Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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Processo de cuidado em saúde: tensões, desafios e potências
Daniel Emi­lio da Silva Almeida, Patrícia Ferreira de Lima, Marcella Costa Brajão, Claudia Aparecida Amorim Tallemberg, Kathleen Tereza da Cruz, Maria Paula Cerqueira Gomes

Última alteração: 2022-02-23

Resumo


Apresentação O processo de cuidado em saúde perpassa diversos desafios quando se propõe a ofertar um acompanhamento e apoio a outrem, fomentando seus exercícios singulares de autonomia e portanto, seu plano de cuidado singular. Este trabalho visa problematizar os processos de cuidado em saúde a partir da experiência de seus autores nestes desafios no mundo do cuidado e em pesquisas a respeito desta temática.Desenvolvimento do trabalho:As problematizações decorrentes do trabalho partem de pesquisas, de abordagem cartográfica, relacionadas a processos de cuidado no cotidiano, nos quais profissionais de saúde se vêem em situações que provocam suas próprias formas de produzir o cuidado em saúde (MERHY, 2014). Os relatos são decorrentes de pesquisas e de situações descritas na literatura. A investigação foi aprovada em nível nacional pelo Comitê Nacional de Ética em Pesquisa por meio do CAAE Nº:   27159214.9.0000.529.Uma criança e uma escolha de vidaUma criança que fez um transplante renal… Esta tem o enxerto, conseguido a duras penas, a partir de um processo de seleção de compatibilidades de enxertos que não raro não é rápido, e após uma cirurgia importante, e a partir da qual tem uma nova promessa de vida. Entretanto, a cada dia que faz uso da medicação imunossupressora, e que lhe acompanhará por longos períodos de sua vida, se sente incomodada. Esta, que se vê como uma menina, vê o crescimento de pelos por todo o corpo, e tal situação lhe impacta profundamente. Ela não tem a escuta de adultes ou profissionais de saúde. Como ação a fim de preservar sua felicidade, faz o que lhe é possível… Não faz uso da medicação… Perde seu enxerto e a promessa
Nos defrontamos no processo de cuidado com os desafios de fomentar a autonomia de outrem, que tem desejos e muitas vezes perspectivas de mundos diversas das nossas. Tal desafio passa pelo deslocamento cotidiano de construirmos perspectivas diferentes das concepções fixas fabricadas nas formações tradicionais em saúde. Arranjos de cuidado mais sensíveis que aqueles puramente centrados em perspectivas anatômicas, bioquímicas, farmacológicas, psicológicas, entre outras. Ume sujeite que não é previsto por teorias universais, encaixáveis em algoritmos a partir dos quais, mediante certas características, tem intervenção, medicamento e diagnósticos certos e pré-concebidos. Somos convidados a nos abrirmos a singularidades e iniquidades.Podemos considerar como ume profissional de saúde, branque, que vive em uma área de classe média, e tem certas maneiras de visualizar os regimes de verdade em seus mundos, fortemente marcade por uma formação medicalizante e biomedicalizante da produção de saúde, se vê com o desafio de construir formas de cuidadocom uma idosa preta, pobre, que vive sob intensos processos de vulnerabilização segundo os serviços de saúde (CLARKE, 2014; IRIART; MERHY, 2017).Cuidado e segregação: história de MSMS vivia sozinha, e após meses sem medicamentos antidepressivos (em falta no centro de saúde de referência) passa a apresentar comportamentos que sugerem o agravamento de sua situação de saúde mental. Se mostra desorganizada quanto a questões cotidianas, como cuidado doméstico, gestão da sua medicação e etc. MS passa por processos nos quais se mostra mais organizada, tem cuidado intensivo de serviços de saúde mental, mas, ao retornar ao território e sua casa, os arranjos de cuidado se mostram menos intensivos, esta se torna distante e torna a ter um agravamento de sua saúde mental. Por fim, a usuária conhecida por sua autonomia perante a vida, é institucionalizada para seu próprio “bem”.
Uma criança que nega certos medicamentos imprescindíveis a sua vida por certos efeitos considerados “estéticos” em seu corpo. A senhora preta, idosa e solteira, que insiste em levar a vida nas formas que tem desejo, até que, frente a dificuldades quanto a saúde mental é institucionalizada para seu próprio “bem”. O que as suas histórias nos ensinam sobre a produção do cuidado? O desafio não só de questionarmos os algoritmos prévios frente às vidas, que não são capazes de abarcar os desejos des usuáries e de suas formas de significar o sofrimento, como também problematizarmos as nossas próprias perspectivas frente às tecnologias em saúde que fazemos uso. Não raro a produção destas tecnologias são direcionadas a partir dos nossos valores : o que seria uma característica “puramente estética”? Quem tem o direito e autoridade de discutir seu próprio tratamento? As formas de viver diferentes das nossas deveriam ser retificadas a fim de se tornar menos  vulnerabilizadas? Quais valores fazemos uso e o que negociamos? Estas questões nos convidam a interrogar a normalização com a qual realizamos intervenções que respaldam e perpetuam desigualdades. A criança que nega a medicação eficaz, poderia fazer uso de um medicamento, mesmo com indicadores ideais piores mas mais adequados com seus desejos e processo de cuidado?Há arranjos de cuidado que poderiam se encaixar nas formas de existência vulnerabilizadas para uma idosa, preta, pobre e “louca”?Até que ponto a eficácia e arranjos de cuidado estruturados não são forjados de formas a constituir mais reatividades, consolidando mais do mesmo, e não se abrindo às demandas singulares que se dão em ato (MERHY, 2014)? Por mais que as evidências epidemiológicas sejam relevantes ,é de suma importância nos abrirmos, vivermos a experiência em ato do encontro de forma a nos deslocarmos de teorias e das nossas próprias perspectivas de mundos prévias como regimes de verdade únicos.
Resultados e/ou impactos: os efeitos percebidos decorrentes da experiência ou resultados encontrados na pesquisa;Tivemos a oportunidade de, a partir de usuáries e processos de cuidado disparadores, aprofundar e disparar várias questões pertinentes quanto ao cuidado em saúde.Tais discussões tiveram interferências sobre o processo de cuidado nas redes que nos inserimos, gerando espaços de discussão e negociação, assim como foram preciosos para discussões de pesquisa, no fomento de análises mais profundas sobre o cuidado em trabalhos acadêmicos.Por fim, como parte de nossas análises, podemos considerar o que Larossa (2002) em seu artigo se refere à experiência como aquilo que nos passa, enfatizando como muitas coisas se passam, mas quase nada recolhemos e processamos do que nos afeta e acontece. Retorna Walter Benjamin quando se refere à pobreza e à raridade das experiências no mundo atual. Especificando o excesso de informação, opinião, trabalho e falta de tempo como razões que dificultam a vivência da experiência como algo que realmente atravesse o sujeito. Endossa que o sujeito da experiência se define não por sua atividade, mas por sua passividade, por sua receptividade, por sua disponibilidade, por sua abertura. Trata-se, porém, de uma passividade feita de paixão, de padecimento, de paciência, de atenção, como uma receptividade primeira, como uma disponibilidade fundamental, uma abertura essencial (BONDÍA, 2002).
Considerações finais; Consideramos que as reflexões conectam com o compromisso ético-político em promover práticas de cuidado que afirmam a potência da vida em sua multiplicidade, nos múltiplos encontros entre trabalhadores, usuáries e as cidades.Assim como enfatizam a necessidade de reconhecermos o saber de outrem como válido, e produzem conhecimento acerca de como se constitui o cuidado de si, e dos diferentes coletivos.