Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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As residências em saúde no contexto da Covid-19: transformações nas atividades prático-pedagógicas e as contribuições das/os residentes
Ângela Catarina Inácio Costa de Andrade, Kellyane Pereira Santos, Karla Adriana Oliveira da Costa, Dara Andrade Felipe, Giovanna Meinberg Garcia, Paulette Cavalcanti de Albuquerque

Última alteração: 2021-12-27

Resumo


A pandemia de Covid-19 intensificou e deu visibilidade à precariedade das condições de vida, educação e trabalho no Brasil. No que tange o setor saúde, exigiu do Sistema Único de Saúde (SUS) uma rápida e inesperada reorganização da assistência em todos os seus níveis. Em paralelo, evidenciou que o SUS é sustentado pelo conjunto de trabalhadores/as da saúde que, ao formarem a chamada "linha de frente do enfrentamento à pandemia”, foram expostos a condições de trabalho precárias e insalubres. Não obstante, a conjuntura demandou o desenvolvimento de novos conhecimentos e habilidades por parte desses sujeitos.

Nesse sentido, integramos aqui as duas maiores políticas do país: educação e saúde, que também são espaços de disputas e ataques constantes. Dentre os dispositivos de formação na saúde, temos as residências em saúde, que são programas de pós-graduação, voltada às profissões de saúde. A complexidade da conjuntura política, social e sanitária denota a importância de identificar os impactos da pandemia nos processos de trabalho e na organização pedagógica das residências em saúde. Neste sentido, é necessário investigar como e sob quais condições o ensino-aprendizagem tem ocorrido na pandemia. Portanto, o estudo em questão buscou analisar as mudanças nas atividades prático-pedagógicas e as contribuições dos residentes em saúde no contexto da pandemia da Covid-19.

A pesquisa foi desenvolvida pelo Observatório das Residências em Saúde do Instituto de Pesquisa Aggeu Magalhães da Fiocruz-Pernambuco após submissão e aprovação no Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos. O desenho metodológico abarcou a realização de um inquérito, por meio de um formulário online na plataforma google forms. O formulário foi divulgado nacionalmente e a participação das/os residentes foi voluntária. Os dados foram coletados no período de 28 de fevereiro a 30 de abril de 2021

Foram obtidas 791 respostas de residentes em saúde vinculados a programas de residência reconhecidos pelos Ministérios da Educação e da Saúde e que estiveram em atividade no período de março de 2020 a 30 de abril de 2021. Os dados formaram um banco, produzido no programa microsoft excel, que foi tratado e analisado por estatística descritiva através do software Epi info.

Os resultados indicam que participaram da pesquisa profissionais de 16 categorias, das quais o maior número de respondentes foi da enfermagem (23,77%); seguida da psicologia 14,16%. A maior parte das/os participantes foi de mulheres cisgênero (79,27%), seguidas de homens cisgênero (16,06%), outras identidades de gênero (2,28%) e pessoas não binárias (1,14%). No quesito raça/cor, 54,11% se declararam brancas/os, 30,09% pardas/os e 13,27% pretas/os. Quanto à faixa etária, a maior parte tem de 25 a 39 anos (53,61%), seguida da faixa 21-24 anos (26,29%).

Ao analisarmos a participação na pesquisa por modalidade de programa de residência, as/os residentes médicas/os representaram 8,22% das respostas, enquanto 80,91% estavam vinculadas/os aos programas de residência multiprofissional e 10,87% a programas uniprofissionais.

Sobre as mudanças nas atividades práticas e pedagógicas, as/os residentes foram questionados se suas práticas profissionais foram adaptadas ao formato remoto e se houve alteração nas atividades de tutoria. Acerca da primeira questão, 58,15% respondeu que algumas atividades pontuais sofreram alterações no formato, seguidos de 19,60% que responderam que a prática não sofreu nenhuma alteração. Quanto às atividades de tutoria desenvolvidas nos programas, 70,29% confirmou que as atividades foram mantidas, no entanto com as devidas adaptações.

A respeito das contribuições no cenário da pandemia, destaca-se que 83% das/os residentes avaliaram que os programas nos quais estavam inseridas/os contribuíram de alguma forma para os serviços de saúde no enfrentamento da Covid-19. Dentre as contribuições indicadas, destacaram-se as ações de educação em saúde junto à população, a realização de atividades de Educação Permanente em Saúde (EPS), bem como o reforço à força de trabalho mediante inserção das/os residentes.

Nesse aspecto, os profissionais residentes tendem a produzir novas práticas nos serviços, elaborar e desenvolver atividades que poderiam não existir sem suas participações. No cenário da pandemia, residentes desenvolveram práticas diversas e contribuíram para a sustentabilidade e qualificação da assistência em serviços e níveis de atenção diversos, como Atenção primária à Saúde, Rede de Atenção Psicossocial, hospitais, gestão da saúde, vigilância, entre outros..

No que diz respeito a inovações implementadas nos programas, 39,7% das/os residentes indicaram que a principal foi a introdução da tecnologia de maneira geral, com destaque para as aulas online e para as atividades práticas realizadas de maneira remota, por exemplo teleatendimentos e atividades de educação em saúde com os usuários.

De maneira geral, 51,71% alegaram que estavam satisfeitas/os com a sua capacidade de resposta às necessidades de saúde da população enquanto residentes. Dentre essas/es, 32,11% indicaram que poderia melhorar em alguns aspectos, com destaque para: a alta demanda de trabalho; baixo apoio por parte do programa de residência; escassez de direcionamento no que tange a capacitação e esclarecimentos quanto a teoria e a prática; pouca organização dos serviços quanto ao processo de trabalho; recursos insuficientes de infraestrutura, equipamentos, insumos; pouca autonomia das/os residentes; pouca relação com o usuário; e insegurança quanto a experiência e atuação.

Diante desses elementos, os dados indicam que apesar de a maioria das/os residentes apontarem que o programa no qual estavam inseridas/os contribuiu para o enfrentamento da pandemia, menos da metade considerou que houveram inovações nas suas práticas e uma parte, apesar de estar satisfeito com a resposta dada, se sentiu pouco segura/o para atuar frente à pandemia. Esses aspectos exigem uma leitura crítica desde os desafios que as residências vêm enfrentando na adequação do processo de ensino-aprendizagem pelo trabalho e os impactos que o fenômeno da pandemia tem nesse campo.

Considera-se que as residências contribuem para a qualificação do trabalho e da assistência na relação das/os residentes com o programa, com o serviço e com a/o usuário/paciente. A partir deste estudo, pode-se compreender que as mudanças no contexto de atuação dos programas de residência durante a pandemia, influenciaram na organização e desenvolvimento das atividades pedagógicas, o que reforça a importância de articular o processo educativo à realidade do trabalho e das demandas de saúde, ressoando na importância da EPS para a formação em saúde e para o SUS.

Ao mesmo tempo, vale destacar os desafios de construir processos educativos flexíveis, orientados pelos princípios da EPS e que dialoguem com a conjuntura nacional. O estudo abordado, aponta para as potencialidades da educação pelo trabalho, ao passo que destaca a importância de fortalecer as políticas de educação, de saúde e as residências, que têm lugar estratégico em tempos de sucateamento das condições de vida e de trabalho.