Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
Tamanho da fonte: 
Sífilis congênita no Brasil: por que ainda não erradicamos esse problema?
Michael Ferreira Machado, Bruno Quintela Souza de Moraes, Isa Carolina Gomes Félix, Matheus Santos Duarte

Última alteração: 2021-12-20

Resumo


APRESENTAÇÃO: A sífilis congênita (SC) é causada pela transmissão vertical da bactéria Treponema pallidum, da gestante não tratada ou tratada inadequadamente, para o feto. A triagem materna para sífilis no início da gestação é de grande importância na prevenção da sífilis congênita. O diagnóstico pode ser realizado através de testes treponêmicos (testes rápidos) disponíveis nas unidades básicas de saúde e testes não treponêmicos (laboratoriais). O tratamento da gestante, no Brasil, é considerado adequado quando é realizado com penicilina benzatina, iniciado 30 dias antes do parto, seguido o esquema terapêutico de acordo com o estágio clínico da sífilis, respeitado o intervalo recomendado de doses, tendo queda de titulação do teste não treponêmico em pelo menos duas diluições em três meses ou quatro diluições em seis meses após a conclusão do tratamento. Contudo, apesar das recomendações dos órgãos de saúde, no que tange a prevenção, diagnóstico e tratamento, a sífilis congênita possui um número de casos expressivo no Brasil, sendo considerada um importante problema de saúde pública no país. Nesse sentido, o trabalho objetivou analisar os aspectos clínicos da sífilis congênita no Brasil, entre os anos de 2009 e 2018.

DESENVOLVIMENTO: Trata-se de um estudo descritivo, transversal e retrospectivo, cujos dados foram obtidos do Sistema de Informação de Agravos de Notificação, do Ministério da Saúde. Foram analisadas variáveis clínicas da sífilis congênita, utilizando o programa de regressão linear segmentada Joinpoint Regression. O Joinpoint Regression realiza a análise de tendência, estimando a variação percentual anual (Annual Percent Change - APC) de uma regressão linear segmentada e a variação percentual anual média (Average Annual Percent Change – AAPC) do período completo. Durante a análise podem ser reconhecidos pontos de inflexão (joinpoints) que nos mostram alterações da tendência – sendo ela estacionária, crescente ou decrescente. O intervalo de confiança (95%) foi calculado para cada tendência e o nível de significância (P-Valor) de 0,05 ou 5%, sendo valores de menores que 0,05 considerados estatisticamente significantes. A linha de análise foi estruturada através de variáveis de aspectos clínicos relacionados à sífilis congênita, sendo a variável independente o ano e as dependentes: momento do diagnóstico materno, esquema de tratamento materno, tratamento do parceiro, realização de pré-natal, idade da criança no momento do diagnóstico e diagnóstico final.

RESULTADOS: No período estudado foram notificados 156.969 casos de sífilis congênita 1.642 óbitos no Brasil. Primeiramente, ao caracterizar os aspectos clínicos da sífilis congênita, percebe-se que grande parte das mulheres (78,3%) que tiveram os filhos acometidos pela doença fizeram o pré-natal e que em mais da metade dos casos (51,2%) o diagnóstico da mãe é feito nesse período de assistência. Além disso, o esquema de tratamento materno é considerado adequado em um terço (35,8%) dos casos congênitos e o tratamento das parcerias sexuais da gestante é bastante negligenciado; realizado em apenas 14,9% dos parceiros. O diagnóstico é precoce em 96,3% dos casos – em menos de 7 dias de vida – e o diagnóstico final foi de sífilis congênita recente em 92,6% das crianças no período do estudo. As análises de tendência indicam que a SC e os óbitos por SC no Brasil apresentaram tendências crescentes em todo período estudado. Embora haja diminuição dos casos de SC a partir de 2013, o país não conseguiu atingir a meta de 0,5 casos/mil nascidos vivos estabelecida pela OPAS, além disso ocorreu um crescimento do diagnóstico da sífilis materna durante o pré-natal, tratamento adequado da gestante, realização do pré-natal, tratamento do parceiro da mãe, diagnóstico de sífilis na criança com menos de 7 dias de vida e diagnóstico de sífilis recente. Discorrendo um pouco mais, a análise dos dados nos apresentou as seguintes tendências: o momento do diagnóstico da sífilis materna foi crescente durante o pré-natal (AAPC 5,0; p. 0,0) e decrescente no momento do parto/curetagem e após o parto. Esta última variável apresenta um ponto de inflexão em 2014, acentuando a tendência decrescente. Os segmentos “não realizado” e “ignorado” desse indicador se apresentaram estacionários no período. Tratando-se do esquema de tratamento materno, o tratamento adequado apresentou tendência crescente em todo o período (AAPC: 4,4; p. 0,0), sendo significativa a partir de 2013 (APC: 10,9; p. 0,0), quando houve ponto de inflexão. Contudo, o tratamento inadequado possui também tendência crescente (AAPC: 2,1; p. 0,0). O segmento “não realizado” tem linha decrescente (AAPC: -4,3; p. 0,0). Já o tratamento do parceiro apresentou linha crescente em todo o período (AAPC: 8,7; p. 0,0), que se acentua a partir de 2016 (APC: 20,8; p. 0,0). Ademais, a realização de pré-natal apresentou tendências crescente para “sim” e decrescente para “não” e “ignorado”. Além disso, a idade da criança no momento do diagnóstico exibe linhas crescente para menores de 7 dias de vida e decrescente para idades entre 7 a 27 dias, 28 a 364 dias e 5 a 12 anos. A tendência se mostra estacionária para as faixas de 1 ano a 4 anos completos. Ainda, o diagnóstico final de sífilis congênita recente apresenta tendência levemente crescente, enquanto sífilis congênita tardia e aborto por sífilis têm linhas decrescentes; natimorto por sífilis apresenta um ponto de inflexão a partir de 2013 – tendência estacionária que se torna decrescente (APC: -7,5; p. 0,0). Por fim, tanto a tendência de casos de sífilis congênita quanto a de óbitos causado pela doença apresentaram tendências crescentes durante todo o recorte temporal e que desaceleram a partir de 2013 e 2012, respectivamente.

CONCLUSÕES: Apesar das análises de tendência apresentarem uma relativa melhora do panorama da sífilis congênita no Brasil, a doença ainda está relacionada altos índices de morbimortalidade perinatal evitável. A sífilis congênita é um dos principais indicadores de qualidade da assistência pré-natal e, portanto, a redução de casos é almejada pelas diversas esferas de saúde. Mas, baseando-se nos dados analisados, a ampliação do acesso à atenção básica e à testagem não é suficiente para melhora do panorama no Brasil. Apesar das medidas de intervenção para diagnóstico e tratamento estarem disponíveis em todos os serviços de atenção à saúde da gestante, da puérpera e da criança. A sífilis congênita é um agravo multicausal. O tratamento adequado da mãe e do parceiro, ações de vigilância e de educação em saúde são fundamentais para interromper a cadeia de transmissão – lembrando que a transmissão vertical da sífilis causa sequelas que podem repercutir por toda a vida. E apesar de todos as estratégias e ações traçadas, algumas das tendências não apresentam resultados satisfatórios de melhora, a exemplo do aumento do número de casos óbitos por sífilis congênita. A estruturação da rede de saúde e oferta do pré-natal de qualidade, que garante o diagnóstico precoce e a realização do tratamento adequado para evitar a transmissão da sífilis, está na agenda dos compromissos da atenção básica à saúde, bem como nos demais níveis de atenção, reafirmado a partir dos arranjos organizativos de ações e serviços de saúde à saúde materno-infantil (Rede Cegonha). Assim, uma atenção pré-natal e puerperal de qualidade e humanizada é essencial para o bem-estar materno e neonatal e fundamental para uma possível mudança deste cenário no país. Ressaltando-se que a realização de estudos analíticos em saúde, no contexto da sífilis, visibiliza alguns aspectos da atenção à saúde materno infantil, fomentando a discussão do tema.