Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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QUEM ESTÁ NA LINHA DE FRENTE DO SUS? Reflexões de raça e de gênero sobre a classe cuidadora na sindemia de Covid-19
Marjorie Nogueira Chaves, Raquel Suely Cardoso da Conceição

Última alteração: 2021-12-21

Resumo


Com o trabalho de cuidado marcado pela precarização das relações de trabalho e pelo baixo prestígio social, mulheres negras são as que estão na linha de frente do combate à Covid-19 como agentes comunitárias de saúde (ACS), técnicas de enfermagem, enfermeiras e auxiliares e assistentes administrativas. A ênfase dada a essas categorias se justifica como uma resposta ao seu apagamento no interior de um sistema hierárquico do campo da saúde que reconhece e reverencia a categoria de médicas/os e enfermeiras/os em detrimento das demais categorias que, pela natureza de suas atividades, estão em contato direto e constante aos riscos inerentes à saúde. O objetivo da proposta é discutir as condições de trabalho de mulheres negras profissionais de saúde, especialmente as atuantes na atenção primária em territórios periféricos. As reflexões trazidas são resultado de observações realizadas em uma Unidade Básica de Saúde (UBS) localizada na região de Pirituba na cidade de São Paulo. Esta unidade é referência no território, tanto por seu porte (número de funcionárias, equipamentos, primazia no recebimento de insumos e apoio que fornece para as Unidades menores) quanto pela qualidade dos serviços prestados, o que implica em uma relação de confiança, preferência e cobrança das comunidades em seu entorno. A referida unidade opera sob a Estratégia Saúde da Família, possuindo um número expressivo de ACS (cerca de 40), com atuação consolidada das equipes no território. A unidade possui cerca de 140 funcionárias/os, dentre ACS, administrativo, enfermagem, limpeza, médicas/os, enfermeiras/os e a Equipe Multidisciplinar, sendo sua maioria mulheres.  A metodologia consistiu em pesquisa qualitativa por meio da observação participante e análise de dados e informações de instituições de pesquisa em saúde. Estudo realizado pela Fiocruz Minas e a Escola de Administração de Empresas de São Paulo (Eaesp/FGV) revela que as mulheres negras trabalhadoras da saúde foram as que mais declararam sensação de despreparo (58,7%) e ocorrência de assédio moral no trabalho (38%). Elas também sentiram medo (54%), desconfiança (28%) e tristeza (53%) em maior proporção do que outros grupos, assim como foram as menos testadas para a Covid-19 (26%). Como resultado, observamos que, no território de atuação, as trabalhadoras negras vivenciam o aumento da sobrecarga de trabalho nos atendimentos; a ausência de equipamentos de proteção individual; ausência de insumos básicos; estrutura de trabalho precárias; o medo da contaminação pelo vírus; a preocupação com a saúde e o bem-estar de suas famílias; o cotidiano de adoecimento e morte de colegas de profissão e o ocultamento institucional deste cenário. À guisa de conclusão, as mulheres negras atuantes em UBS e hospitais públicos são maioria na realização do trabalho de cuidado assalariado na área de saúde. Embora fundamentais para a manutenção dos serviços do Sistema Único de Saúde (SUS), elas enfrentam os desafios da conciliação entre sua ocupação e as tarefas domésticas e em oferecer atendimento às/aos pacientes, mesmo com a carência de insumos e medicamentos, muitas vezes com poucos recursos para o cuidado de si.