Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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Vivências e aprendizados de um CER IV na Paraíba: desafios do trabalho remoto em saúde no contexto pandêmico da COVID-19
Juliana Sampaio, Daniella de Souza Barbosa, Luciano Bezerra Gomes, Tarcísio Almeida Menezes, Matias Aidan Cunha de Sousa, Maria Fernanda de Britto Lyra, Danielle Alves Peixoto

Última alteração: 2022-07-01

Resumo


Apresentação


O cenário da pandemia de COVID-19 demandou dos componentes da Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência (RPCD) do Sistema Único de Saúde (SUS) mudanças na oferta de suas ações e serviços, a fim de prevenir e controlar a disseminação do vírus SARS-CoV-2, notadamente em sua população usuária. No âmbito da Atenção Especializada, tendo em vista que os Centros Especializados em Reabilitação (CER) e Oficinas Ortopédicas, em todo o território nacional, tiveram que se adequar aos protocolos de manejo e tratamento do novo coronavírus emitidos pelas autoridades sanitárias locais, pouco se sabe sobre os efeitos dessas medidas na produção do cuidado ambulatorial especializado às pessoas com deficiência (PcD), tendo em vista que a ênfase nas produções científicas sobre o assunto se debruçaram sobre o combate à pandemia nas ações de gestão, vigilância e atenção hospitalar, seja ambulatorial pré-hospitalar, intra-hospitalar não intensivo ou de cuidados intensivos.


Objetivos


Nesse cenário, a presente pesquisa busca colocar em análise os efeitos da pandemia em um CER IV da RCPD na Paraíba que temos pesquisado desde o início do ano de 2019, procurando compreender as inovações que ele operou para garantir a continuidade do cuidado a seus usuários durante o ano de 2020. Vale frisar que tais efeitos analisados e suas consequentes invenções não foram apenas aqueles que afetaram diretamente a vida dos usuários e a dinâmica de organização do serviço ambulatorial especializado, mas também aqueles que atingiram, em um efeito cascata, os diversos familiares que assumem diuturnamente papel fundamental no cuidado das PcD


Desenvolvimento do trabalho

Este estudo analítico, possuiu uma abordagem qualitativa, apoiada no referencial teórico-metodológico da cartografia. Tal abordagem foi assinalada pelo empenho e aprofundamento em questões relacionadas aos significados/efeitos resultantes das interações humanas experienciadas com as trabalhadoras de um CER IV na Paraíba que ocupavam cargos de gestão de serviços de reabilitação e/ou exerciam função de reabilitadoras. Esses encontros ocorreram durante os meses de março e dezembro de 2020, em ambiente virtual, por meio da realização de videoconferências pelo serviço de comunicação Google Meet, tendo por base construções e acontecimentos em ato, portanto, no acolhimento da imprevisibilidade e do que afetou as envolvidas no processo cartografado durante o primeiro ano da pandemia da COVID-19. Concomitante a produção deste espaço virtual de encontros mensais e o desvelamento de pistas cartográficas sobre o objeto de pesquisa analisado, se fizeram necessárias novas imersões virtuais no campo, sendo criado um grupo de Whatsapp® entre as trabalhadoras do CER IV e os pesquisadores, a fim de  trocar mensagens instantâneas sobre os processos vividos, identificar potências e dificuldades das invenções no cotidiano do serviço frente a pandemia, como também planejar/agendar os encontros remotos. Vale salientar que o presente artigo está vinculado a pesquisa “Análise da implementação da rede de cuidados à saúde das pessoas com deficiência – os usuários, trabalhadores e gestores como guias”, referente a Chamada CNPq/MS/SCTIE/DECIT/SAS/DAPES/CGSPCD Nº 35/2018, sob Processo Nº 442816/2018-9.


Resultados e/ou impactos


No CER IV em estudo, vimos que - em meio à crise sanitária, acrescidas de tensões políticas e científicas na sociedade brasileira sobre o enfrentamento da pandemia, de ausência de autoridade sanitária nacional, de coordenação e cooperação intergovernamental e de insuficiência e morosidade na alocação de recursos – houve uma diminuição e posterior suspensão da oferta de serviços presenciais necessários à reabilitação, devido às medidas sanitárias de distanciamento social e isolamento pessoal no ano de 2020, sendo implementado a oferta de teleatendimento, com gradual retorno das atividades presenciais ao final do ano.  No período de março a junho de 2020, a equipe gestora elaborou o "Plano de Contingência do CER IV diante da emergência de saúde do novo Coronavírus (COVID-19)", preconizando a implementação de atividades virtuais, através de diferentes dispositivos (telefones, aplicativos de mensagens - tipo Whatsapp®, redes sociais e videochamadas - tipo Google Meet®), realizando contatos com usuários/as para dar informações/orientações, realizar atendimentos, liberar laudos, e dispensar, programar e apoiar a adaptação de órtese e próteses, em especial aparelhos auditivos. Entre julho e dezembro de 2020, o CER IV construiu o "Plano de Retomada Pós-Crise COVID-19”, elaborado em três fases: a primeira, com 30% da capacidade do serviço, não sendo permitidas atividades em grupo e buscando reagendar cerca de 600 consultas para diagnóstico canceladas devido ao isolamento social; a segunda, com 60% da capacidade de atendimentos individuais e as atividades em grupo permitidas, com o limite de 50% do número anterior de usuários/as. Vale salientar que ambos processos - de instalação dos atendimentos remotos e de retomada das atividades presenciais - foram acompanhados de grande carga de estresse e angústia por parte de usuários, familiares e trabalhadores/as. Diversas dificuldades se apresentaram, dentre elas, barreiras de acesso aos usuários/as, adaptação às tecnologias digitais de informação e a reinvenção do processo de trabalho presencial para o remoto e, posteriormente, para o híbrido. Além disso, dificuldades anteriores no processo de trabalho do CER IV se agravaram como a falta de comunicação entre as coordenadorias do serviço e o estabelecimento de consensos sobre os tipos de atividades realizadas, seguindo a tendência de fragmentação das ofertas de cuidado e, com isso, a precarização do trabalho foi intensificada. A antecipação das férias ocorrida na instituição, bem como a migração do trabalho remoto para o ambiente doméstico, conhecido como home office, sem as devidas condições de trabalho necessárias criam uma falsa ideia de autogestão do tempo que implica diretamente no trabalho precarizado. Esse pensamento é reafirmado na volta dos/as trabalhadores/as para o centro, em que os que trabalhavam presencialmente na instituição tinham a falsa ideia que os que se mantiveram em home office não estavam de fato exercendo uma atividade laboral. Entretanto, apesar de ter sido difícil, este foi um processo de paulatinas construções e melhoramentos, com a satisfação de usuários/as com o teleatendimento e da equipe profissional por estar em casa, isolada. Sobre os efeitos da retomada das atividades presenciais, mesmo que paulatinas, esta exigiu novas reformulações dos processos de trabalho. Não havia mais um modo antigo de trabalhar para o qual se retornaria. Havia um novo processo a ser reconstruído cotidianamente, frente às adversidades e desafios impostos, havia sim um novo encontro presencial permeado pelo medo do contágio, pelas marcas do luto por tantas vidas perdidas, pela saudade, pela vontade de rever e de abraçar, pelas interdições dos toques, por novos procedimentos de higiene, pelas máscaras nos rostos e álcool em gel nas mãos. O retorno às atividades presenciais do CER IV marcou de diferentes formas os corpos das pessoas. Para alguns, foi um processo atravessado pelo desejo de retomada, para outros, pelo medo, e ainda tiveram aqueles para quem o retorno foi uma impossibilidade. Vários corpos, diferentes experiências e afetações, na construção de novas cenas de cuidado.


Considerações finais


Diante disso, conclui-se que houve no CER IV na Paraíba reinvenções, como o uso de aplicativos virtuais tais como Whatsapp® e Google Meet®, em resposta à pandemia da COVID-19 que afetaram sua oferta de cuidados em reabilitação, introduzindo um conjunto básico de invenções no cotidiano de seus serviços para que seus usuários, familiares e profissionais de saúde pudessem lidar, mesmo em meio a incertezas e medos, com as necessidades de saúde dessas populações em tempos de pandemia e isolamento social.