Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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LINHAS DE CUIDADO AO CÂNCER ANAL NA AMAZÔNIA: UM OLHAR PARA OS TERRITÓRIOS PARA ENTENDER E CUIDAR DAS PESSOAS
William Pereira Santos, Alcindo Antônio Ferla

Última alteração: 2022-01-21

Resumo


Introdução: A incidência e a prevalência de doenças crônicas dependem da exposição das pessoas aos fatores de risco, da qualidade das ações nos diferentes pontos de atenção e do acompanhamento das mudanças sociais nos territórios. O câncer anal é um desses eventos e essa condição associa-se à inexistência de rotinas estruturadas de prevenção, diagnóstico precoce e tratamento nos serviços do SUS. As alterações precursoras dessa neoplasia podem ser identificadas pelo exame citopotológico, semelhante ao que ocorre com o câncer de colo uterino. A cobertura, porém, é baixa na população brasileira, sobretudo em regiões com indicadores econômicos e de saúde desfavoráveis, considerando também aspectos culturais, pessoais e territoriais. O território amazônico ajuda-nos a compreender as relações entre lugar, variações geográficas tensionadas pela natureza, pessoas e grupos e serviços de saúde. No contexto da saúde, interessa compreender o “território líquido”, baseada na categoria analítica desenvolvida no âmbito do Laboratório de História, Políticas Públicas e Saúde (LAHPSA/ILMD/Fiocruz Amazônia), que apresenta distâncias geográficas e condições de acesso aos serviços de saúde, à concentração territorial, a dinâmica da vida das pessoas e as diversidades culturais como condições que devem ser consideradas para pensar em iniciativas de cuidado, considerado como resultado de processos de trabalho vivo em territórios reais. A diversidade do território amazônico é oportuna para ensaiar novas formas de organizar o trabalho nos serviços para a atenção à saúde das pessoas. A ideia de construir este ensaio partiu de ambos os autores, mobilizados pelas condições próprias do território amazônico. Ambos se dedicaram a compreender as condições que potencializam o adoecimento da população relacionado ao HPV, que possui alta prevalência na região. O objetivo deste ensaio é prospectar a qualificação do acesso da população ribeirinha e fluvial às ações de promoção e prevenção de câncer anal na Atenção Básica no Amazonas, considerando questões territoriais, contextuais e culturais, a configuração de linhas de cuidado e condições de riscos e vulnerabilidades. O ensaio foi desenvolvido por meio da revisão crítica de fontes bibliográficas selecionadas por conveniência sobre o câncer anal e sobre as condições específicas de organização da atenção à saúde na Amazônia. Desenvolvimento: A produção bibliográfica sobre o câncer anal na região Norte é escassa e a aproximação analítica com essa doença é feita por analogia ao câncer de colo uterino, onde os processos de trabalho no interior dos serviços e sistemas territoriais têm apresentado resultados muito positivos nos últimos anos. A região Norte concentra alta incidência e prevalência de HPV, contribuindo para consideráveis taxas anuais de novos casos de morbimortalidade por câncer de colo uterino. Esse vírus também é responsável por outras neoplasias que, apesar de graves, não recebem a mesma importância das demais doenças crônicas na organização dos serviços de saúde. A realidade territorial na Amazônia mostra dificuldades como: baixa cobertura de citologia oncótica cervical em regiões marcadas pelas desigualdades sociais com menos indicadores econômicos e de saúde; baixa permanência de trabalhadores de saúde e redução da alocação de equipes de Saúde da Família nos territórios; disponibilidade limitada de recursos; protocolos pouco abrangentes insuficientes para a permanência dos usuários nas redes de cuidado; dificuldade de acesso aos serviços de saúde e capitação dos usuários devido a problemas como limitações geográficas; carência na gestão de educação em saúde para trabalhadores e usuários; e acesso à saúde dependente da zona urbana - que nem sempre é possível, considerando dificuldades individuais, econômicas e geográficas. Esses fatores contribuem para ampliar a vulnerabilidade da população e novas recorrências de HPV e suas complicações. No caso do câncer anal, além desses fatores, há outro agravante: o aumento de casos associa-se à inexistência de uma rotina estruturada de prevenção, diagnóstico precoce e tratamento nos serviços do SUS, assim como no sistema suplementar. As bases consultadas apresentam uma visão distópica do perfil epidemiológico da doença e revelam incoerências quanto às evidências para as questões de incidência, prevalência, mortalidade e recuperação de saúde. Os estudos analisaram, em maior parte, uma única condição de adoecimento: homens que fazem sexo com homens (HSH) e pessoas que vivem com HIV. Essa direção denota uma possível condição de prática moralizante, reforçando estigmas sociais com base no preconceito. A disseminação de IST independe das questões de gênero e identidade e orientação sexuais. Ou seja, o “risco estatístico” é a prática sexual não segura, principalmente quando se trata do exercício da sexualidade com penetração, realizada com parceiros dos quais não há informação confiável sobre o contato anterior com portadores do vírus. Não conhecer a população e não tratar desse assunto no interior dos serviços de saúde, além da precariedade de registros dessa neoplasia, compromete a formulação de estudos e nos distancia de conhecer o perfil da doença, da população e da formulação de linhas de cuidado embasadas na integralidade para prover atenção às pessoas e aos grupos sociais num sentido de também quebrar os estigmas sociais associados à doença e outas IST. O tratamento das pessoas com IST é garantido pelo SUS. Assim, a implantação regular do teste de citologia anal reforça o cuidado coletivo que prevê a interrupção da cadeia de transmissão e prevenção de novas ocorrências do HPV e doenças associadas. A implantação de linhas de cuidado permite apoiar o desenvolvimento de políticas e programas com olhar para as características e estilo de vida das pessoas e do território. A organização tecnoassistencial deve oferecer, além dos exames previstos nos protocolos de atendimento, condições de acesso, acolhimento e adesão das pessoas e oferta de serviços qualificada com disponibilidade de profissionais e horários ampliada. Reconhecer a diversidade e a complexidade do território amazônico como desafio às políticas permite construir conhecimentos e sistematizar tecnologias úteis também ao SUS em outros territórios. Essa é a motivação central da pesquisa, iniciativa que seguirá sendo produzida ao longo da pesquisa ora resenhada. Uma linha de cuidados às pessoas em relação ao câncer anal inicia nos pontos de atenção no território. As Unidades Básicas de Saúde (UBS), por criar vínculo entre usuários e trabalhadores da saúde durante as visitas e cuidados sistemáticos, contribuem com a capilarização do acesso da população ao SUS e com a articulação com níveis de atenção mais densos. O trabalho no seu interior pode identificar precocemente casos que podem ser tratados localmente ou referidos aos serviços especializados. É fundamental a busca ativa e a implementação de medidas de rastreamento populacional, avaliando periodicamente a realização dos exames e identificando falhas no rastreamento. A incorporação de ações de promoção e proteção, diagnóstico precoce e tratamento adequado nos diferentes pontos de atenção do sistema de saúde pode beneficiar as pessoas e o sistema de saúde, na medida em que reduz custos e amplia a integralidade da atenção. Conclusão: As linhas de cuidado aqui pensadas se traduzem na garantia de cuidados, pressupondo compreender a dinâmica existente no território e aspectos socioculturais e desejando a busca da equidade na formulação de respostas para dar suporte aos programas de atenção básica. Essa lógica é compatível com a ideia da integralidade e relaciona-se com questões habitacionais, de trabalho, moradia e relações sociais, e tudo isso com o ambiente. Permite avançar na reorganização das práticas no interior dos serviços e sistemas, o que torna o desafio de pensar nessa iniciativa no território amazônico capaz de expandir a compreensão e a produção de tecnologias oportunas para o SUS.