Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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Diversidade e Construção Compartilhada no Curso Introdução à Saúde dos Povos Indígenas
Willian Fernandes Luna, Cecília Malvezzi, Sarah Barbosa Segalla, Leticia Gomes Fonseca, Vandicley Pereira Bezerra, Larissa Campagna Martini, Ana Elisa Rodrigues Alves Ribeiro, Ana Paula Alves da Silva

Última alteração: 2021-12-21

Resumo


Apresentação: Existe uma invisibilidade evidente das temáticas que abordam as populações indígenas nos currículos de graduação e pós-graduação em saúde. Além disso, observa-se uma fragilidade nas discussões relacionadas à competência cultural e à formação diferenciada para lidar com situações que demandam um diálogo em contextos interculturais. O que resulta em desconhecimento, tanto de estudantes, como de profissionais de saúde, sobre as questões relacionadas à saúde dos povos originários, e dificulta o engajamento neste campo e área de atuação. Como estratégia de intervenção, desenvolveu-se um curso de extensão integrado à atividade de ensino e pesquisa, em uma universidade pública do interior de São Paulo. O curso teve como objetivo estabelecer um espaço compartilhado entre indígenas e não indígenas, estudantes e profissionais de saúde, discutindo as especificidades da saúde indígena, sendo este o foco deste relato de experiência. Desenvolvimento do trabalho: O curso teve uma duração total de 60h. Foi realizado integralmente no formato on-line, com encontros síncronos e atividades assíncronas. Os encontros foram organizados em quatro módulos: Identidade Indígena; Cuidado em Saúde Indígena; Direitos Indígenas e Saúde; Educação e Saúde Indígena. Em cada módulo houve a participação de pessoas que atuam com os temas abordados. No módulo 1 contamos com a participação do professor Gersem Baniwa, que abordou a “Identidade indígena”. No segundo módulo, o professor Pedro Lolli apresentou o tema “Saberes Terapêuticos no Alto Rio Negro”. Para falar sobre “Direitos Indígenas e Saúde”, no terceiro módulo, contamos com a participação da professora Kowawa Kapukaja Apurinã, também conhecida como Pietra Dolamita. No quarto módulo, as professoras Lavínia Oliveira e Maria Cristina Troncarelli discutiram o ensinar e o aprender no contexto da saúde indígena. A metodologia utilizada partiu da experiência do grupo coordenador com o desenvolvimento das Rodas de Conversa sobre Saúde dos Povos Indígenas, projeto de extensão desenvolvido desde 2016 na universidade. Foram utilizados estratégias e instrumentos de diversas metodologias ativas de ensino-aprendizagem, com inspirações na problematização, na espiral construtivista e na aprendizagem baseada em problemas. A equipe de trabalho foi composta por 21 pessoas, incluindo estudantes indígenas dos seguintes cursos: enfermagem, medicina, fisioterapia, pedagogia, psicologia e educação especial, e outras instituições e coletivos parceiros: Centro de Culturas Indígenas (CCI), PET Indígena - Ações em Saúde Grupo de trabalho Saúde Indígena - Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC), Grupo de Pesquisa Educação Popular em Saúde (GPEPS) e Pró- Reitoria de Extensão da Universidade. Entre os docentes, que tinham experiências diversas com a saúde indígena, havia médicos de família e comunidade, enfermeira, terapeuta ocupacional, fisioterapeuta, cirurgião dentista e antropólogo. Assim, promoveu-se uma relação horizontal desde a construção do curso, com participação de indígenas e não indígenas, estudantes e docentes, em todo o processo de elaboração e desenvolvimento. Uma ressignificação do papel da formação para e na diversidade, corroborando com a promoção da saúde indígena.  Foram disponibilizadas 48 vagas para os participantes. Houve cerca de 260 interessados que foram selecionados por meio de avaliação de cartas de intenção dos candidatos, buscando contemplar a diversidade de pessoas. O grupo de participantes selecionados expressou esta diversidade, constituindo-se de indígenas e não indígenas, estudantes da área da saúde e profissionais de saúde que atuam na saúde indígena, professores e lideranças comunitárias. Os participantes provinham de 15 estados e havia representantes de 20 diferentes povos indígenas. Os participantes do curso foram divididos em pequenos grupos que foram mediados por estudantes indígenas e por professores. Os estudantes indígenas ficaram fixos nos grupos, enquanto os professores se alternaram entres esses a cada módulo.Impactos: Ao final, 33 participantes concluíram o curso e produziram uma instalação avaliativa e compartilharam suas afetações em relação aos encontros. No último módulo do curso, os participantes e a equipe de trabalho elaboraram uma narrativa de avaliação da experiência de participação no mesmo, ao total foram  46 narrativas. A partir da leitura das avaliações foi elaborada uma nuvem de palavras buscando evidenciar palavras marcantes e representativas de cada narrativa. A nuvem de palavras consiste em uma listagem de palavras hierarquizadas, que permite identificar, de forma visual, as palavras mais citadas em um texto. Através da nuvem de palavras evidenciou-se a maior ocorrência das palavras: saúde indígena; indígenas; troca; ouvir, conhecimento; diversidade; horizontal; enriquecedor; cultura e discutir. Considera-se que a metodologia utilizada fortaleceu os diálogos e trocas durante os encontros formativos, de modo que os participantes puderam ouvir diferentes perspectivas, em pequeno grupo, sobre questões relacionadas à saúde indígena a partir da diversidade regional, de ocupações e étnico-cultural presente entre os participantes. A palavra “indígenas” evidenciou a importância da construção do curso com base no protagonismo dos estudantes indígenas membros da equipe de trabalho, além, da participação e protagonismo de profissionais e estudantes indígenas nos pequenos grupos.  Ademais, a palavra horizontal elucida a perspectiva de construção de uma saúde indígena com base no diálogo e construção intercultural, a medida que esta palavra, no contexto do curso, revela o encontro e diálogo entre sujeitos e/ou grupos sociais a partir da diferença. Considerações finais: Desde a divulgação do curso, observou-se uma demanda importante por pessoas interessadas em aproximar-se ou aprofundar na temática da saúde indígena, bem como  confirmou-se a ausência de espaços para esta formação. A concorrência para a participação no curso e as avaliações dos participantes indicam que há uma demanda reprimida de cursos na área de saúde indígena no Brasil, e que iniciativas como esta poderiam favorecer uma assistência mais  colaborativa e respeitosa aos valores tradicionais destes povos. O diálogo estabelecido entre indígenas e não indígenas oportunizado pelo curso permitiu também minimizar a invisibilidade e trazer o protagonismo indígena para a construção dos espaços e para a condução das atividades, que diziam respeito aos seus próprios contextos sociais e culturais, em um movimento também decolonizador. As parcerias internas e externas foram fundamentais para ampliar o alcance do curso. O uso de metodologias ativas de ensino-aprendizagem também proporcionou uma experiência de subversão de hierarquias na relação entre educadores e educandos e entre o conhecimento acadêmico e popular(tradicional), em contraposição a uma visão elitista da educação, que não valoriza a tradição oral. Através do curso, pudemos experienciar uma universidade democrática, inclusiva que legitima a diversidade cultural e de saberes.