Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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O Cuidado no campo AD: desafios e resistências
Daniel Emílio da Silva Almeida, Carolina de Oliveira Armani, Julio Alves Pereira, Thamiris dos Santos Gonçalves, Maria Paula Cerqueira Gomes

Última alteração: 2022-01-24

Resumo


ApresentaçãoNo momento atual do cenário brasileiro, no qual vivemos grandes retrocessos em diversos campos de políticas públicas, temos como objetivo do resumo trazer um panorama geral de tal fenômeno no campo do processo de cuidado para usuários que fazem uso abusivo de álcool e outras drogas. Com o discurso de novas políticas, observamos o resgate e recrudescimento de práticas autoritárias, que atualizam antigos arranjos com graves problemas quanto a direitos humanos, com diversos relatos e evidências de maus tratos e violências no campo do cuidado que perpassam vários tipos de instituições manicomiais, como as comunidades terapêuticas (vide Relatório Da Inspeção Nacional Em Comunidades Terapêuticas-2017) (DO CIDADÃO, 2018).Entretanto, não podemos deixar de ressaltar as estratégias de resistência tanto no campo das políticas públicas, quanto nos espaços de produção do cuidado, que se dão nos processos intensivos de trabalho que ocorrem nos serviços territoriais.O presente estudo é decorrente de reflexões de vários pesquisadores implicados no campo de produção de conhecimento e cuidado no campo do uso abusivo de álcool e outras drogas, e possui uma abordagem inspirada em processos cartográficos (MERHY, 2014).
Desenvolvimento do trabalho:Vivemos um momento no qual observamos um redirecionamento, a nível de governo federal, de políticas e abordagens que desembocam em uma mudança muito importante quanto aos processos de cuidado no campo AD: a abordagem de redução de danos, segundo as normativas - visualizada a partir de uma lógica repressora e moralizante -, passou a ser fortemente preterida frente ao fomento preferencial à proposta de abstinência, considerada esta sim como realmente eficaz no processo de cuidado.Em conjunto a tal ação, serviços como as Comunidades Terapêuticas, locais que se pautam na lógica do isolamento, da abstinência e, majoritariamente, contam com violências e situações de violação de direitos humanos, passaram a ganhar ainda mais notoriedade e investimento público, o que redobra os desafios das redes calcadas inicialmente em prol da redução de danos e cuidado em liberdade (DO CIDADÃO, 2018).Estratégias de resistência são constituídas nos mais variados campos: constituição da Frente Parlamentar Mista em Defesa da Reforma Psiquiátrica, organização de diversas frentes em defesa do cuidado em liberdade, como Frente Estamira de CAPS, Frente Ampliada em Defesa da Saúde Mental, da reforma Psiquiátrica e Luta Antimanicomial, assim como outros movimentos históricos, como RENILA, MNLA, Conselhos de Saúde… Entretanto, trazemos menção especial neste resumo um espaço privilegiado de resistência, que é o campo da produção do cuidado cotidiano - sobretudo a partir da dimensão do encontro e do que daí pode ser tecido enquanto cuidado.O processo de cuidado em saúde no campo de álcool e outras drogas tem em grande parte de sua história e produções o fortalecimento dos arranjos existenciais des usuáries. Sendo que, quando fazemos menção a isto, o fazemos no sentido da produção de apoio a formas de operar perante a vida que ampliem as suas respectivas autonomias, constituam espaço de confiança e cuidado para que caminhem cada vez mais perante seus desejos e exercendo formas de cuidado de si que respaldem formas de viver mais alegres ou que deem suporte nas tristezas, sempre em direção à garantia dos direitos humanos enquanto princípio da assistência a ser ofertada (DELEUZE, 2002). Tal aposta, no cerne de boa parte de seus movimentos e estruturação, faz com que suas formas de operar cotidianas, não sem tensões ou desafios, se constitua como uma dos principais campos de resistências cotidianas.
Resultados e/ou impactos: os efeitos percebidos decorrentes da experiência ou resultados encontrados na pesquisa;Com isso, o que percebemos e destacamos no presente trabalho, é que além de se nortearem pelas políticas de Redução de Danos, há uma capacidade de os CAPS AD operarem, muitas vezes, a partir de uma produção de cuidado cotidiana que se constitui  privilegiando o plano da micropolítica, valorizando assim os processos de produção de subjetividade enquanto cuidado.  Ou seja: é através do que pode construir em termos de autonomia e cuidado a partir das relações que se dão entre sujeito e mundo e sujeito e outros que temos a tessitura e invenção de atos de cuidado que escapem às lógicas punitivistas ou endurecidas frente a questão do uso prejudicial de álcool e drogas.O tema da atenção des usuáries de álcool e outras drogas sempre gerou muitas tensões no interior da própria rede de Saúde Mental, bem como em outras redes, pois existem questões que extravasam os limites de uma só rede ou setor. Por isso essa discussão neste momento se torna tão importante e necessária.Precisamos sustentar neste campo de cuidado um olhar para as singularidades, vislumbrando a oferta de conexões em prol da vida. Neste sentido, um desafio posto é a necessidade de transpassarmos a expectativa moral do cuidado a essa população, criando diferentes meios de existência pela via de um cuidado feito com e para o usuário. Assim, fazemos novamente um caminho pela Redução de Danos: Petuco (2016) considera que a RD enfoca a questão do uso de drogas a partir de uma perspectiva dialógica, que valoriza a voz dos sujeitos para além do sintoma, como produtora de conhecimento do próprio cuidado.Nosso objetivo é não somente enfatizar este modo ético de produção clínica de cuidados, mas, sobretudo, apontar para a capacidade de resistência que aí encontramos frente ao cenário atual das políticas e práticas endurecidas que crescem para o campo AD. Isto porque apostamos ser a partir dos próprios processos subjetivos que ganham forma com a aposta na micropolítica dos cuidados que podemos tecer produções e direções efetivamente singularizadas, interseccionalizadas e éticas no cuidado - e portanto, potentes enquanto resistência. Um cuidado em proximidade, numa perspectiva de encantamento na clínica AD e que se dissociam das formas duras de cuidar.A aposta na constituição de ações direcionadas pela construção de uma economia de proximidade, que apostem em processos singulares que nos ajudem a pensar um itinerário de cuidado a partir da micropolítica. Constituindo trajetórias imprevistas e em ato, como no caso de um usuário que, com a indicação de internação, fabricou seu cuidado a partir da compreensão que tivemos de como era importante, para ele, ir à praia antes de iniciar a convivência no CAPS. Ou um outro que se apaziguava quando manuseava argila e ouvia música. Considerações finais;Observamos que, mesmo frente ao cenário atual de tantos retrocessos no campo da Saúde Mental e do uso abusivo de Álcool e outras drogas, com ações de cunho morais, religiosas e manicomializantes, processos de resistência se multiplicam, em âmbitos mais amplos no que se refere à ações de movimentos sociais, mas também inerentes aos processo de cuidado que se fazem na aposta na produção de autonomia.Observamos, no espaço privilegiado da produção do cuidado nos serviços substitutivos, a aposta de fomento de autonomia, no encantamento pelos processos singulares e interseccionais des usuáres. Reconhecemos assim que é indispensável ratificar as práticas de cuidado construídas neste campo, um cuidado que se dá na relação, que inclui o sujeito, o território e as conexões da vida. E que está para além de modelos prescritivos e normativos de cuidado com um único objetivo a ser alcançado: a remissão do sintoma e o isolamento do território existencial dos sujeitos.