Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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A repercussão da Pandemia do Novo Coronavírus na judicialização da saúde no Brasil
Laís Peres Zapata Scalfi, Alan Francisco Fonseca, Alan Francisco Fonseca, Silke Anna Thereza Weber, Silke Anna Thereza Weber, Tereza Raquel Schorr Calixto, Tereza Raquel Schorr Calixto, Luiz Carlos Mateus Scalfi, Luiz Carlos Mateus Scalfi, Juliana Ribeiro da Silva Vernasque, Juliana Ribeiro da Silva Vernasque

Última alteração: 2021-12-20

Resumo


Introdução: A Lei 8.080, editada dois anos após a promulgação da Constituição Federal de 1988, regulamentou o Sistema Único de Saúde (SUS) no Brasil, sendo ele considerado a principal política pública de inclusão social e uma das mais poderosas ferramentas para a redução da desigualdade no país. Desta forma, tem como princípios norteadores a universalidade, a integralidade e a equidade. O princípio da universalidade, todavia, não quer dizer somente a garantia imediata de acesso às ações e aos serviços de saúde. Esse princípio coloca o desafio de oferta desses serviços e ações de saúde a todos que deles necessitem, contudo, dando ênfase as ações preventivas e reduzindo com isso, o tratamento de possível agravamento das doenças. O princípio da integralidade é um desafio permanente para os operantes do sistema, visto que a atenção à saúde deve levar em consideração as necessidades específicas, inclusive no que diz respeito aos níveis de complexidade diferenciados, de pessoas ou grupos de pessoas, ainda que minoritários em relação ao total da população. A fim de trazer um equilíbrio e uma harmonia aos dois princípios acima descritos, surge um dos mais preciosos princípios, a equidade, a fim de reduzir as disparidades sociais e regionais existentes no Brasil. O princípio da equidade exige o reconhecimento das desigualdades existentes entre os indivíduos, para assegurar o tratamento desigual aos desiguais na busca da igualdade. Neste contexto do SUS, observa-se uma crescente judicialização da saúde, isto é, um aumento na procura pelo sistema judiciário como alternativa para aquisição de medicamentos ou tratamentos entre outros. A exacerbada judicialização da saúde brasileira, sempre foi uma dificuldade para os gestores do SUS em todas as suas esferas (Federal, Estadual e Municipal), visto que impacta diretamente na execução de políticas públicas de saúde. No entanto, a pandemia provocada pela COVID-19 agravou os problemas já existentes no Brasil quanto à execução dos princípios norteadores do SUS, visto que o ativismo judicial fere os limites constitucionais do SUS, pois os magistrados não levam em consideração os princípios da universalidade, integralidade e equidade ao proferirem uma decisão, quebrando dessa forma a cadeia de atendimento. Considerando que a judicialização da saúde ocorre, para reivindicar questões de saúde pública, suplementar, mental, doação e transplante de órgãos, tecidos ou partes e genética/células tronco, surge a seguinte questão norteadora desse artigo como problema de pesquisa: a pandemia provocada pelo novo coronavírus repercutiu de alguma forma no já elevado número de judicialização da saúde existente no Brasil? Hipótese: Presume-se que a pandemia provocada pelo Coronavírus tenha aumentado significativamente o número de processos novos pleiteando questões relacionadas ao direito da saúde no ano de 2020. Objetivo: Analisar os impactos gerados pelo aumento significativo no número de novos processos ajuizados durante o ano de 2020. Metodologia: Trata-se de uma pesquisa secundária, qualitativa, de análise documental, retrospectiva, que analisou os dados oriundos do painel “justiça em números” produzido pelo Conselho Nacional de Justiça. A coleta dos dados se deu pela seleção do campo “demandas por classe e assunto”, opção “assunto - novos casos”, com a escolha do ítem “direito da saúde”, após, escolha da opção "listar por assunto”, com a análise e coleta dos gráficos fornecidos, referentes aos anos 2019 e 2020. Resultados: observamos que a judicialização do direito da saúde em 2020 representou um aumento de 559% em relação ao ano de 2019. O número de ações pleiteando saúde pública (que envolve fornecimento de insumos; fornecimento de medicamentos; internação/transferência hospitalar; sistema único de saúde; tratamento médico-hospitalar e vigilância sanitária e epidemiológica) apresentou um aumento de 491%, comparado com os dados do mesmo período de 2019. O fornecimento de medicamentos em geral (englobando todas as subclasses) foi 476% maior em 2020 se comparado a 2019. O fornecimento de medicamentos, quanto a subclasse, "sem registro na ANVISA", teve um aumento de 617% em 2020 em relação a 2019. O Sistema, nestes casos, é obrigado a arcar com um serviço de saúde, mesmo sem ele estar inserido no âmbito das políticas e programas públicos executados pelo SUS, assim como, não estar previsto no orçamento. Em relação a subclasse fornecimento de medicamentos, "registrados na ANVISA, mas não padronizados (também conhecido como off label)”, o aumento foi de 912%, comparando os dados de 2019 e 2020. As ações judiciais pleiteando internação/transferência hospitalar (englobando todas as subclasses) em 2020, representaram um aumento de 615% em relação aos dados de 2019. Quanto as ações judiciais demandando leito de enfermaria/leito oncológico, o aumento foi de 539% em relação aos dados de 2019. Em relação ao número de novas ações buscando unidade de terapia intensiva (UTI)/unidade de cuidados, os dados de 2020 representaram um aumento de 556%, comparado com dos dados de 2019. O número de demandas judiciais pleiteando direito da saúde suplementar (compreendendo todas as subclasses), aumentou 914% em 2020, quando comparado com os dados de 2019. Houve aumento superior a 100% em todas as áreas pleiteadas quanto ao direito da saúde o que inclui a saúde pública, suplementar, mental, doação e transplante de órgãos, tecidos ou partes e genética/células tronco. Considerações finais: Por todo o exposto, é possível concluir que a judicialização, da forma exacerbada como vem ocorrendo, viola os princípios do Sistema Único de Saúde, pois as decisões proferidas pelos magistrados não levam em consideração o impacto coletivo das suas decisões para o sistema de saúde, como um todo. Ao contrário, avaliam apenas a necessidade individual pleiteada nas demandas. Dessa forma, direcionam recursos que, ao invés de beneficiar o conjunto da população, beneficia somente o autor da ação. Cada vez mais o Poder Judiciário vem interferindo na essencial atividade do Executivo e Legislativo de fazer e implementar políticas públicas na área da saúde. Assim, esse ativismo judicial causa um desequilíbrio na distribuição dos recursos quando o atendimento ocorre pela via judicial, ou seja, verifica-se uma seletividade na prestação do serviço. A COVID-19, potencializou ainda mais o número de judicializações que já era alto no Brasil. O SUS mostrou, durante o enfrentamento da COVID-19, a importância da existência de um sistema público, gratuito, universal, integral e equitativo. No entanto, se não houver uma conscientização e compreensão integral da importância e do funcionamento do Sistema por parte do judiciário, podemos estar nos dirigindo, à passos largos, para um grande colapso do SUS, visto que esses índices elevados na judicialização da saúde, provocarão impacto direto e de consequência inexorável, no orçamento e financiamento do Sistema Único de Saúde do Brasil, nos próximos anos.

Palavras chaves: Saúde; Judicializaçãoda Saúde; COVID-19; Sistema Único de Saúde; Política Pública