Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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Adesão do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho à Ebserh: um estudo da percepção dos atores envolvidos
Simone Cristina da Costa Ferreira, Francisco Campos Braga Neto, Juliana Pires Machado, Lara Vitória Lara da Silva D'Almeida, Flávio Astolpho Vieira Souto Rezende, Antônio José Marinho Ribeiro

Última alteração: 2022-01-13

Resumo


APRESENTAÇÃO:

A Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh) foi criada em 2011 como uma das estratégias para enfrentar a crise dos Hospitais Universitários. A discussão sobre a adesão à Ebserh é cercada de desconfianças, particularmente em relação à garantia da autonomia universitária e os resultados que ela se propõe alcançar. Este trabalho objetiva avaliar a percepção dos atores envolvidos e relacionados ao Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF) e a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), diante do processo de contratualização iminente do HUCFF à Ebserh.


DESENVOLVIMENTO:

Trata-se de uma pesquisa documental, que utiliza como instrumento metodológico a observação simples, se debruçando sobre os debates produzidos nas redes sociais e redes internas do HUCFF e da UFRJ, com o intuito de resgatar as discussões feitas pelos atores envolvidos no processo de contratualização do HUCFF à Ebserh.


RESULTADOS:

Nas últimas décadas, a atenção, a organização e a gestão hospitalar têm passado por transformações substantivas no cenário internacional. A mudança do modelo de gestão, com aumento da autonomia administrativa e a introdução de parâmetros de eficiência, como medida para a gestão das unidades hospitalares tem seu debate intensificado no início dos anos 2000, central nesta discussão estavam a autonomia de gestão e manutenção do caráter público ou estatal dos serviços. As formulações propostas à época abarcavam a administração pública e a administração da sociedade civil, ambas sob o regime jurídico do direito privado.  Destacam-se neste sentido as fundações de apoio (1994); organizações sociais, regulamentadas em 1998, mas inicialmente sem atuação no segmento hospitalar; parcerias público-privadas-PPPs (2004); Fundação Estatal de direito privado (2005) e, por fim, a Empresa Brasileira de serviços hospitalares – Ebserh (2011) – proposta direcionada aos hospitais universitários federais com base na celebração de um contrato de gestão onde estão configurados compromissos e metas com os quais os hospitais e a empresa se comprometem.

Diante de uma crise permanente e, possivelmente, em razão do seu destacado papel no atendimento à média e alta complexidade do SUS, os hospitais universitários federais - HUFs têm sido alvo de um leque de ações governamentais nos últimos vinte anos. Primeiro, com a política de certificação e contratualização dos hospitais universitários e de ensino, buscando desse modo induzir uma maior integração dessas unidades na rede de serviços. Alguns anos depois, é instituído o Plano de Reestruturação Nacional dos Hospitais Universitários Federais – REHUF (2010), voltado para a reestruturação e revitalização dessas unidades, mediante o estabelecimento de um novo mecanismo de financiamento compartilhado entre MEC e MS, no intuito de criar as condições materiais e institucionais para que os HUFs desempenhem adequadamente suas funções de ensino, pesquisa e desenvolvimento tecnológico e assistência. Finalmente, há a criação da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares –Ebserh (2011), arranjo organizacional adotado com vistas a permitir a regularização e a reposição do quadro de pessoal nesses hospitais, assim como promover a modernização gerencial dos mesmos.

Vale assinalar que a proposta da Ebserh, desde a sua tramitação no Congresso Nacional, dividiu e segue até hoje dividindo opiniões, suscitando tanto expectativas, talvez exageradas, quanto críticas, por vezes mal fundamentadas. De um lado, situam-se, em geral, gestores hospitalares ou especialistas no campo da Administração Pública e da Gestão em Saúde que há anos clamam por um novo modelo de gestão pública para o país, em particular a gestão da saúde e reconhecem na proposta, ainda que não seja a solução ideal, uma oportunidade de assegurar maior flexibilidade administrativa e autonomia decisória para os dirigentes hospitalares, possibilitando por exemplo agilizar a contratação de pessoal e ou a compra de suprimentos material e ou ainda induzindo  a profissionalização da gerencial nestas unidades. Do outro lado, dirigentes sindicais, estudantes, pesquisadores e funcionários das universidades, militantes do SUS denunciam que a gestão desses hospitais pela Ebserh representa um risco de privatização da atenção prestada nestas unidades. Manifestam também suas apreensões quanto ao risco de perda de autonomia universitária no que tange às decisões acerca dos rumos da pesquisa, do ensino e da assistência nestes hospitais, bem como da adoção de um estilo de gestão não participativo ou dialógico, sob o qual os trabalhadores fiquem excluídos dos fóruns de decisão interna. A adesão do HUCFF à Ebserh é entendida como um processo de gestão dentro de uma estrutura complexa de ensino, pesquisa e atenção, englobando um conjunto de valores, expectativas, saberes, práticas e poderes.

Em setembro de 2013, o debate acerca da contratualização do HUCFF com a Ebserh foi suspenso na UFRJ. Os argumentos contrários se direcionavam a uma possível ameaça à autonomia universitária, à gestão centralizada no governo e à necessidade de cessão do patrimônio dos Hospitais para a EBSERH. Havia também o receio de que a mudança pudesse sinalizar um risco de privatização dos hospitais, o que no entanto é vedado pela legislação da empresa, segundo a qual os atendimentos devem ser realizados exclusivamente pelo SUS.

Oito anos após a discussão sobre a adesão da Ebserh ter sido suspensa na UFRJ, o Conselho do Centro de Ciências da Saúde solicitou à reitoria, a pedido dos diretores dos hospitais do Complexo, a retomada das discussões e negociações. O Sindicato dos Trabalhadores em Educação da UFRJ (Sintufrj) imediatamente lançou uma nota contrária; a Regional Rio de Janeiro do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes-SN) também tem impulsionado uma campanha pela não-adesão.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em operação desde 2013, a Ebserh logrou nesse período estabelecer contratos de gestão com 40 hospitais universitários federais em um universo de 50 estabelecimentos. O Consuni - Conselho universitário da UFRJ aprovou a adesão à EBSERH, o que levou a manifestações contrárias pela Andes e outras organizações contrárias ao modelo proposto. Todavia, há fortes indicações de que a universidade aprovará proximamente a adesão do seu complexo hospitalar, composto por oito unidades, à empresa. Sob este ponto de vista, não restam dúvidas de que a Ebserh se consolida como o modelo de gestão dos HUFs. Ao mesmo tempo, não obstante já existir um razoável número de artigos acerca dessa experiência gerencial, ainda não há evidências suficientes sobre o impacto dessa mudança sobre o financiamento, a organização, a gestão e o desempenho dessas unidades.

Esta lacuna pode ser atribuída a diferentes fatores, dentre eles: (i) o período de vigência dos contratos ser relativamente curto para a observação de resultados; (ii) o processo de transferência da gestão para a Ebserh e de transição gerencial ser bastante complexo e lento; (iii) a carência de estudos longitudinais acerca do tema que possibilitaria o melhor acompanhamento dos processos de mudança em curso e (iv) a presença de um forte viés ideológico em parte dos trabalhos realizados. Espera-se que essa pesquisa possa contribuir com o debate sobre gestão hospitalar, ao colocar em pauta o posicionamento dos atores em torno da contratualização da Ebserh pelo HUCFF.