Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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“SER AGENTE COMUNITÁRIO DE SAÚDE” NA CONTEMPORANEIDADE: NOVAS COSTURAS...NOVOS PONTOS... NOVAS LINHAS
Mirna Neyara Alexandre de Sá Barreto Marinho, Olga Maria de Alencar, Ana Lezileidia Pedrosa Araújo, Iara Ferreira Oliveira, Antônia Eloisa Ferreira Dias, Ivoneide Alves da Silva, Gina Kércia Alves do Carmo, Maria Rocineide Ferreira da Silva

Última alteração: 2022-01-07

Resumo


Apresentação: Este estudo faz parte de uma tese de doutorado sobre a cartografia da profissão Agente Comunitária de Saúde (ACS). Está ancorado nas concepções filosóficas, teóricas e metodológicas de autores que dialogam com a filosofia da diferença, cartografia, micropolítica e trabalho vivo em ato, de maneira que procuramos cartografar as práticas das ACS e as tecnologias de trabalho na saúde, tendo como pressuposto o seu caráter imaterial e a centralidade do trabalho vivo nos atos produtivos associado ao modelo tecnológico, que supõe o uso de tecnologias duras, leve-duras e leves. O ACS é uma profissão recente, criada exclusivamente para o Sistema Único de Saúde (SUS), mas que vem, desde sua criação, passando por modificações no que concerne as suas competências técnicas, políticas e sociais. É consenso na literatura que se trata de profissionais de saúde essenciais para efetivação dos atributos da atenção primária e para o fortalecimento do SUS, pois a lógica de seu trabalho tem como premissa superar o modelo biomédico, promovendo novas formas de cuidado, tendo como objeto de atuação a promoção da saúde. Em sua maioria são mulheres, que atuam como mobilizadoras sociais nos territórios onde vivem e trabalham, consolidando uma compreensão do universo da comunidade e dos cuidados com a saúde. Dessa forma, contribuem para o processo de delimitação do território, uma vez que os territórios são sempre diversos e estão em movimento complexo, em revisão permanente de seus fluxos e contornos. As ACS são devires. Devir é um conceito filosófico próprio do desejo, é um verbo com toda sua consistência, não se reduz nem nos faz pensar em parecer nem em ser(...) devir é fazer rizoma, assim como a profissão ACS. Este estudo tem como objetivo compreender os sentidos e sentimentos produzidos pelas ACS durante a vivência, enquanto sujeitas participantes ativas do trabalho de campo da pesquisa, identificando seus contornos, costuras e linhas inerente ao processo produtivo do devir-ACS. Desenvolvimento: O trabalho se insere no campo da pesquisa-intervenção, que pretende cartografar as singularidades da realidade, da produção no mundo vivo das ACS com seus sentidos, significados, sonhos, desejos e atitudes em constante processo de singularização. A cartografia é um método inovador da pesquisa qualitativa, em que pesquisadora e pesquisadas estão inseridas numa relação implicacional com o objeto de estudo construída “em” e “no” processo. A cartografia propõe uma reversão metodológica, costumeiro dos métodos tradicionais, que traça um caminho bem definido para alcançar objetivos pré fixados (meta-hódos). A reversão afirma um Hódos-meta, em que o desafio é durante o caminho traçar as metas. A cartografia é uma pesquisa sem direção preestabelecida, fixa ou imutável que a oriente, sendo construída por pistas que norteiam o percurso, de modo a estimular a liberdade criadora da pesquisadora ao se deparar no plano da experiência. Os dados, aqui apresentados, são resultados das narrativas construídas coletivamente em uma das quatro oficinas da pesquisa.  A oficina é uma técnica amplamente utilizada no método cartográfico, em que pesquisadora e pesquisadas se encontram implicadas com as questões em análise. Na oficina usamos a poesia como linha condutora para a produção das narrativas. Fizemos o varal poético com fragmentos de poesia de rua e   montamos uma exposição com as narrativas produzidas individualmente, sendo posteriormente desenvolvida uma bricolagem que culminou com a narrativa coletiva: “ser ACS na contemporaneidade”. No campo da pesquisa cartográfica a narrativa emerge como possibilidade, a partir do encontro com os heterogêneos, de recriar experiências, transmitidas por uma história coletiva de conhecimentos, sentimentos, sentidos e práticas sociais. Participaram da oficina cinco ACS, sendo todas mulheres residentes da zona urbana. O cenário do estudo foi o município de Tauá, localizado no sertão dos Inhamuns, região do semiárido do Ceará. Resultados: A narrativa produzida na oficina é um texto de 12 laudas, que para fins de organização deste manuscrito apresentaremos dois fragmentos, composto pelos núcleos narrativos: (1)“Ser ACS” e (2) O atravessamento da pandemia no trabalho. No núcleo narrativo 1 as ACS trazem à tona as singularidades e multiplicidades do saber-ser-fazer. Para elas: “ACS é o elo de ligação entre a comunidade e a unidade de saúde, mas hoje em dia essa ligação está um pouco estremecida. Hoje a linguagem é outra, o agente de saúde fala uma linguagem e a comunidade outra”. Também percebemos na narrativa um distanciamento entre as ACS e os demais membros da equipe: “Existem controvérsias entre ACS e a UBS de referência em relação aos profissionais. De um lado o ACS sempre fica com suas angústias de não “saciar” (// ser resolutivo) em seu trabalho no dia a dia. Nos dias atuais ser ACS é estar sempre buscando se aperfeiçoar em conhecimentos, mas também ser dinâmico, se renovar a cada dia, está ligado a comunidade. Ter atenção, disponibilidade e amor. É também recorrente o sentimento de desvalorização profissional tanto por parte delas como pelos demais profissionais e da comunidade, como podemos observar na narrativa: precisamos aprender a nos valorizar, senão morremos e somos esquecidos por todos, inclusive pelo Estado, que nos criou. Somos esquecidos até mesmo pelos colegas de profissão. Então, ser ACS é ser espelho. É saber que o elo com a comunidade ainda não perdeu o sentido, mesmo diante de tantas diversidades, de tantas inovações tecnológicas, o trabalho do ACS é necessário. O contexto atual exige novas costuras, novos pontos sem que se perde o fio, [...]. Ser ACS é ter amor ao próximo, é ter um olhar e escuta diferenciado, [...] Com o tempo nosso trabalho faz com a gente fique corajosa, crie argumentos e às vezes a gente tem que estudar pra ter os argumentos, porque não é só chegar e dizer o que o ACS tem que fazer, tem que explicar o porquê tem que fazer, hoje eu pesquiso para ver se o que estão me pedindo é o que realmente o ACS pode fazer[...]. No fragmento 2 as ACS trazem toda insegurança e medo que a pandemia provocou, mas sobretudo como elas tiveram que buscar atualizações com o uso de tecnologias digitais para continuar fazendo seu trabalho. [...]“você ainda pode sonhar”, esta frase tem tudo a ver com a minha vida, porque a minha vida é dividida antes de ter Covid e depois, mas foi um momento importante para eu rever muitas coisas na minha vida. Esse tempo está difícil para todo mundo, mas a gente consegue ver flores nascer no deserto. O trabalho está mais eficiente, mais ágil e a gente está produzindo muito mais, porque antigamente a pessoa morava na minha área, mas eu não via, porque trabalha em outra cidade, agora eu pego o contato e faço até o cadastro via whatsapp. Considerações: Ao olharmos para o trabalho vivo em ato produzido pelo coletivo ACS percebemos que mudanças têm se operacionalizado em constante movimento, sem nenhuma ordenação cartesiana, de maneira que as multiplicidades de saberes e práticas estão em permanente conectividade, formando redes rizomáticas. Em outras palavras, o trabalho das ACS flui com o movimento da vida e vem demostrando ser uma potência no cuidado comunitário.