Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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Efeitos da Iniciação Científica e da Monitoria na Formação Médica - Relato de Experiência
Luíza Magalhães de Assis, Raphaela Silva Tavares Lacerda, Atila Carlos Missias, Marcos Paulo Fonseca, Leandro Marcial Amaral Hoffmann, Patty Fidelis de Almeida

Última alteração: 2022-01-11

Resumo


Apresentação. O tripé universitário ensino-pesquisa-extensão é um dos princípios da formação universitária, preconizado na Constituição Federal de 1988. Defende-se a indissociabilidade entre esses três pilares, cuja finalidade é promover processos formativos na interface entre ciência e tecnologia, regida por princípios humanistas, com valorização artístico-cultural, compromisso e responsabilidade social. À vista disso, para ocorrer de fato a atuação socialmente referenciada no âmbito das Instituições de Ensino Superior, é preciso superar a histórica fragmentação entre os três pilares por meio de experiências universitárias que atuem nessas frentes de forma conjunta e unificada. Nessa lógica, o presente relato de experiência é baseado na minha atuação como graduanda em Medicina da Universidade Federal Fluminense (UFF) em um projeto de pesquisa, que envolve a graduação e a pós-graduação vinculada ao Mestrado Profissional em Saúde da Família (ISC/UFF, ABRASCO e FIOCRUZ/MS), e em um projeto de iniciação à docência vinculado a duas das disciplinas do Programa Prático-Conceitual do curso, uma oferecida ao 3° e outra ao 4° período do curso de medicina da UFF, aqui tratadas conjuntamente como Trabalho de Campo Supervisionado II (TCSII). Dessa forma, o objetivo do relato é destacar a importância e os efeitos da interlocução entre as experiências de pesquisa e ensino na formação e carreira médicas. As experiências ocorreram durante o ano letivo de 2021.

Desenvolvimento do trabalho. No âmbito do projeto de pesquisa, no qual atuei como bolsista de Iniciação Científica e como aluna de uma das disciplinas eletivas de Iniciação Científica, realizei entrevistas junto a profissionais médicos da Atenção Primária à Saúde (APS) com o objetivo de avaliar a coordenação do cuidado na Rede de Atenção à Saúde (RAS) de Niterói. Entrevistei também pessoas portadoras de diabetes cujo acompanhamento estivesse sendo realizado na APS, com a mesma finalidade de analisar a coordenação do cuidado, porém pela perspectiva do usuário. A atuação no projeto de iniciação à docência ocorreu por meio do auxílio na preparação dos trabalhos finais das disciplinas de TCSII no semestre de 2021.1, que trataram de temas como territorialização e vigilâncias, cuidado integral e o processo de trabalho das unidades de saúde da APS e da Atenção Especializada (AE); e envolve ainda o acompanhamento das visitas dos alunos às unidades de saúde, juntamente com o professor responsável pela disciplina. O contato direto com a realidade e infraestrutura física do SUS - particularmente da APS - e com as diferentes perspectivas dos médicos e dos usuários permite desenvolver uma visão ampla do funcionamento das redes locais e regionais nos diferentes níveis de atenção, ressignificando a formação médica em sala de aula. O contato com os profissionais que atuam na APS, por meio das atividades de pesquisa e ensino, permite reconstruir o conceito de complexidade, levando-nos à reflexão sobre os diversos determinantes da saúde e a determinação social do processo de saúde-doença, para além do parâmetro tecnológico priorizado no ensino dos cursos de saúde, particularmente na medicina. As experiências mostram, na prática, que as tecnologias duras são insuficientes ou, às vezes, inadequadas para responder às necessidades de saúde dos usuários e da comunidade. Tais conceitos, introduzidos em componentes teóricos do curso, puderam ser “experienciados” no cotidiano, tornando-se portadores de sentido e ponto de partida para a aprendizagem significativa. Os profissionais de saúde e pacientes possuem um saber distinto ao transmitido em sala, adquirido estritamente pela teoria. Ainda nessa lógica, a construção idealizada do SUS é confrontada e permanentemente modificada pelo conhecimento empírico da realidade, principalmente a partir de pontos de vista distintos. Durante a realização das entrevistas é possível entrar em contato com o saber prático dos trabalhadores em relação ao processo de trabalho, ao cuidado dos usuários e à gestão da saúde pública. É possível apreender também a relação do profissional com o próprio trabalho, muitas vezes abalada pelo subfinanciamento generalizado do SUS e pelas condições adversas para a realização do cuidado em saúde. A atuação durante a monitoria vinculada à iniciação à docência foi afetada positivamente pelas experiências das iniciações científicas e vice-versa. A vivência em campo possibilitou um maior domínio sobre a realidade do SUS em Niterói, resultando no compartilhamento de diferentes pontos de vista sobre a oferta de serviços e a gestão do sistema de saúde durante o debate com os estudantes das disciplinas de TCSII, tornando-o mais qualificado. A iniciação à docência também permite um outro olhar para o SUS, como facilitadora do conhecimento e da reflexão dos alunos, que se soma à experiência da pesquisa e como estudante da graduação.

Resultados e Impactos. A complementaridade desses projetos extracurriculares, em relação às disciplinas regulares do curso de medicina, levam a uma nova perspectiva, pautada pelo conhecimento empírico e embasada pelo conteúdo conceitual, sobre a própria atuação médica e sobre a realidade da oferta de serviços no SUS. Outro aspecto relevante para a formação médica, ainda pouco incorporada nos componentes curriculares, é a necessidade urgente de promover, desde a graduação, iniciativas que fomentem o contato e a colaboração interprofissional e multidisciplinar em todos os níveis do sistema de saúde. A ausência de coordenação do cuidado, provocada por diversos fatores, é agravada pelas dificuldades em se estabelecer colaboração e comunicação entre os profissionais de saúde, o que deixa os usuários e familiares solitariamente responsáveis pela sua trajetória assistencial. Além disso, a possibilidade de atuação compartilhada junto a professores, outros discentes e mestrandos aumenta o potencial de compreensão abrangente da realidade e dos inúmeros desafios para garantir que o direito constitucional à saúde se materialize em acesso de qualidade. A garantia de experiências extracurriculares na interface ensino-pesquisa-extensão para o conjunto dos estudantes de medicina e demais cursos é indispensável para a formação de profissionais com compromisso social, princípio indispensável da formação no campo das ciências da vida e humanas.

Considerações finais. As duas experiências se complementam, se potencializam e evidenciam a grande importância do caráter prático, das vivências no território, do aprofundamento teórico e da interação e desenvolvimento do conhecimento junto à sociedade para a formação na área saúde, indo além da teoria dentro de sala de aula e além do componente prático restrito ao currículo do curso de medicina. Ao mesmo tempo, incitaram uma outra forma de se relacionar com o sistema público, que parte da desvalorização tão amplamente reforçada para uma atitude proativa de defesa e apoio à implementação radical de uma política pública de saúde universal e com qualidade.