Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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Clínica em Transe do Centro de Atenção Psicossocial- CAPS: Relato de Experiência do Grupo de Transição
Lorena Costa, Paula Figueiredo

Última alteração: 2021-12-22

Resumo


Apresentação:

O presente trabalho pretende trazer uma breve discussão acerca da necessidade de invenção de novos dispositivos clínicos no âmbito dos CAPS que se proponham a acolher e cuidar das diferentes formas de sofrimento psíquico grave no contemporâneo e que tem chegado de forma crescente nestes serviços nos últimos quatro anos, a partir da vivência vamos trazer como relato de experiência a ser compartilhada o dispositivo clínico que nomeamos como Grupo de Transição, grupo criado em meados de 2019. A experiência se deu em uma Unidade de Saúde Mental CAPS II Pedro Pellegrino, localizada em Campo Grande, Zona Oeste do Rio de Janeiro. Tendo por objetivo, refletir a respeito da invenção de novos dispositivos clínicos de cuidado no âmbito dos CAPS.

Desenvolvimento:

Originalmente o CAPS era uma unidade designada aos usuários de saúde mental grave e oriundos dos manicômios com suas subjetividades forjadas por anos de institucionalização, com isso nos habituamos a transitar pela clínica da loucura clássica lidando com formas de sofrimento psíquico marcados por experiências delirantes e alucinatórias. Por tanto, experimentávamos com certa estranheza a presença no serviço de usuários que circulavam pela vida de modo mais autônomo e que formularam suas queixas/pedidos de ajuda de modo mais articulado, pois entendíamos enquanto equipe que esses usuários em tese mais organizados e demandantes por atendimento individual, deveriam ser direcionados para a AB (Atenção Básica). Porém, cada vez mais esses usuários chegavam ao serviço a partir de encaminhamentos feitos pelas emergências psiquiátricas da região e, principalmente, pelas ABs do território. Com isso, até que houvesse uma articulação, compartilhamento e passagem desses casos, seriam acolhidos de forma coletiva no CAPS para que pudéssemos acompanhar esse processo de transição dos usuários para os diferentes equipamentos da rede. Estava criado assim o Grupo de Transição, dispositivo coordenado geralmente por dois técnicos do serviço e que eram realizados quinzenalmente. Destaque-se que a designação “Transição” guardava relação direta com o modo como entendíamos à época a especificidade de uma parte considerável daqueles casos que víamos chegar de forma crescente, a saber, usuários que não teriam uma indicação clínica clara para acompanhamento em CAPS, mas que necessitavam de um atendimento, em sua maioria no modelo ambulatorial.

Em Março de 2020 a OMS decreta a pandemia do novo coronavírus, com isso, a necessidade de uma série de restrições à circulação e aglomeração de pessoas como forma de evitar a disseminação da doença. Essa inquestionável necessidade de restrição de circulação que se impôs naquele momento, trouxe inúmeros efeitos para organização e funcionamento dos serviços de saúde. Considerando o caráter estratégico e a centralidade que os espaços coletivos de cuidado têm no cotidiano de um CAPS, nos vimos convocados a repensar o acolhimento aos usuários do serviço naquele momento inicial de crise  já que as atividades coletivas tiveram que ser suspensas, inclusive o Grupo de Transição. Cabe salientar que, nesse longo e difícil período de restrição, não foi fácil sustentar um trabalho clínico no cotidiano do serviço que pudesse acolher o sofrimento do outro, visto que estávamos todos, equipe e usuários, muito tomados pelos afetos de medo e tristeza aos quais estávamos confrontados a partir da pandemia. O CAPS se manteve de portas abertas, mas naquele momento, obedecendo aos protocolos sanitários, precisávamos privilegiar o acolhimento individual, seja presencial ou remoto como forma de minimizar as possibilidades de contágio. Com o avanço da vacinação, fomos aos poucos retomando algumas das atividades suspensas no começo da pandemia. Atualmente o grupo de transição acontece às sextas-feiras quinzenalmente, com média de oito usuários por encontro e mais duas profissionais, composto somente por mulheres, com idade entre 21 a 50 anos, é um grupo onde as próprias usuárias intercalam os encontros, não indo em todos sempre. Os assuntos se dão na hora proposto pelas mesmas, não falamos somente sobre doenças e seus sintomas, mas também sobre trabalho, família, sexualidade, sexualidade feminina, violência e seus tipos (principalmente autoprovocada, doméstica e urbana), assédios e seus tipos (principalmente moral), território, cultura, questões raciais, o lugar da mulher na sociedade e entre muitos assuntos.

Resultados e/ou impactos:

Sustentar a clínica da atenção psicossocial em meio ao cenário da pandemia teve inúmeros desdobramentos, dentre eles, destacamos a necessidade premente que se desenhava diante de nós de repensar o sentido e a organização dos espaços de cuidado e acolhimento do CAPS. A mudança brusca na rotina do serviço iniciou um longo processo de reflexão, que entendemos ainda estar em curso, sobre a própria forma de fazer essa clínica. Afinal de contas, o que caracteriza a clínica do caps? Que práticas sustentam uma clínica da atenção psicossocial que se proponha a romper com o manicômio? Ainda que a clínica do CAPS não seja pautada a partir da concepção engessada do “perfil do usuário” e/ou diagnóstico, nos surpreendemos ao observar um número crescente de usuários muito jovens, com uma organização psíquica bastante preservada e que traziam em seus relatos uma experiência de sofrimento marcada por questões relacionadas a violência, principalmente violência autoprovocada. Observamos que esse aumento se deu no período de pandemia e vem aumentando a cada dia, dos "pacientes organizados e sem demandante para o serviço" por diversos motivos, seja pelo incremento do sofrimento a que estiveram submetidos (luto, crise econômica, isolamento, dentre outros), seja pela inabilidade/falta de disponibilidade da AB em receber esses casos, devido estarem voltados para as questões da covid-19. Também relacionadas a crescente perda de direitos ocorridas no país e com essa política atual instável, além de estarmos localizados no bairro mais populoso do Rio de Janeiro, a população tem que arcar com tudo que isso traz.

Retomamos o Grupo de Transição pensando na transição desses pacientes para outros equipamentos de cuidado em saúde mental da RAPS (Rede de Atenção Psicossocial). Contudo, à medida em que os encontros com esses usuários aconteciam no espaço do grupo, o fio da transição nos apontava outras perspectivas. Nos deparamos com o fato de que, afinal de contas, a transição que se desenhava era sobretudo da clínica do CAPS, que precisava naquele momento criar modos de fazer clínica capazes de acolher o que passamos a entender como sendo as novas formas de sofrimento grave no contemporâneo.

Considerações finais:

Os acontecimentos nos últimos anos no Brasil e no mundo lançavam novas perspectivas sobre as formas graves de adoecimento. Perda de direitos trabalhistas, acirramento da violência de estado, culminando assim para o adoecimento da saúde mental da população. Devido a sobrecarga na AB por causa da pandemia e o CAPS ser um serviço de portas abertas, questões relacionadas à saúde mental vão parar nessas unidades, o que nos deixa com muitos questionamentos sobre o que fazer com esses usuários. Será a clínica do CAPS em transição e teremos que nos habituar com essa crescente demanda desses usuários? Será esses usuários realmente para AB, ambulatórios e teremos que entender que precisamos lidar com essa defasagem na rede e assim encaminhar esses usuários? Nossos questionamentos são inúmeros, enquanto isso, seguimos realizando o grupo de transição e contando com as parcerias dos dispositivos territoriais como Centro Esportivo Miécimo da Silva, Secretaria de Políticas e Promoção da Mulher da Cidade do RJ, Josefinas Colab.