Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
Tamanho da fonte: 
A Potencialidade dos Diversos Olhares na Saúde Mental: Relato de Experiência
Anderson Luiz Torres, Lays Da Silva, Lorena Costa

Última alteração: 2021-12-27

Resumo


Apresentação:

O presente trabalho relata a construção de um caso vivenciado por quatro profissionais de categorias distintas, com base na inserção diária no campo de atuação profissional de cada um. A equipe compunha um agente territorial, uma técnica de enfermagem, uma enfermeira e um oficineiro. Diante do desmonte enfrentado nos diversos aparelhos de saúde, sobretudo, os dispositivos de saúde mental, e a partir da discussão do caso em relação à experiência vivenciada até o momento. A construção do caso se deu em uma Unidade de Saúde Mental CAPS II Pedro Pellegrino, localizada em Campo Grande, Zona Oeste do Rio de Janeiro. Tendo por objetivo, afirmar e refletir a contribuição e importância do trabalho da equipe multiprofissional em casos de saúde mental.

Desenvolvimento:

Inicialmente o CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) era um serviço destinado a usuários de saúde mental grave e egressos de anos da institucionalização em manicômios. Ainda que a clínica do CAPS não seja engessada no “perfil do usuário”, hoje vemos uma grande mudança nesses usuários, como apresentaremos neste. Caso M., 50 anos, branca, mulher cisgênero, casada, oriunda de classe média alta, reside com esposo e com a mãe, sua profissão é pedagoga e a mesma é ex-diretora de uma escola municipal na periferia da zona oeste. M. deu entrada na unidade em janeiro de 2021 apresentando delírios persecutórios e queixando-se de dificuldade para se alimentar.

Tendo sido internada pelos familiares em clínica psiquiátrica particular do Rio de Janeiro, logo após ser acolhida na nossa unidade. Devido às medidas sanitárias da clínica por causa da pandemia da covid-19 não conseguimos ir visitá-la,  começamos então um trabalho junto aos familiares, uma articulação e compartilhamento do caso profissionais da unidade. Após sua saída, demos continuidade, de maneira intensiva, aos seus cuidados em saúde mental. M. tinha de um a dois atendimentos por semana com sua equipe de referência, e uma vez ao mês com o médico, havendo mudanças nas medicações quando necessário. Dentro de sua construção delirante, afirmava possuir um “nó na garganta'', que a dificultava na deglutição alimentar, apresentando êmese em todas as tentativas de ingestão, substituindo, quando possível, por shakes e vitaminas. Dentro deste contexto, nossa maior preocupação se dava pelas recorrentes internações clínicas que M. tinha, em decorrência da falta de alimentação adequada, que ocasionava emagrecimento e fraqueza. Tentamos articulação junto à CF um cuidado mais territorializado, mas M. não se vinculou ao serviço. Nos atendimentos, a fala de M. permeava a alimentação e como isso a prejudicava na vida, além de não sair de casa sozinha ou realizar algumas atividade diárias sem sua mãe, com quem tinha uma relação simbiótica. Aos poucos M. começou a deslocar o assunto, e quando demos conta ela estava falando de outras coisas da vida, conseguindo entrar nos atendimentos sozinha e vinha para a unidade apenas acompanhada de seu esposo.

Começou a falar sobre seu trabalho e coisas que lhe traziam interesse. A partir disso começamos a espaçar os atendimentos com a equipe, sendo realizado quinzenalmente e com o médico, somente em momentos necessários, M. foi parando de sentir medo dos usuários da unidade e dos outros à sua volta, passando a interagir com os mesmos. Com o avanço da vacinação e de acordo com as normas sanitárias propostas, fomos retomando algumas atividades coletivas na unidade que antes haviam sido suspensas devido a pandemia. Convidamos M. a participar de uma oficina em que havia algo de seu interesse. Mas apesar de se interessar, não compareceu. Até que, por conta própria, entre um atendimento e outro, se interessou por uma atividade e foi procurar meios para participar. Começou a partir da oficina de artesanato, comandada pelo oficineiro da unidade e os usuários. Atualmente a oficina acontece uma vez por semana, na quinta-feira às 14hs, contém um maior número de usuárias do sexo feminino, com histórias distintas, mas que se tocam em algum momento.

Resultados e/ou impactos:

Com o passar dos atendimentos e participação nas oficinas, fomos observando que M. vem conseguindo interagir com as outras pessoas sem medo, comendo alguns alimentos sem vomitar - a mesma diz sentir às vezes enjôo após a ingestão do alimento, mas relata que é algo que não interfere mais na sua vida -  se alimenta com dietas leves, bastantes sopas, legumes, verduras, e proteínas desfiadas em pouca quantidade. Tendo dificuldade em comer em locais públicos, nos mesmos, segue apenas tomando líquidos. Fomos observando que M. tem apresentado uma boa integração com as outras usuárias do grupo, com quem já mantém relações interpessoais fora do CAPS. Apesar de uma boa mudança do caso de M., a mesma ainda tem algumas dificuldades, como não conseguir se manter em locais públicos devido a grande quantidade de pessoas, por isso ainda se faz fundamental em conjunto com as oficinas, os atendimentos individuais. Cabe salientar a importância dos diferentes olhares através da equipe multiprofissional e como cada profissional, como sua especificidade vem sendo fundamental na construção deste caso.

Considerações finais:

Apesar de ser um caso que ainda estamos acompanhando e construindo dia após dia, acreditamos ser pertinente relatar sobre essa potencialidade do conhecimento e habilidades de uma equipe multiprofissional, com o olhar da equipe em saúde mental através da especificidade de cada profissão, conseguindo assim construir este caso. Ressaltando que com as discussões de caso, podemos perceber que a opinião de cada profissional envolvido no acompanhamento do paciente em questão é relevante para que a construção de um projeto terapêutico seja desenvolvido e efetivo, sempre em conjunto é pensado uma conduta para a melhor inserção do usuário no serviço. Assim, com o trabalho em conjunto, conseguimos dividir as funções de um único caso, como quem tem mais perfil para os contatos com o familiar, quem vai dar assistência a usuária nos dias de oficina, quem vai ser referência nos atendimentos individuais, dentre outros, assim não sobrecarregando nenhum profissional.

Vale lembrar que a equipe é multidisciplinar e todos poderão dar assistência, sendo essencial a comunicação em rede para a sinalização das questões clínicas, as estratégias de cuidado no serviço de saúde e reabilitação social como um todo em todos os dispositivos disponibilizados para o cuidado pela RAPS (Rede de Atenção Psicossocial). Mostrando assim, de forma geral, a importância que o trabalho em equipe com profissionais de funções distintas vêm sendo cada vez mais produtivo e eficaz.