Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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A jurimetria da judicialização da saúde: uma proposta de variáveis obrigatórias para a petição inicial do Processo Judicial Eletrônico (PJe)
Iara Veloso Oliveira Figueiredo, Gabriela Drummond Marques da Silva, Wanessa Debôrtoli de Miranda, Helvécio Miranda Magalhaes Junior, Fausto Pereira dos Santos, Mônica Silva Monteiro de Castro, Rômulo Paes de Sousa

Última alteração: 2022-01-10

Resumo


No Brasil, nas últimas décadas, tornou-se recorrente a provocação do Poder Judiciário para obter acesso a serviços e produtos na área da saúde, tanto em relação ao sistema público quanto ao sistema privado. As decisões judiciais impondo obrigação de fazer e fornecer prestações em saúde pelo poder público têm crescido ao longo dos anos. A tendência do judiciário é desconsiderar o impacto orçamentário das decisões e de apresentar o entendimento majoritário de que todos os entes da federação têm responsabilidades iguais pela prestação de saúde. Porém, os municípios possuem maior dificuldade em se defender nos processos e menores orçamentos do que a União e os estados, tornando particularmente preocupante o impacto das decisões judiciais para seu orçamento e gestão das políticas de saúde.

A maior parte da judicialização da saúde se dá a partir de objetos típicos dos níveis secundários e terciários da atenção, como pedidos de medicamentos de alto custo e de internações. Na repartição de competências do SUS, esses objetos são de responsabilidade da União e dos estados. Porém, com a judicialização, frequentemente essa responsabilidade recai sobre os municípios. Tal cenário evidencia a necessidade de estudos para que se possa compreender como os municípios são afetados pela judicialização.

Mesmo com a centralização dos dados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que tem empreendido iniciativas para o desenvolvimento das estatísticas judiciais do Brasil, como o Processo Judicial Eletrônico (PJe). Ainda há muitas limitações relacionadas à forma com que os dados provenientes dos tribunais são gerados, extraídos, consolidados e disponibilizados. Nos tribunais, os dados quase sempre são gerados de forma individual para cada processo, e não por meio de variáveis padronizadas para o conjunto dos processos. Estudos afirmam que a maneira como os dados são gerados dificulta tanto o acompanhamento do percurso de um processo dentro do Judiciário quanto o conhecimento da solução que o tribunal confere para cada tipo de caso.

Para compreensão e estudo desse fenômeno, as estatísticas judiciais são de grande importância. O sistema judiciário carece de regras de padronização das variáveis obrigatórias para o registro e acompanhamento de processos. Isto dificulta o desenvolvimento da jurimetria no país.

Nesse contexto, o presente trabalho tem como objetivo apresentar sugestões de variáveis a serem preenchidas de forma obrigatória no formulário de protocolo de uma petição inicial do PJe e em petições judiciais específicas em saúde, contribuindo para a melhor organização dos dados sobre ações judiciais no nível nacional e facilitando pesquisas futuras.

Este trabalho foi desenvolvido em duas etapas: na primeira, foi feito um levantamento das variáveis processuais utilizadas para pesquisas sobre a judicialização da saúde e das dificuldades e limitações para obtenção dos dados. Na segunda etapa, a partir da revisão feita, foi apresentada a sugestão das variáveis a serem preenchidas de forma obrigatória no formulário de protocolo da petição inicial do PJe.

Estudo do INSPER em 2019 apontou as dificuldades que o modo de organização das informações de decisões judiciais apresenta às pessoas que se dedicam à análise e acompanhamento das decisões judiciais em saúde. É uma limitação que impacta nas pesquisas voltadas ao aprimoramento da política judiciária, bem como pesquisas em geral voltadas ao Judiciário e seus desdobramentos sobre as atividades socioeconômicas.

A partir da revisão de literatura e observação das limitações e das variáveis necessárias para realização de pesquisas sobre a judicialização da saúde, e após observação das variáveis presentes no manual do PJe do TJMG, Relatório médico para judicialização do acesso à saúde do Comitê Estadual da Saúde de Minas Gerais (CESMG) e no Sistema de Gestão de Processos Judiciais da Secretaria Estadual de Saúde de Minas Gerais (SIGAFJUD), o presente trabalho propôs a criação de uma lista de variáveis de preenchimento obrigatório pelos autores das ações judiciais no momento inicial do processo, ou seja, no momento em que o procurador/advogado da parte realiza o protocolo da petição inicial.

Dessa forma, este estudo identificou iniciativas isoladas para melhor preenchimento das informações processuais. E, em um esforço de contribuir para a jurimetria brasileira, sugere uma padronização do preenchimento de variáveis ao se ajuizar uma ação judicial.

Foram propostas ao todo 46 variáveis de preenchimento obrigatório, 33 no protocolo de ações judiciais em geral e 13 que devem ser preenchidas em processos específicos em saúde. Em relação às variáveis gerais, 16 são sobre o autor; 2 sobre o réu e 15 sobre o processo.

As principais recomendações do trabalho são: utilização de um formulário padrão por todos os tribunais brasileiros, definindo variáveis de preenchimento obrigatório, para melhorar a alimentação e organização da informação e possibilitar a análise e a compreensão sobre a judicialização da saúde. Estas recomendações são consistentes com as apresentadas pelo CNJ. Apesar da evolução do tema no país, ainda há importantes lacunas a serem exploradas para melhor compreensão do fenômeno e suas implicações. A jurimetria é muito importante para que os municípios possam conhecer a relevância de cada um dos principais objetos da judicialização em saúde.

O conhecimento deste fenômeno permitirá aos municípios dotar a gestão pública de ferramentas para lidar com os desequilíbrios orçamentários e os constrangimentos aos gestores decorrentes de determinadas medidas judiciais. Permitirá inclusive a definição de uma melhor atribuição de responsabilidades na provisão de medicamentos e procedimentos propedêuticos e terapêuticos entre os entes federados, no âmbito da gestão pactuada do SUS. Ademais, tende a dar melhor embasamento aos gestores municipais e suas áreas jurídicas para sua adequada defesa e qualificação de seu planejamento. Também, ela contribuirá para a desjudicialização no acesso aos bens e serviços de saúde, pois pode permitir um diagnóstico mais preciso da judicialização no local e proporcionar uma atuação prévia ao problema, privilegiando outros meios de negociação e intermediação de conflitos no plano local entre os usuários, através do Ministério Público e o Judiciário, e o Executivo.

Nesse contexto, a possibilidade do uso de um formulário padrão, com informações de fácil preenchimento, com variáveis pertinentes à realização de diagnósticos e pesquisas, é o cenário mais desejável para possibilitar investigações consistentes. Os resultados destes estudos poderão contribuir para um papel mais assertivo das entidades representativas dos prefeitos e gestores municipais nos debates nacionais com o Judiciário, reforçando iniciativas já em curso pelo CNJ.