Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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ANÁLISE DO MODELO DE LINHA DE CUIDADO EM SAÚDE BUCAL SOB A PERSPECTIVA DA INTERPROFISSIONALIDADE
Thaís dos Santos Sena, Claudia Lima Alzuguir, Maria Katia Gomes, Eduardo Alexander Julio Cesar Fonseca Lucas

Última alteração: 2022-03-02

Resumo


Apresentação: O relato a seguir deriva de um projeto de pesquisa do curso de mestrado profissional em Atenção Primária à Saúde, do Instituto de Atenção à Saúde São Francisco de Assis, da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Teve como base minha vivência profissional enquanto Cirurgiã-dentista da Estratégia Saúde da Família na cidade do Rio de Janeiro.  Buscou-se analisar de forma interprofissional o modelo de linha de cuidado em saúde bucal utilizado em uma unidade básica de saúde da cidade do Rio de Janeiro de modo a gerar subsídios para reflexão e planejamento de estratégias organizadoras do acesso de forma equânime aos serviços de saúde bucal.

Desenvolvimento: O conceito de saúde como processo resultante dos aspectos culturais, biológicos, econômicos e ambientais possibilitou associar as condições de saúde bucal da população às vulnerabilidades econômicas e sociais. Foi evidenciado que os sujeitos mais vulneráveis são os que apresentam maior risco de adoecimento além de necessidades variadas de tratamentos odontológicos. Portanto, considera-se fundamental criar alternativas para o enfrentamento das necessidades bucais prioritárias, com foco na redução e prevenção de complicações clínicas locais e sistêmicas, que sobrecarregam diariamente os serviços em forma de demanda espontânea. Atualmente, têm-se discutido o enfrentamento das condições crônicas de saúde por meio da estratificação de risco, garantindo a materialização do princípio da equidade.

Diante disso, essa pesquisa teve como objetivo geral analisar o modelo de linha de cuidado em saúde bucal em uma unidade básica de saúde da cidade do Rio de Janeiro. Para tanto, foi realizado um estudo exploratório e descritivo, de natureza qualitativa, que consistiu na realização de grupos focais, com diferentes categorias profissionais da saúde, para a coleta de dados. Foram realizados 02 grupos focais, A e B, cada qual contendo 06 participantes, sendo esses representantes da enfermagem, medicina, odontologia e agente comunitário de saúde. Cabe sinalizar que os encontros ocorreram em um cenário de aumento do número de casos e de óbitos por COVID-19, interferindo diretamente na coleta e nos resultados.  Para análise dos dados, foi utilizada a análise de Bardin.

Os grupos focais envolveram atividades de dinâmicas de grupo de modo a estimular a participação e a interação entre os participantes.

Para início, foi utilizada a técnica brainstorming. Os termos expressados pelos profissionais, como dor de dente, cárie, rosto inchado, medicação, dente mole, sangramento, gengiva inchada, escovação, fio dental, orientação, extração, água fluoretada, entre outras, foram divididos em dois grupos: características do modelo de atenção biomédico, de caráter curativista, medicamentoso, mutilador, centrado na doença; e características do modelo centrado na pessoa, de caráter preventivo e promotor de saúde, no qual a evolução para um estado de doença é considerada um processo social.

Em seguida, foi realizada a leitura de um caso clínico baseado em fatos reais para ativar na memória dos participantes os acontecimentos presenciados ou vivenciados no dia-a-dia.

Depois, foram apresentadas fotografias com registros de agravos em saúde bucal em diferentes estágios. Notou-se que as imagens foram fundamentais para embasar e fortalecer as discussões.

Resultados e/ou impactos: Dentre as diferentes análises realizadas em torno das necessidades de saúde da população, foram selecionadas falas que evidenciam o modelo de atenção à saúde bucal que tem sido empregado na unidade. As categorias emergentes foram: cuidado centrado na pessoa, interprofissionalidade, integralidade, rede de serviços, condição de trabalho, profissionalização da odontologia, modelo biomédico, educação em saúde, vínculo, cultura e acesso.

O atendimento dos profissionais mostrou-se centrado no usuário e nas suas necessidades de saúde ao considerar as respectivas condições de saúde. Desse modo, eles produzem cuidado segundo a perspectiva da integralidade, na qual o sujeito é visto como um todo e as condições sistêmicas influenciam diretamente nas condições de saúde bucal e vice-versa.

Este modelo segue as diretrizes da Política Nacional de Atenção Básica que norteia o cuidado em saúde planejado por uma equipe multiprofissional, de forma interprofissional,e articulado em redes de atenção, onde a atenção primária assume o protagonismo como coordenadora.

Todavia, foi identificado que os profissionais se encontram constantemente em disputa com o modelo biomédico para a construção do cuidado. Este é caracterizado pela busca dos serviços somente em caso de dor, focado na doença.

Tal disputa se deve ao histórico da profissionalização da Odontologia que formou ao longo do tempo uma demanda específica em saúde bucal: a demanda por extração dentária com foco na diminuição da reincidência da doença e na manutenção da força de trabalho.

A profissão do cirurgião-dentista e a demanda por seus serviços foram moldadas historicamente pelas mudanças trazidas à economia,à sociedade e à política pelo sistema de produção capitalista. A industrialização possibilitou o avanço do capitalismo e a urbanização, atingindo os hábitos alimentares, levando ao aumento da obesidade, da diabetes, da cárie, entre outras.

A doença cárie é considerada o maior problema de saúde pública bucal, seguida da doença periodontal,ambas preveníveis e evitáveis com a higienização (escovação dentária e uso diário de fio dental) aliada a um consumo moderado de carboidratos, tornando a educação em saúde parte essencial do cuidado e da promoção de saúde. Observou-se que os hábitos pessoais são, em sua maioria, reflexos de estilos de vida coletivos, sendo a família a primeira rede de atenção à saúde dos sujeitos e a perpetuação dos hábitos por gerações um promotor da cultura local.

A categoria rede de serviços de saúde apareceu sob duas abordagens: uma rede multiprofissional na atenção primária, formada pelas equipes multiprofissionais de saúde, e uma rede hierarquizada, em diferentes níveis tecnológicos. A condição de trabalho, incluindo a infraestrutura local e a distribuição de habitantes por equipe, foi listada como um grande obstáculo a um atendimento de qualidade e resolutivo.

No que tange à integralidade, um atendimento acolhedor, com responsabilização e vínculo, centrado na escuta qualificada das necessidades dos sujeitos é premissa da Política Nacional de Humanização. A categoria vínculo assumiu grande relevância, aparecendo como necessária tanto na relação trabalhador-usuário quanto na relação trabalhador- trabalhador.

Em relação à primeira, o vínculo foi exemplificado nos relatos como componente de uma postura acolhedora e consequência da responsabilização profissional com o usuário. O “olhar” apareceu como forma de acolher com atenção, tornando-se parte da produção de um cuidado resolutivo.

Já a relação trabalhador-trabalhador, dentro da mesma equipe ou entre equipes, foi apresentada como fortalecida, baseada na construção de laços de responsabilidade, devido ao padrão de comunicação estabelecido.

Por último, evidenciou-se a categoria acesso aos serviços. Em meio ao cenário de pandemia, na unidade-cenário do estudo, as cirurgiãs-dentistas foram alocadas para a realização dos testes para detecção de COVID-19. Com isso, uma experiência singular de ampliação do acesso em saúde bucal e educação em saúde foi apresentada. As dentistas, ao fazerem a coleta de swab via oral, oportunizavam para avaliação da condição de saúde bucal, seguida de orientação em higiene oral e entrega de Kit odontológico e quando necessário, medicação e/ou agendamento, encaminhamento.

 

Considerações finais: Foi verificado um novo modo de agir em saúde para além da tecnologia dura, símbolo marcante do cuidado em saúde bucal. A perspectiva da integralidade levou as profissionais a superarem o âmbito clínico-cirúrgico e fazerem promoção de saúde. A estratificação de risco em saúde bucal foi pautada como proposta de organização do acesso aos serviços.