Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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Viventes de rua com tuberculose: uma revisão sistemática
Yasmin do Carmo Lima, Kathleen Tereza da Cruz

Última alteração: 2022-01-13

Resumo


A tuberculose (TB) é considerada um problema de saúde pública que afeta consideravelmente as pessoas em situação de rua, as quais apresentam uma taxa de incidência entre 37 e 60 vezes maior em comparação à média nacional da população em geral. Sob a ótica biopsicossocial, observa-se que as pessoas em situação de rua apresentam mais chances de contrair a doença, pois encontram-se em situação de vulnerabilidade, o que interfere no processo de cura e de controle da doença. Um dos aspectos que corrobora para essa situação está na dificuldade do acesso a serviços de saúde pelos viventes de rua, seja pelo preconceito que sofrem pelos profissionais da área da saúde, seja pelo excesso de burocracia presente nesses estabelecimentos. Dessa forma, o atendimento a essas pessoas, quando há, fica restrito apenas ao primeiro contato, visto que elas não conseguem ter acesso continuado aos serviços de saúde. O principal objetivo deste estudo é entender as problemáticas que dificultam o tratamento da tuberculose nas pessoas em situação de rua, por meio de uma revisão sistemática, bem como as adversidades encontradas na vida nas ruas que contribuam para os índices aumentados da doença e seus agravos nessa população.

A revisão sistemática realizou-se por meio de pesquisa nas bases de dados Medline e Lilacs, utilizando os descritores “pessoas em situação de rua and tuberculose” e restringindo os resultados aos idiomas português e inglês, ao intervalo do ano de publicação entre 2016 e 2021 e ao local de realização dos estudos, sendo, neste caso, o Brasil. Além disso, utilizou-se, como critério para a seleção dos artigos a análise minuciosa dos resumos, considerando as principais problemáticas que envolvem as pessoas em situação de rua com tuberculose. Essa pesquisa foi realizada nos encontros tutoriais semanais sobre “Pessoas em Situação de Rua” que aconteceram entre 21 de junho e 20 de setembro de 2021 na disciplina de Saúde da Comunidade do 2º período do Curso de Medicina. Inicialmente, foram encontrados 78 artigos, mas somente 9 atendiam aos critérios utilizados. A literatura mostrou que, além dos índices de incidência para tuberculose aumentados entre a população de rua em comparação a população em geral, têm-se maiores chances de desfechos negativos para a doença, pois a vida nas ruas não garante condições adequadas para o tratamento, uma vez que a falta de moradia dificulta o acesso aos serviços de saúde pelas pessoas em situação de rua, as quais estão, muitas vezes, distantes dos estabelecimentos de saúde. Constatou-se, também, que essas pessoas têm o acesso à informação dificultado e sofrem alguns empecilhos na hora do atendimento, como o preconceito, a estigmatização e a exigência de documentação para cadastro na Atenção Primária à Saúde.

Profissionais da saúde que trabalham em Consultórios na Rua relataram o preconceito sofrido pelos viventes de rua nos serviços de saúde, os constantes deslocamentos, o uso abusivo de álcool e outras drogas, a falta de perspectiva para o futuro e a inexistência de um projeto de vida como as principais dificuldades encontradas para que as pessoas em situação de rua possam continuar o tratamento. Além disso, os viventes de rua, em um estudo aqui descrito, relataram que a ausência de escuta qualificada, de adequação do tratamento à realidade do paciente e de informação sobre a doença e as condutas adotadas contribuem para o rompimento do vínculo entre o profissional e o paciente. Notou-se, também, que muitos hospitais não praticam a política de redução de danos aos usuários de álcool e outras drogas, impondo a abstinência aos mesmos, mesmo que a Política Nacional de Álcool e Drogas preconize a redução de danos como sendo mais eficaz. Esse conjunto de fatores podem contribuir para a desistência do tratamento, antes mesmo de iniciá-lo.

Por fim, muitos profissionais da área da saúde afirmaram que desconhecem completamente ações que podem ser desenvolvidas para a população em situação de rua e/ou simplesmente não as realizam. Outros profissionais afirmaram, ainda, não realizar ou não conhecer algum tipo de capacitação destinada ao cuidado da população de rua, ao mesmo tempo que desconhecem a existência ou a disponibilidade de manuais sobre o cuidado à saúde nessa população. Tal fato contribui para que uma série de profissionais realizem com os viventes de rua os mesmos critérios destinados a população geral, dificultando a implementação de um projeto terapêutico singular.

Muitas literaturas trazem como principal empecilho para a cura da tuberculose o abandono do tratamento por parte das pessoas em situação de rua (PSR). Entretanto, é interessante ressaltar que dar nome às coisas é carregá-las de significado. Dessa forma, cunhar o termo “abandono” ao invés de “interrupção” culpabiliza o outro de seu próprio desfecho em relação à doença, isentando a equipe de saúde e o Estado de suas responsabilidades no cuidado com o outro. Além disso, tal fato perpetua a vulnerabilização dessas pessoas, ou seja, os viventes de rua não são vulneráveis, mas sim vulnerabilizados, uma vez que são cada vez mais marginalizados da sociedade.

De modo geral, deve-se buscar combater essa vulnerabilidade por meio da escuta para a criação de vínculos, ou seja, humanizar o encontro com o paciente, compreendendo sem julgar, respeitando e estabelecendo limites, e da educação em saúde, ou seja, promover o ensino dos sintomas da tuberculose, da prevenção dessa doença e do funcionamento dos serviços de saúde, para que os viventes de rua participem ativamente do processo saúde-doença-cuidado. Dessa maneira, o indivíduo torna-se protagonista de sua vida, podendo contribuir para o diagnóstico precoce da tuberculose e, consequentemente, para o início rápido do tratamento, o que tem influência direta com o aumento das chances de cura e de controle da doença.

A TB é uma doença relacionada à pobreza e à desigualdade social. Portanto, os profissionais da área da saúde devem buscar adequar os tratamentos ao contexto em que as PSR estão inseridas, por meio do vínculo e da escuta. Dessa maneira, deve-se buscar a implementação de um projeto terapêutico singular aos pacientes, para que os viventes de rua possam receber um cuidado integral que se adeque ao contexto em que estão inseridos e, consequentemente, possam atuar ativamente no processo saúde-doença-cuidado, uma vez que a não compreensão do contexto em que o paciente está inserido pode ser prejudicial para o tratamento.