Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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Estágio supervisionado em serviço social: Relato de experiência à luz do desmantelamento da política pública de saúde mental
Ana Carolina Azevedo de Souza, Cláudia Tereza Fonseca do Nascimento, José Santos

Última alteração: 2022-01-23

Resumo


A questão da normalidade é algo que ocupa o ser humano desde muito tempo. Está relacionada à vários aspectos que porventura se sobressaem na conduta do indivíduo, como intensidade, frequência, ausência, contraditoriedade, causando-lhe desconforto e sofrimento, em algumas situações, bem como o modo de ser e de se comportar esperado do indivíduo, de acordo com o seu grupo sócio cultural, o que também aponta para a questão da patologia. Estudos documentais que consideram o Renascimento, apontam que nas sociedades ocidentais, o conceito de doença mental passou por uma constituição histórica, quando o louco vivia solto, era expulso das cidades e considerado possuidor de conhecimento cosmológico sobre os homens e o mundo. Assim, nesse período histórico nasce a des-razão em oposição à razão, à sede da moralidade e da verdade. Somente após esse período, já nos séculos VII e VIII é que a loucura será diagnosticada, sendo a igreja, a justiça e a família as responsáveis por tal prática e a transgressão das leis e do comportamento moral os critérios balizadores. Tais critérios (internação e reclusão), voltavam-se à inadequação social, muito embora os loucos fossem vistos como doentes. É nesse período, portanto, que os loucos começaram a ser recolhidos aos hospitais gerais, caracterizados como instituições assistenciais de segregação dos que foram excluídos da vida social, e que tenta-se construir um conhecimento médico sobre a loucura. Esse foi um passo em direção à segunda metade do século XVIII, quando as reflexões médicas e filosóficas passaram a localizá-la “dentro” do indivíduo e, já no final desse mesmo período, na França, se construiu o asilo, a primeira instituição isolada e vigiada, destinada exclusivamente aos loucos. O louco passou, então, a ser normatizado por meio da prática médica psiquiátrica (surgida também nessa época), que o considerava passível de se recuperar por meio da medicação, já que considerada como doença orgânica, e por outros métodos tidos como cruéis, para os casos considerados mais graves. Foi somente na segunda metade do século XX, entretanto, que surgiram movimentos de oposição a essa forma de psiquiatria clássica, surgindo a psiquiatria social e a antipsiquiatria, o movimento de luta antimanicomial, na Itália, e que se estendeu para várias partes do mundo, inclusive no Brasil, onde repercutiu na política pública de saúde mental, no Sistema Único de Saúde (SUS). A esse processo de luta, integrou-se o Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental (MTSM), composto por profissionais de saúde, entre eles lideranças municipais, usuários e seus familiares, participando como força ativa no esforço de construir opinião pública favorável à causa. Por meio da Lei nº 10.216/2001, foram estabelecidas novas diretrizes para políticas de saúde mental, prevendo a progressiva substituição dos manicômios no país por uma rede complexa de serviços que compreendem o cuidado em liberdade como elemento fundamentalmente terapêutico. Nesse sentido, a Portaria nº 336/2002 estabeleceu os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) nas modalidades CAPS I, CAPS II e CAPS III, definidos por ordem crescente de porte/complexidade e abrangência populacional. Entre todos os dispositivos de atenção à saúde mental, têm valor estratégico para a Reforma Psiquiátrica Brasileira, com a organização de uma rede substitutiva ao hospital psiquiátrico no país. Esse trabalho relata a experiência de Estágio Supervisionado I, na área da saúde mental, do Curso de Bacharelado em Serviço Social de um Centro Universitário particular, da Região Metropolitana de Belém-PA. Iniciado no dia 31 de setembro de 2021, foi realizado em um CAPS III, que faz parte da rede integrada de atenção psicossocial da Secretaria de Estado de Saúde do Pará (SESPA) e atende demanda referenciada das Unidades Básicas de Saúde, dos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) ou do Hospital de Clínicas Gaspar Viana. Teve frequência semanal, sempre às segundas e quartas-feiras, das 13:30 às 17:30h, com 8 horas semanais, e o total final de 120 horas. A equipe do local era composta por 7 Assistentes Sociais, dois deles no turno da manhã e 5 no da tarde, sendo um deles o responsável pela supervisão dos estagiários. Tinham, ainda, 6 psicólogos; 4 Enfermeiros, sendo igualmente divididas em cada um dos turnos de trabalho; além de 3 Médicos Clínicos cujos atendimentos se davam de acordo com a agenda, sem, portanto, haver definição de turno padrão. Havia, ainda, 02 Terapeutas Ocupacionais e 1 Educador Físico, todos pela manhã. Também contava com 1 Assistente Administrativo; 2 Serviços Gerais e 2 Seguranças (também um em cada turno). Quanto à estrutura física, era composta da seguinte forma: 1 recepção e 1 sala de espera; 2 salas de acolhimento; 2 salas para atendimentos; 1 sala de reunião técnica; 1 consultório; 1 secretaria e 1 sala de diretoria; duas oficinas de arte terapia; 2 salas de arquivo, sendo uma delas para arquivo morto; 1 copa; 3 banheiros e uma varanda. De modo geral, tal estrutura encontrava-se bastante precarizada, oferecendo riscos tanto aos funcionários aos usuários. Nos espaços, faltavam mobiliário básico como cadeiras e, as poucas que ainda existiam, apresentavam avarias, fazendo com que houvesse uma espécie de revezamento para utilizá-las. Além disso, as condições de ambiência não ficavam atrás, pois as centrais de ar não funcionavam, aumentando ainda mais a temperatura ambiente, e que era minimamente aliviada apenas na recepção, local onde haviam dois ventiladores. Ainda assim, esse espaço tinha dimensões limitadas, dada a grande demanda atendida, produzia aglomeração entre os usuários e acompanhantes, aumentando o risco de contaminação pelo novo coronavírus. Além disso, havia a presença de goteiras e infiltrações, com acúmulo de mofo nas paredes internas do CAPS, bem como a forte possibilidade de espaços como as oficinas serem atingidas pelas fortes chuvas e, consequentemente, interromper e/ou inviabilizar qualquer tipo de atividade lá realizada. As salas de atendimento e de acolhimento, na verdade, eram utilizadas por todas as categorias profissionais com a mesma finalidade, de acordo com a disponibilidade, ferindo a legislação que prescreve a atuação de cada categoria. Quanto as atividades realizadas durante o estágio, estas envolveram a participação em atividades alusivas a campanhas e datas comemorativas, como por exemplo, o “setembro amarelo” e o dia de luta antimanicomial, bem como participação em diversas oficinas terapêuticas. Além disso, atividades técnicas também foram priorizadas, como o acolhimento de usuários e procedimentos nele envolvidos, como por exemplo, os instrumentais técnicos que norteiam a atuação profissional do/a assistente social. Também foi permitido, com o devido acompanhamento técnico, fazer a evolução de usuários no prontuário e o preenchimento dos Registros das Ações Ambulatoriais de Saúde (RAAS). Percebeu-se, portanto, que o estágio possibilitou um processo de aprendizado da atuação profissional, dando ao graduando a vivência de perspectivas e desafios no campo, segundo os parâmetros técnicos de sua futura atuação. As condições sócio laborais e estruturais aqui descritas são parte do desmonte que políticas e serviços públicos de saúde e assistência social vêm sofrendo, aparelhados por grupos de interesse privado desde o final de 2016. Isso inclui, no próprio CAPS, o descumprimento de uma série de parâmetros obrigatórios previstos na Portaria nº 336/2002, como a obrigatoriedade de uma atenção contínua, durante 24 horas diárias, incluindo feriados e finais de semana. A falta de monitoramento e transparência sobre o desenvolvimento das políticas de saúde mental no país são algumas das marcas que inauguram essa mudança, apesar das significativas conquistas alcançadas com o SUS e pelo processo gradativo de reforma psiquiátrica.