Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida
v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Última alteração: 2022-01-05
Resumo
Apresentação: As necessidades em reabilitação estão cada vez mais variadas e crescentes, representando um desafio a Rede de Atenção à Saúde. A Atenção Primária a Saúde (APS) com sua maior capilaridade, como principal porta de entrada do sistema e coordenadora do cuidado, oferece uma configuração importante para o cuidado integral e longitudinal ao usuário, família e comunidade, favorecendo maior abrangência das ações reabilitadoras e maior adesão dos usuários ao tratamento. Este trabalho tem por objetivo relatar as práticas profissionais de duas fisioterapeutas do Núcleo Ampliado da Saúde da Família NASF-AP do município de Campo Grande/ MS, preceptoras de estágio curricular, a partir das narrativas e da percepção de quatro acadêmicos do último semestre do curso de Fisioterapia da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS).
Desenvolvimento: Na APS do município de Campo Grande/MS, 45 unidades contam com o apoio de 16 equipes NASF-AP; todas com fisioterapeutas. Entre várias atribuições, o NASF-AP desenvolve ações em reabilitação pactuando e compartilhando intervenções com as equipes de referência, o que oportuniza a horizontalização de saberes por meio de atividades como: discussões de casos, visitas domiciliares, atendimentos compartilhados ou individualizados, integrando os aspectos clínicos, sociais e epidemiológicos, buscando a fragmentação da atenção de forma corresponsabilizada com a ESF e com os usuários. As práticas terapêuticas são práticas assistenciais que permitem o cuidado em reabilitação na APS com resolutividade, considerando as necessidades e possibilidades identificadas no território, sendo uma potente estratégia de cuidado do profissional fisioterapeuta inserido neste contexto. Os acadêmicos acompanharam as fisioterapeutas do NASF-AP em diferentes Unidades de Saúde da Família durante os dois meses de estágio. A seguir, as narrativas desses estudantes a partir dessa experiência formativa. “Como acadêmicos percebemos a alta demanda por cuidado na APS proveniente da população do território, suas carências, fragilidades e potencialidades, e as adaptações que os profissionais e o sistema fazem. Para a fisioterapia, os usuários eram encaminhados por um profissional da ESF através de agendamento, evidenciando a relação interdisciplinar entre as profissões e demonstrando a confiança por parte das equipes de ESF no trabalho do fisioterapeuta. As unidades apresentam uma rotina agitada e as fisioterapeutas adaptam-se às estruturas disponibilizadas, as quais, muitas vezes, são inadequadas e/ou insuficientes. Exemplo, nas Unidades não há sala destinada para as fisioterapeutas, o que impõe a necessidade de ajustes para o desenvolvimento de suas atividades. Na consulta, o usuário era abordado de forma humanizada, com escuta qualificada, priorizando informações importantes para entender o processo de adoecimento do usuário. A realização de uma avaliação que considere os aspectos físicos e a história de vida dos usuários são ferramentas importantes para traçar objetivos terapêuticos pertinentes, a partir de um olhar ampliado para o usuário, suas singularidades e seus modos de vida. A pouca disponibilidade de recursos de maior densidade tecnológica implica na necessidade de aperfeiçoamento das técnicas de avaliação, com amplo olhar clínico, epidemiológico, social e cultural do profissional. Somado a isto, o fisioterapeuta do NASF-AP exerce um papel fundamental no sentido de qualificar os encaminhamentos e reduzir a fila de espera para a especialidade. Observamos, ainda, o quanto é importante que o usuário entenda seu papel no processo de tratamento, que compreenda que é corresponsável pelo sucesso das propostas terapêuticas; isso precisa estar bem claro e ser pactuado com os usuários. O fisioterapeuta do NASF-AP não tem muitos recursos tecnológicos ao seu dispor, logo seus melhores instrumentos terapêuticos são suas mãos e as orientações adequadas que oferecem aos usuários. Nós, estudantes, junto com as fisioterapeutas do NASF-AP, nos empenhamos em proporcionar cuidado aos usuários conforme suas necessidades, com ações educativas abordando hábitos posturais, o uso da termoterapia para diminuição do quadro álgico, o emprego da cinesioterapia com a produção de cartilhas contendo exercícios individualizados para cada usuário nas diferentes fases do tratamento, fornecendo explicações com linguagem acessível, de maneira direta e calma sobre como eles devem realizar os exercícios em domicílio. Durante os dois meses conhecemos vários usuários com distintas queixas e afecções, como lombalgia, tendinites, fascite plantar, dores nos joelhos, pós-operatórios, acidente vascular encefálico. Esse amplo caleidoscópio de agravos em saúde causou, inicialmente, um pouco de medo e incerteza na organização de um plano de tratamento eficaz, mas com o tempo e a devida orientação de nossas respectivas preceptoras pudemos empregar a ampla gama de conhecimentos e ferramentas que o fisioterapeuta dispõe e as distintas possibilidades terapêuticas viáveis para os usuários nesse ponto de atenção da RAS. Assim, constatamos que qualquer fisioterapeuta responsável e comprometido com suas atribuições tem possibilidades de enfrentar os desafios da reabilitação na APS com eficiência e resolutividade. Aprendemos muito com a experiência, desenvolvemos projetos terapêuticos, vimos como o usuário é inserido na rede através da APS, observamos a atuação interdisciplinar do NASF-AP através das consultas compartilhadas, detectamos a necessidade da atuação de outros profissionais em diversos casos e os encaminhamos para um cuidado integral. Entre os usuários que conhecemos, acompanhamos a evolução e a satisfação destes quanto ao serviço, quanto aos atendimentos, quanto ao vínculo que criamos com eles, mesmo em tão pouco tempo. Nada melhor que narrar uma experiência para demonstrar a potência do cuidado em fisioterapia da APS: houve uma usuária que procurou a fisioterapia por apresentar tendinite e dor no ombro. Realizamos a avaliação através da inspeção, palpação, amplitude do movimento e testes especiais e vimos as limitações funcionais. Após ouvir sua história e detectar possíveis causas da lesão, orientamos sobre pequenas mudanças de hábitos posturais e aplicação de crioterapia, marcamos um retorno para que pudéssemos avaliar como ela reagiria. Ao retornar, a usuária já relatou melhora do quadro álgico, no sono e outros sintomas que também a incomodavam anteriormente. Ficamos felizes com o sucesso e a evolução do tratamento e prescrevemos orientações de exercícios de mobilização articular. Semanas depois, a paciente retornou praticamente sem dor, sono estabelecido, realizando todas as orientações fornecidas e satisfeita com o tratamento. Diante disso, elaboramos e oferecemos uma cartilha contendo exercícios personalizados e individualizados de acordo com suas necessidades para que ela pudesse evoluir no tratamento.
Considerações finais: Na sala de aula, os conceitos de tratamento teórico são encontrados nos livros didáticos e às vezes é um processo excessivamente objetivo que considera essencialmente as lesões e disfunções. Por outro lado, ao desenvolvermos o cuidado fisioterapêutico e em saúde junto a um usuário na vida real, aprendemos que existem outros fatores que podem ou não influenciar os sinais e sintomas desse usuário. Observamos que os construtos emocionais, psicológicos e espirituais têm grande influência no bem-estar geral do paciente e através de uma avaliação adequada, conversação e escuta qualificada é possível fazer um diagnóstico correto e, consequentemente, um efetivo plano de tratamento, tendo a clareza de que o usuário é mais do que apenas os aspectos biológicos, e que o indivíduo em geral, em todas as facetas, deve ser considerado. É com grande satisfação e motivação que encerramos nosso estágio, testemunhando usuários que entram nos consultórios com escala de dor entre 8 e 10 e após avaliação minuciosa, boa escuta e orientação adequada, no espaço de uma semana apresentaram uma redução da dor para 0. Isso demonstra claramente que o fisioterapeuta do NASF-AP, mesmo com poucos recursos tecnológicos, desempenha um papel importante no bem-estar geral dos pacientes e na produção de práticas terapêuticas em reabilitação na APS.