Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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A participação social no enfrentamento ao HIV: relato de experiência de uma Oficina de Capacitação de Mobilizadores de Prevenção
Daniela Baptista Messias Guzmán, Gabriela Pôrto Marques, Diovana Zacchi Pinão, Gabriela Petri de Bortolo, Liliana Cristina Mussi, Alexandre dos Santos Federici, Julimar Soares Franca

Última alteração: 2022-01-13

Resumo


As Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs) são um desafio para a saúde pública e requerem esforços integrados entre o poder púbico e a sociedade civil, sobretudo em relação ao enfrentamento do estigma e da discriminação, fatores que podem estar associados as barreiras de acesso que sofrem os segmentos populacionais em situação de maior vulnerabilidade.

Indicadores Epidemiológicos do Ministério da Saúde (MS) registrados no SINAN – Sistema de Informação de Agravos e Notificação, no período de 2007 até junho de 2018, notificaram 300.496 casos de infecção pelo HIV no Brasil, sendo 45,6% na região Sudeste. No que se refere à distribuição segundo grupos etários, observa-se maiores taxas de detecção do HIV entre jovens (15 a 24 anos). A tendência observada quanto a distribuição dos casos de HIV na população geral mostra taxa de detecção maior em homens, destacando homens gays e homens que fazem sexo com outros homens (HSH). A estimativa é de que no Brasil, mais de 134 mil pessoas vivem com o vírus e não sabem.

No Espírito Santo, os dados epidemiológicos de 2019 da Secretaria Estadual de Saúde, mostram que 14.841 pessoas vivem com HIV no Estado. O  maior  aumento  de  casos  novos ocorreu  entre  pessoas  do  sexo masculino (20 a 39 anos) e HSH, o que mostra a necessidade de trabalhar medidas de prevenção e proteção da saúde nesses grupos.

O tratamento das pessoas com HIV é pelo SUS e favorece a melhoria da qualidade de vida, além disso, é importante que o foco seja voltado às ações de enfrentamento e prevenção. Entretanto, ainda há ausência ou pouca acessibilidade de ações preventivas e as políticas públicas em saúde pouco considerarem a cultura sexual da população e os fatores sociais que interferem na qualidade da saúde. Diante desse cenário, destaca-se a necessidade de estratégias participativas onde a prevenção seja a protagonista. Esse cenário exige articulações intersetoriais que integrem uma agenda política do governo em suas três esferas de gestão. Também é importante compreender que as bases comunitárias são essenciais para intervenções participativas e solidárias porque não podemos dissociar as condições de saúde do indivíduo do seu contexto social e dos desafios cotidianos a qual ele está inserido.

As Organização da sociedade civil de interesse público (OSCIP)/Aids tiveram participação importante em diversos momentos na construção da resposta brasileira à epidemia do HIV. Foram fundamentais na educação e promoção da saúde devido sua proximidade com cada público-alvo, além de terem assumido um posicionamento crítico. Mesmo com avanços, ainda existe um distanciamento da construção efetiva de uma agenda comum de enfrentamento às ISTs.

Este relato de experiência resulta da participação em uma Oficina de Mobilizadores de Prevenção Combinada voltada para a disseminação de informação sobre as ISTs, promovida pela OSCIP Terra das Andorinhas (TDA), em dezembro de 2021, em Vitória/ES. Neste evento ocorreram dinâmicas e uma conversa com representantes de diversos setores: sociedade civil, OSCIPs, profissionais de saúde, Coordenações Municipais de ISTs e Coordenação Estadual de ISTs.

A TDA, sediada em Campinas/SP, atua no campo do Advocacy, na região Sudeste, na defesa dos direitos humanos e da saúde. Realiza desde 2015 uma iniciativa que faz parte do Programa “Viva Melhor Sabendo”, estratégia do MS, que utiliza metodologias de educação em saúde e testagem rápida de ISTs, com foco nas populações-chave em seus espaços de sociabilidade, em parceria com organizações da sociedade civil, realizando testagem, encaminhamento e acompanhamento de pessoas vivendo com HIV (PVHIV) aos serviços de referência e incentivando a adesão ao tratamento.

A Oficina em Vitória foi motivada a partir de um olhar de que oferecer o tratamento envolvendo apenas práticas clínicas, sem uma atuação adequada na prevenção, tratamento, cuidado,empoderamento comunitário e individual e enfrentamento as questões de estigma e discriminação, não haverá resposta efetiva no combate as ISTs. As barreiras socioculturais como o preconceito e a discriminação provocam obstáculos na luta contra as epidemias.  Em paralelo, a população não adota práticas de sexo seguro pois falta incentivo e informação correta, contribuindo para o aumento dos casos.

Nossa experiência com a oficina foi bastante enriquecedora uma vez que tratou da importância da atuação dos mobilizadores para a prevenção das ISTs, bem como para o alcance e o empoderamento dos indivíduos. Como disparador, foi utilizado um vídeo com a história da Aids no mundo, salientando a forma como ela era retratada na década de 80, os estigmas e as referências negativas ao adoecimento pelo HIV. Partindo desse recurso, o grupo foi estimulado a refletir sobre as mudanças e avanços alcançados desde o início da epidemia de AIDS até os dias atuais.

Em um segundo momento, foi realizada uma dinâmica em grupos com o propósito de pensar estratégias de trabalho enquanto mobilizadores de prevenção e articuladores de saúde para abordar o tema ISTs com os jovens. Esse momento exigiu a criatividade dos grupos na elaboração de ferramentas de comunicação para atrair este público e surgiram as seguintes propostas: utilização de linguagem adequada para sensibilização e humanização do atendimento; veiculação de informações através de formadores de opinião e/ou influenciadores digitais - visto que, no geral, os jovens utilizam mais as redes sociais-; parceria com empresas promotoras de eventos culturais onde possa ocorrer a distribuição de preservativos e informações acerca das ISTs.

A partir das propostas levantadas, discutimos conjuntamente como seria a incorporação de tais ideias nos serviços de saúde. Alguns participantes compartilharam exemplos onde tais metodologias foram aplicadas e houve um impacto positivo na disseminação de informação e incentivo à testagem rápida e à prevenção combinada às ISTs. Também foram abordadas as formas de profilaxia, segundo preconizado desde 2010 pelo MS. O uso de medicamentos antirretrovirais é uma forma de prevenção para o HIV; a Profilaxia Pós-Exposição (PEP) é uma medida que se insere no âmbito da prevenção combinada e consiste na prescrição desses medicamentos em até 72 horas após o contato do paciente com o vírus.

Outra forma de prevenção é a Profilaxia Pré-Exposição (PrEP) que consiste no uso diário de antirretrovirais, com o intuito de reduzir o risco de infecção pelo vírus nas relações sexuais. Essa estratégia tem se mostrado eficaz e segura em pessoas com risco e vulnerabilidade acrescida ao HIV, como pessoas transsexuais, profissionais do sexo, gays, HSH e casais sorodiferentes.

Com o avanço do cuidado às PVHIV e com a simplificação do tratamento, a infecção foi desenvolvendo características de uma condição crônica e o modelo centrado unicamente em serviços especializados passou a apresentar deficiências. Assim, nesse modelo de atenção, os serviços especializados continuam sendo fundamentais, mas a linha de cuidado envolve outros serviços de saúde, em especial da Atenção Básica. Esse serviço favorece o vínculo terapêutico com a PVHIV, promovendo um estilo de vida saudável e a avaliação e identificação dos fatores de risco para outros agravos crônico-degenerativos. Entretanto, nem sempre a PVHIV é acolhida sem discriminação, dificultando a adesão ao tratamento e a quebra da cadeia de transmissão do vírus. Esta deficiência no acolhimento e no atendimento humanizado também foram abordados na oficina. Além disso, a oficina exaltou a importância do empoderamento da PVHIV e a formação de atores sociais para a disseminação da cultura de prevenção e de promoção de saúde entre a população, reforçando a importância do cuidado integral e da participação popular no combate à epidemia do HIV.