APRESENTAÇÃO

De acordo com o Caderno de Atenção Domiciliar (2021), a abordagem domiciliar faz parte de um elemento fundamental na gestão do cuidado com prática diagnóstica e terapêutica, uma vez que permite conhecer a família e seus possíveis aspectos que influenciam o bem-estar biopsicossocial de seus membros. A abordagem familiar é uma importante estratégia de cuidado utilizada na Atenção Primária à Saúde (APS), tendo em vista que a família é considerada a dimensão mais importante do ambiente social dos pacientes. É imprescindível o conhecimento da estrutura da família, bem como a identificação de suas fragilidades e potencialidades no processo de adoecer, viver e morrer. Além disso, é necessário compreender como o núcleo familiar se organiza diante do enfrentamento de problemas, enfermidades e situações de difícil manejo. O objetivo deste trabalho consiste em descrever a experiência na formação médica com a aplicação da metodologia do autocuidado apoiado ou 5As, considerando os estágios de avaliação, aconselhamento, acordo, assistência e acompanhamento na perspectiva da construção, promoção e adoção do empoderamento em saúde parte dos membros das famílias visitadas ao longo do semestre.

DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO

Tendo como objetivo, o exercício do instrumento a abordagem familiar, o planejamento da disciplina Ações Práticas Integradas em Saúde (APIS) do segundo semestre do curso do curso de Medicina da universidade, com descrição da realização de três visitas num território adscrito ao município de Fortaleza. A princípio, foi proposta uma abordagem centrada nos princípios da APS com o intuito de, efetivamente, promover o suporte no núcleo familiar que teria alguma problemática a ser trabalhada pelos discentes do curso.Para isto, foi necessário conhecer melhor uma família, resgatar informações importantes e analisar através da aplicação das ferramentas como genograma, ecomapa, instrumentos para fortalecimento do autocuidado apoiado (5 As), bem como discussão com a Agente Comunitária de Saúde (ACS) da microárea/território da família em estudo. Para uma possível intervenção, fez-se necessária a realização de estudos e referências para subsidiar a análise da família e sua relação com o processo saúde-doença. A família visitada, destaca-se pela de extrema vulnerabilidade social, destacando-se: um perfil de família extensa de oito membros, cuja chefe da família era uma mulher, solteira, negra e idosa; Condição de luto após perda de um adolescente (neto) por situação de violência, um adulto do sexo masculino vivendo com HIV e trabalhando como profissional do sexo, outro alcoolista crônico, e os demais adultos que compunham a família sem oportunidade de emprego. Para além da condição vulnerável supracitada, identificou-se como um agravante o fato de alguns dos membros da família se recusarem à vacinação contra a Covid-19, dentre eles, a matriarca. Os motivos dessa recusa giravam em torno principalmente do desconhecimento a respeito da importância da vacina, o que revela uma grande deficiência em educação em saúde na região.

RESULTADOS

Com a aplicação dos 5As, foi analisado que a família apresentava diversas dificuldades, relacionadas, principalmente, ao contexto social no qual está inserida. Foi observado problemas socio-economicos, como condições precárias de moradia, insegurança alimentar, alcoolismo, prostituição, recismo estrutural, violência e estagio de luto. Sob esse viés, decidiu-se que, mesmo com diversos fatores a serem trabalhados, a questão da imunização contra o COVID-19 era a mais urgente, visto que, a pandemia ainda está afetando, principalmente, as camadas populares mais vulneráveis.Durante as visitas, conforme o tema “vacina” do Covid era trazido à tona, surgiam muitas dúvidas em relação à necessidade da mesma. Diante disso, foi elaborada, uma pequena explicação (aconselhamento) sobre a proteção das vacinas no corpo e sua importância para a saúde, utilizando-se a analogia como metáfora, dos anticorpos do organismo como os soldados que combatem as doenças, e os componentes da vacina estimulavam e davam força para o combate. Assim, ficou claro que a vacina era um meio de prevenção, e não tratamento, como acreditavam alguns integrantes da família. Além disso, observou-se a necessidade de informar as consequências da recusa da vacina, de maneira acolhedora e cuidadosa, ressaltando as dificuldades de garantia de determinados direitos caso não apresentassem comprovante de vacinação. Por fim, elaborou-se um panfleto informativo para facilitar a orientação da família em relação ao cadastro virtual e à localização dos principais postos de vacinação acessíveis. Devido a toda a movimentação na casa, com um grande número de pessoas nela presente, não foi possível o contato com todos os membros da família, porém, foi possível facilitar o acesso ao sistema de vacinação, por meio de anotações para serem consultadas sempre que necessário e links já prontos e salvos em uma pasta de fácil acesso, ação capaz de agregar os demais moradores que não estavam presentes na intervenção. Com o envolvimento dos presentes, foi possível realizar o cadastro de alguns deles na plataforma de vacinação do estado (Saúde Digital), fornecer informações relacionadas ao processo de repescagem para segunda dose dos faltosos na data prevista, bem como acordar sobre o calendário vacinal das crianças da família e da possibilidade delas também serem vacinadas, a depender das atualizações clínicas referentes à imunização. Finalmente, a chefe da família, depois de ser apresentada a todos os recursos dialógicos preparados pela equipe, concordou em receber a primeira dose do imunizante.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A aplicação da metodologia do autocuidado apoiado, sob outras questões relacionadas ao contexto socioeconômico da família evidenciou a necessidade de um plano de intervenção complexo, substancialmente integrado com os princípios da APS. Sob a ótica dos estudantes, foi vivenciado a abordagem familiar em seu conceito amplo, no formato de visita domiciliar. A desconstrução do modelo biomédico com a busca de não tratar apenas a doença, mas compreender a família como um todo e entender suas principais dificuldades foi um dos grandes aprendizados da atividade. Notou-se que, apesar da necessidade de atualizações clínicas frequentes durante a carreira médica, é essencial o estabelecimento de vínculo e confiança entre médico-paciente para uma intervenção que
envolvesse promoção e educação em saúde. O aprendizado também envolveu a percepção das dificuldades dos profissionais da saúde nas ações da APS e do sistema de saúde como um todo, e para os estudantes o sentimento de frustração e impotência veio à tona, ao mesmo tempo em que o desejo de serem agentes transformadores de um sistema pautado nos princípios do Sistema Único de Saúde (SUS) e nas atribuições da APS foi fortalecido.