Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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Travessias e atravessamentos no cuidado em liberdade com adolescentes em situação de rua: experimentações intersetoriais
Solanne Gonçalves Alves, Alexandra Marques Amorim, Leandro França Pacheco, Nathália Sabbagh Armony, Franco de Mattos Lima, Julia Pio Serpa de Medeiros, Maria Paula Gomes Cerqueira

Última alteração: 2021-12-22

Resumo


Apresentação: No final de maio de 2018, o nível central da Prefeitura do Rio de Janeiro convocou serviços de saúde, saúde mental e assistência social de determinado território da cidade, após as Ouvidorias do Ministério Público e da Prefeitura receberem diversas queixas sobre a situação de um garoto usando drogas, na rua. A partir daí, os profissionais daqueles serviços - incluindo outras iniciativas - iniciaram reuniões periódicas para discussão e propostas de cuidado daquele caso e de outros adolescentes e famílias em situação de rua. Assim, este relato de experiência se propõe a compartilhar algumas reflexões dessa travessia, ainda em percurso, que o cuidado intersetorial com a população em situação de rua provoca nos profissionais da equipe de um dos serviços supracitados, a saber: um Centro de Atenção Psicossocial Infantojuvenil (CAPSi).

Desenvolvimento do trabalho: A partir das reuniões, que passaram a ocorrer mensalmente, os profissionais do CREAS (Centro de Referência Especializado da Assistência Social) e Pastoral do Menor (uma iniciativa da igreja católica) descobriram que acompanhavam os mesmos usuários, mas os serviços não se comunicavam entre si até então. Dois profissionais do CAPSi começaram a compor com as ações planejadas nas reuniões e com as abordagens protagonizadas pelo CREAS, que ocorriam de forma itinerante, programada quinzenalmente, em tendas, com representantes da equipe da atenção básica. Aos poucos, outros profissionais do CAPSi começaram a incluir no processo de trabalho da atenção psicossocial, o cuidado com as crianças, adolescentes e seus familiares em situação de rua. Foi criado um grupo de trabalho no whatsapp, o “GT Pop Rua”, e, aos poucos, todos os profissionais da equipe do CAPSi acompanhavam as discussões e planejamentos a partir dali. Então, casos e situações começaram a aparecer nas reuniões de equipe “é pra CAPSi?”. Com o advento da pandemia de COVID-19, suspensão da agenda das tendas e avaliação da necessidade de continuarmos com esta frente de trabalho, o “GT Pop Rua” manteve reuniões semanais para discussão dos casos. Em seguida, foi solicitado apoio da Coordenadoria de Área Programática (CAP) para planejamento de ações territoriais. Assim, novamente em diálogo, CREAS, Conselho Tutelar; posteriormente, NASF (Núcleo de Apoio à Saúde da Família); Centro de Atenção Psicossocial (CAPS AD); outro CAPSi e, por fim, Centro de Atenção Psicossocial (CAPS III) retomaram o cuidado com as pessoas em situação de rua, que tem se sustentado com ações intersetoriais e reuniões semanais para discussões, planejamentos e avaliações. Além destas reuniões periódicas, outras eram agendadas para discussão de casos e articulações específicas.

Resultados e/ou impactos: Já era sabido pela equipe do CAPSi a necessidade de estar fora dos muros institucionais, ou seja, no trabalho territorial nos seus sentidos afetivo e geográfico, para conseguir acesso às crianças e adolescentes em situação de rua. Entretanto, foi preciso tempo e estratégias conjuntas para construção de pontes para esta travessia dentro-fora. Entendemos que estar sozinho nesta jornada do “fora” com demandas de alta complexidade não seria viável. O transporte ainda permanece um desafio. Temos aprendido que o estar junto requer tessituras: cada serviço compõe emaranhados de fios que vão formando, (de)formando e/ou (re)formando a rede, que ora cria acesso ao cuidado, ora cria barreiras de acesso ao cuidado; que mesmo tendo a direção de acolhimento e acompanhamento às pessoas em situação de rua, por vezes, intentam o controle dos corpos: “que direção de cuidado é essa, em não acordar?” “você não quer mudar de vida?”. O cuidado intersetorial requer cuidar dos atravessamentos-acontecimentos cotidianos que nos impelem ao controle dos corpos (medicalização/judicialização/mudança de vida) das pessoas com as quais queremos cuidar/compor. Trazer à cena questões vivenciadas nas abordagens, (re)discuti-las com o intersetor, como uma etapa inerente a este processo de trabalho não é uma tarefa sem tensões. Além disso, precisamos construir um canal de comunicação com outros serviços e setores, tais como da segurança e limpeza públicas, que também fazem abordagens, sobretudo garantindo a limpeza das ruas em detrimento da garantia dos direitos constitucionais da parcela da população vulnerabilizada.

Considerações finais: A ação intersetorial à população em situação de rua requer desnudamento de impressões pessoais dos profissionais, para imundização: contagiar-se pelo/no mundo dos (sobre) viventes da rua, das pessoas que estão em situação de moradia na rua. Sustentar o não sabido, a lógica da redução de danos, um não-lugar, o nomadismo e o interesse pelas histórias de vida das pessoas abordadas; inventar novas possibilidades de cuidar com; ratificar o cuidado em liberdade são ainda experimentações que precisam ser mais vivenciadas e compartilhadas com os usuários e próprios profissionais envolvidos na ação. Cada serviço tem suas experiências, territórios de abrangência e especificidades: compor com o que nos aproxima e com o que nos diferencia é o risco e a chance de conseguirmos (re) encontrar com garotes que estão nas ruas, garantindo-lhes seus direitos.