Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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SAÚDE E QUALIDADE DE VIDA DA MULHER QUILOMBOLA
Amanda Aurea Rodrigues, Cinoélia Leal de Souza, Elaine Santos da Silva, Denise Lima Magalhães, Bruna Carvalho Botelho, Rodrigo Fernandes Neves, Matheus Marques Brito Costa, Flávia de Jesus Gomes

Última alteração: 2022-01-10

Resumo


Apresentação: As comunidades quilombolas surgiram em resposta à escravidão, portanto, representam resistência a institucionalização dos castigos, da injustiça e do preconceito cultural. Embora as organizações remanescentes de quilombos sejam um patrimônio histórico brasileiro, as raízes vinculadas há anos de submissão moral comprometem a qualidade de saúde dos indivíduos, em especial das mulheres que vivem nessas comunidades. Nesse sentido, problematizar as dificuldades relacionadas ao acesso às políticas públicas do Sistema Único de Saúde, por mulheres quilombolas, permite uma compreensão e reafirmação das implicações dos Determinantes Sociais, sobretudo relacionados ao gênero, à raça/etnia e à cultura. Diante disso, o objetivo deste estudo foi identificar os entraves associados ao acesso e à qualidade dos serviços de saúde pelas mulheres quilombolas, de acordo com uma reflexão sobre a literatura.

Desenvolvimento: Trata-se de uma pesquisa de caráter quantitativa com abordagem descritiva e exploratória. A pesquisa foi realizada na comunidade remanescente quilombola, localizada na região sudoeste da Bahia. As participantes do estudo foram mulheres com idade, igual ou superior, a dezoito anos e que nasceram e residem na comunidade. A população possui 42 famílias com o total de 110 moradores, destes, 50 são do sexo feminino. O total de participantes do estudo foi de 27 mulheres maiores de 18 anos, entrevistadas no ano 2018. Foram utilizados dois instrumentos para a coleta de dados: o World Health Organization Quality of Life (WHOQOL), e um formulário sociocultural e econômico. A análise dos dados quantitativos se deu por meio da estatística descritiva, mediante a análise univariada e bivariada, realizada com o auxílio do software estatístico Stata® versão 10. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de ética sob o protocolo CAAE: 58934616.7.0000.5578.

Resultados e discussão: Feita a análise dos dados, percebeu-se que o cuidado em saúde, isto é, ações voltadas à prevenção de doenças e promoção da saúde, a fim de assegurar qualidade de vida, está vinculado aos Determinantes Sociais da Saúde (DSS), os quais contemplam desde aos fatores estruturais ambientais, ao gênero, à raça/etnia e à cultura. Sendo assim, das 27 mulheres participantes do estudo, 25 (92,6%) se autodeclararam pretas e 02 (7,4%) pardas. A idade variou de 18 a 70 anos, com predominância de 29,6% na faixa etária de 18 a 30 anos. No que se refere à situação conjugal, a maioria era casada (77,8%), com baixa escolaridade, sendo que, 37% estudaram até o fundamental incompleto. Todas as participantes possuíam o catolicismo como religião e tinham até um salário-mínimo como renda familiar. Em relação à qualidade de vida, 70,4% das entrevistadas consideraram como boa, ocupando uma média de 3,2 ±0,6, enquanto a satisfação com a saúde teve uma média de 3,3±0,8. No entanto, a maioria relatou dificuldades referentes a falta dos meios de transportes, do acesso e da prestação de serviços de saúde humanizados e de qualidade, como os principais fatores que afetam o bem-estar. Além disso, segundo os domínios da qualidade de vida, a percepção nas relações sociais apresenta uma média de 8,9±0,9 e o domínio físico, uma média de 21,3±4,0. Dessa forma, quando se refere às mulheres, além das dificuldades citadas, o estigma vinculado ao sexismo, também é um critério preponderante, por exemplo, na saúde reprodutiva e sexual. Assim, somar outros aspectos da singularidade quilombola, quanto a prevalência de entraves socioeconômicos, o racismo, o afastamento geográfico e a intolerância das práticas culturais, em especial religiosas, potencializam os obstáculos para a assistência à saúde. Logo, a atenção à saúde feminina, depara-se com dois problemas principais, ora relacionados às dificuldades do acesso aos serviços públicos ofertados, ora a qualidade. O primeiro, justifica-se por barreiras estruturais logísticas no meio ambiente; questões patriarcais de gênero, que ainda privam as mulheres de procurarem ajuda e exclusões sociais, raciais e econômicas, as quais limitam informações sobre os direitos, as necessidades e os cuidados em saúde. O segundo, procede, principalmente, dos embates culturais, bem como a discriminação das tradições e saberes ancestrais quilombolas. Esses fatores causais, portanto, favorecem os altos índices de letalidade por falta de rastreio precoce do Câncer de Colo de Útero e do Câncer de Mama; complicações perinatais por ausência do pré-natal, bem como a morte materna e infantil; além das altas taxas de morbimortalidade por Hipertensão Arterial Sistêmica, Diabetes Mellitus, Anemia Falciforme e Enteroparasitoses não tratadas. Além disso, outros cuidados gerais eletivos, próprios da Atenção Básica, a exemplo do planejamento familiar, responsável por avaliar não só os riscos e a história sexual feminina, mas também por assegurar a sua autonomia reprodutiva, são mínimos, pois, foi notado, por exemplo, que a maioria, 56% das mulheres, não fazem uso de métodos contraceptivos, por falta de conhecimento. Por conta disso, os impasses associados aos determinantes de saúde, nas mulheres remanescentes de quilombos, possuem dimensão antropológica e reafirmam o poder do acesso, da qualidade e do equilíbrio, entre a oferta e a demanda, dos serviços de saúde, para amenizar a opressão de gênero e promover melhores condições de vida. Entretanto, fatores contraditórios e externos, representados pelos DSS, evidenciam dilemas de causa e consequência, os quais se tornam barreiras que dificultam a promoção e a vivência holística da saúde como completo bem-estar. Por conta disso, a qualidade de vida das mulheres quilombolas se distancia da perspectiva equitativa, integral e universal, preconizada pelo Sistema Único de Saúde em sua base formativa.

Considerações finais: Os Determinantes Sociais impactam nas ações de proteção e promoção da saúde das mulheres quilombolas. Isso porque, a qualidade de vida depende de fatores psicossociais, histórico-culturais e políticos, assim, de maneira indissociável, o acesso e a longitudinalidade do cuidado estão por eles condicionados. Além disso, percebe-se que ressignificar o papel feminino, bem como assegurar o seu protagonismo e sua autonomia, inclui ações em saúde que reconheçam o contexto quilombola. Nesse sentido, considerar as implicações e as potencialidades dos DSS são fundamentais para alcançar, de modo integral, o bem-estar. Diante disso, as percepções de causas e consequências destacadas, neste estudo, pretendem enfatizar a importância de intervenções específicas, destinadas a essas comunidades, pois o cuidado holístico representa uma luta contra as injustiças históricas, ainda institucionalizadas. Por conta disso, a dinamicidade dessas questões não deve ser naturalizada, mas sim, ser o fio condutor para a implementação de políticas públicas.  Portanto, deve-se considerar cada condicionante social junto às particularidades da mulher quilombola. Então, as estratégias em saúde, sejam elas de dimensões educativas, diagnósticas ou terapêuticas, precisam estar atentas a sua responsabilidade política cidadã, em busca de práticas democráticas, plurais e acessíveis, a fim de consolidar qualidade de vida por meio do direito à saúde.

 

REFERÊNCIAS

DURAND, M. K. Promoção da saúde das mulheres quilombolas: a relação com os determinantes sociais. Tese (doutorado) - Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Ciências da Saúde, Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, Florianópolis, 2016.

DURAND, M. K.; HEIDERMANN, I. T. S. B. Determinantes sociais de uma comunidade quilombola e a interface com a promoção da saúde. Revista da Escola de Enfermagem da USP, 2019, v. 53, n.e03451.

PRATES, L. A. et al. Ser mulher quilombola: Revelando sentimentos e identidades. Revista Mineira de Enfermagem, v. 22, n.e-1098, 2019.