ou separação de lixo e as outras duas não possuem trabalho. Historicamente a população em situação de rua tem um marco de negligências relacionadas à inserção no mercado de trabalho. As barreiras sociais e a exclusão dessa população são fatores determinantes nos processos de saúde mental e física.

De acordo com o levantamento de demandas relacionadas à saúde dessas mulheres, observa-se que todas elas alegam algum problema de saúde. O atendimento odontológico é unânime pois segundo elas devido ao excesso na utilização de  drogas se encontram com os dentes amarelados e necessitando de cuidados. A segunda especialidade mais solicitada foi ginecologista (4 mulheres), seguida de oftalmologista (2), clínico geral (1), dermatologista (1), ortopedista (1) e psicólogo (1). As entrevistadas relataram também que precisam de um posto de saúde na região.

Além da dificuldade do conhecimento a respeito dos direitos em saúde, existem as barreiras institucionais que são desafios para o acesso e qualidade de atenção à saúde. A população em questão tende a sofrer discriminação devido a sua condição social, o que resulta na não vinculação aos serviços de proteção e promoção dos direitos.

A população em situação de rua apresenta-se como um fenômeno multifacetado que em relação à expressão das violências sociais afligem diferentes grupos de pessoas, apesar das interseccionalidades e as escalas de violências. Nas análises das entrevistas realizadas fica demarcada a violação dos direitos vivenciada por cada uma dessas mulheres, além dos desafios violentos enfrentados por elas no ambiente da rua devido a aglutinação da violência de gênero, raça e/ou orientação sexual. A Política Nacional para Inclusão Social da População em situação de rua de 2008 é resultado de uma interdisciplinaridade de grupos de trabalho interministerial, respaldada pelo Decreto s/n, de 25 de outubro de 2008 e trata de  estabelecer diretrizes e rumos que possibilitem a (re)integração destas pessoas ao acesso pleno dos direitos, o acesso às oportunidades de desenvolvimento social, assegurando a equidade e o acesso universal no âmbito do Sistema Único de Saúde.

A pandemia amplia as fragilidades no acesso e qualidade do SUS. ao se deparar com esta situação percebe-se que as políticas implementadas durante este período, ora perpassam pela ausência e fragilidade de proteção social, ora através de práticas higienistas e inadequadas para a atenção e promoção da saúde desta população.