Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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Saúde mental e trabalho de profissionais da atenção básica do Pará
Eric Campos Alvarenga, Beatriz Fragoso Cruz, Elon de Sousa Nascimento, Ana Beatriz Pantoja Rosa de Moraes, Tawane Tayla Rocha Cavalcante, Lana Yasmin Leal da Silva, Angelina Sousa Pinheiro, Rosylene Mara de Oliveira Vargas

Última alteração: 2022-01-12

Resumo


As pesquisas que investigam as condições e a organização do trabalho na Atenção Básica no Brasil demonstram em geral que a alta rotatividade, a falta de infraestrutura adequada e a grande demanda por atendimento são os principais problemas nesta atividade. Revisão sistemática de artigos, teses e dissertações produzidas no Brasil, utilizando a teoria e/ou método da Psicodinâmica do Trabalho conclui sobre a necessidade de serem desenvolvidas pesquisas com foco na intervenção e no debate sobre ações de promoção da saúde de trabalhadores e trabalhadoras.  A Psicodinâmica do Trabalho tem como fim a análise psicodinâmica dos processos intersubjetivos mobilizados pelas situações de trabalho. Ela entende que os trabalhadores e trabalhadoras sofrem diante do modo como o trabalho é organizado, mas conseguem exercer certa categoria de liberdade diante desta organização usando mecanismos de defesa individuais e estratégias coletivas de defesa. Interessa a capacidade dos trabalhadores e trabalhadoras de se manterem dentro de uma normalidade, apesar de toda a violência mental e física que o trabalho proporcionava. A “normalidade” é o seu interesse maior, entendida como equilíbrio instável, fundamentalmente precário, entre o sofrimento e as defesas contra o sofrimento. Como metodologia, a Psicodinâmica do Trabalho costuma priorizar a utilização de entrevistas coletivas para abarcar uma dimensão específica das pressões do trabalho, reunindo vários trabalhadores e trabalhadoras que participavam voluntariamente em um mesmo local de. Este método mostrou que os(as) trabalhadores(as) em grupo conseguiam reconstruir a lógica das pressões de trabalho que os(as) fazem sofrer e podiam tornar aparentes as estratégias defensivas coletivamente formadas para combater os efeitos desestabilizadores e patogênicos do trabalho. Esta pesquisa teve como objetivo analisar as relações entre a organização do trabalho e o prazer/sofrimento psíquico de trabalhadores e trabalhadoras dos serviços públicos de atenção básica do Pará. Para tal, utilizou uma metodologia qualitativa do tipo descritiva. Participaram 14 profissionais de saúde. A maior parte (11) integrava equipes de saúde da família, 3 faziam parte de uma equipe de Consultório na Rua. Dentre as profissões contempladas, estão médicas (3), técnicas em enfermagem (2), agentes comunitárias de saúde (3), psicólogas (2), enfermeira (1), assistente social (1), técnico administrativo (1), agente de saúde (1). 9 profissionais atuavam no município de Belém e 5 em diferentes municípios do interior do Pará. Por conta da pandemia de COVID-19, adotou-se como procedimento de pesquisa a entrevista on-line síncrona – ou seja, entrevistador e participante estão conectados ao mesmo tempo – através de diálogo em vídeo por meio do programa Zoom Meeting. Foram realizadas entrevistas individuais semiestruturadas com 11 profissionais e entrevistas coletivas com 4 profissionais. Realizaram-se em média 4 encontros com cada participante, sendo 3 encontros de escuta das/dos profissionais e o 1 de devolutiva apresentando a análise feita do caso de cada um. Cada encontro teve duração de 40 a 60 minutos nas entrevistas individuais e 1h30 a 2h nas entrevistas coletivas.  Tanto as entrevistas individuais quanto as coletivas tiveram como base a metodologia clínica na perspectiva da Psicodinâmica do Trabalho, alicerçadas na obra de Dejours e nas experiências práticas de autores brasileiros. As entrevistas foram gravadas em áudio e, em seguida, transcritas. No processo de análise foi utilizada a técnica de Análise de Núcleo de Sentido (ANS). A pesquisa foi aprovada pelo comitê de ética do Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Pará por meio do parecer de número 4.011.027. Como resultado, verificou-se que as vivências de sofrimento psíquico estiveram bem mais presentes do que as de prazer no trabalho das/dos profissionais da atenção básica do Pará. Seus discursos abordaram a exaustão física e mental, ansiedades, angústias, medo de contaminarem-se, medo de serem agredidos, receio das sequelas desconhecidas que este período deixará e o sentimento de desamparo que tem por saberem que muitos colegas de trabalho não podem nem poderão contar com acolhimento qualificado para lidarem com o adoecimento psíquico gerado no enfrentamento da pandemia pela atenção básica em saúde. Também se verificou estruturas precárias, escassez de equipamentos de proteção individual, falta de treinamentos e protocolos voltados para a pandemia, discursos negacionistas, imposições da gestão, aumento da perda de pacientes para a doença, afastamento de profissionais - por serem do grupo de risco ou por Covid - e consequente aumento da carga de trabalho, configurando o real do trabalho destes participantes. A organização do trabalho mostrou-se bastante rígida e sem tantas possibilidades de mudanças. Essa rigidez foi maior nos relatos das profissionais que estavam a menos tempo nas equipes, como os casos das médicas e do médico participantes. As profissionais que já estão a mais tempo em suas equipes parecem ter mais possibilidades de mudar o trabalho, pela sua influência maior no coletivo. As estratégias de defesa contra o sofrimento foram tanto individuais quanto coletivas. Observou-se que a cooperação entre profissionais da própria equipe era uma das maneiras de lidar com os sofrimentos advindos do real do trabalho. Essa cooperação toma forma na maneira como a equipe consegue dividir suas tarefas para cobrir a ausência de colegas afastados por adoecimento ou mesmo a alta demanda por atendimentos. É importante salientar que esta cooperação também leva profissionais a assumirem funções uns dos outros. Logo, no real do trabalho, estas/es fazem muito mais do que somente o que está designado a eles em suas próprias profissões. Isso, em geral, sobrecarrega aquelas/es profissionais que são mais comprometidas/os com o trabalho, pois costumam encontrar um jeito de dar conta das suas demandas e de seus pares, como, por exemplo, auxiliando um colega que está passando por dificuldades em alguma atividade. Ademais, o reconhecimento no trabalho vem mais na relação com os pares e com a população atendida. É comum que ele não apareça ou seja muito raro vindo de pessoas em cargos de maior nível hierárquico. O que nos mostra a relevância de projetos que fomentem a importância do reconhecimento no trabalho de profissionais da saúde. O reconhecimento é uma poderosa proteção contra o adoecimento mental no trabalho. Sugere-se a gestores e gestoras do trabalho na atenção básica no Pará que invistam mais em equipamentos de proteção individuais, em reformas na estrutura das unidades e em melhores salários para profissionais das equipes. Da mesma maneira, sugere-se um aumento na quantidade de equipes de atenção básica principalmente na cidade de Belém, para haver mais cobertura deste serviço à população. Isto sobrecarregaria menos as trabalhadoras e trabalhadores, produzindo mais saúde mental no trabalho e saúde para a população em geral. Este estudo contribuiu para o conhecimento do trabalhar de profissionais das equipes de saúde da família e de atenção básica do Pará e sua implicação na saúde mental. Verificamos pela fala das/dos participantes que a produção de espaços de escuta e cuidado da saúde mental como os produzidos por este projeto são muito relevantes, visto que há poucas iniciativas como esta na nossa região.